#CG125: De janelas ornamentadas a obras futurísticas, edifícios icônicos contam a história de Campo Grande
Pelos edifícios emblemáticos que constroem a paisagem da cidade, arquitetura rememora evolução de Campo Grande nesses 125 anos
Jennifer Ribeiro –
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Mais do que a cidade das araras, das árvores, do pôr do sol inesquecível e do tereré gelado, Campo Grande é um município de histórias. Cada edifício, seja ele antigo ou recém-construído, carrega parte da identidade da Capital Morena, assim como a de quem nela habita.
Assim, o contraste entre as janelas ornamentadas e as grandes obras futurísticas não passa desapercebido pelos olhares atentos de quem caminha pela cidade.
Na terceira matéria especial em comemoração aos 125 anos de Campo Grande, o Jornal Midiamax conversou com o arquiteto e urbanista Fernando Batiston. Estudioso do patrimônio histórico da cidade, ele é chefe da Divisão do Patrimônio Cultural e Natual da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo).
Ao Jornal Midiamax, ele apresentou, em ordem cronológica, a evolução do município pelo olhar arquitetônico. De quebra, rememorou a história por trás dos edifícios emblemáticos que constroem a paisagem da Cidade Morena.
1880 – Museu José Antônio Pereira
Construída em 1880, a edificação que hoje conhecemos como o Museu José Antônio Pereira é a mais antiga de Campo Grande. O nome, claro, é uma homenagem ao fundador da cidade. Na época, o local funcionava como sede da antiga Fazenda Bálsamo, propriedade de Antônio Luiz Pereira, filho de José Antônio Pereira.
No ano de 1966, Carlinda Pereira, neta do fundador de Campo Grande, herdou as terras. Ela achou por bem, como preservação da história da família, doar o conjunto arquitetônico à Prefeitura, para que fosse incorporado ao patrimônio histórico da cidade.
“A arquitetura vernacular do Museu José Antônio Pereira é o único exemplar que restou na cidade. Edificada por meio do sistema construtivo em taipa de sopapo, também conhecido como pau a pique”, explica o arquiteto. “Esse tipo de arquitetura remete ao início da formação urbana da cidade, sendo característico das habitações dos desbravadores de Campo Grande”, acrescenta.
Atualmente, o Museu é o principal narrador da fundação da cidade e oferece, a quem visita, um retorno ao século XIX. Nele, encontram-se objetos pessoais da família, como utensílios domésticos, carro de boi e um monjolo.
Logo, no ano de 1980, em comemoração ao centenário de construção da casa sede, o artista plástico Índio inaugurou uma escultura em arenito bem em frente a casa, representando Antônio Luiz Pereira, sua esposa Anna Luiza e a filha do casal, Carlinda.
O conjunto foi tombado pela Resolução de Tombamento: Decreto nº 4934, de 20 de abril de 1983.
1918 – Morada dos Baís
Lar da família Baís até 1938, a edificação que hoje conhecemos como Morada dos Baís, foi construída entre os anos de 1913 e 1918. O imóvel foi projetado pelo engenheiro Padiá Calógeras e executado pelo italiano Mathias.
Toda a obra, na época, foi acompanhada pelo proprietário, Bernardo Franco Baís, um comerciante italiano que chegou a Mato Grosso do Sul em 1879, aos 18 anos. Contudo, a construção foi o primeiro sobrado da Avenida Afonso Pena, o segundo da cidade e a primeira edificação em alvenaria de tijolos da história do município.
Toda a estrutura arquitetônica foi criada em estilo eclético, com inspirações no neoclássico, que referencia características greco-romano.
“As fachadas são trabalhadas em uma sequência de portas e janelas em arco pleno, com bandeiras e balcões metálicos, com sequência de orientação horizontal. O coroamento é composto de frontões curvos e triangulares com pináculos em forma de abacaxis”, explica o arquiteto.
Após a morte do patriarca da família Baís, o prédio foi alugado por Nominando Pimentel, que fez do local a Pensão Pimentel.
No entanto, em 1974, um incêndio de grandes proporções consumiu parte da estrutura, exigindo que todo o espaço passasse por uma intensa reforma.
Após o incêndio, o prédio reformado foi usado em diversos tipos de comércio, até que em 1986, a edificação tornou-se um espaço de arte e cultura com o tombamento como patrimônio histórico do município.
Em 2021, chegou ao fim a parceria entre o Sesc Cultura e a prefeitura de Campo Grande, e o icônico casarão amarelo da Avenida Afonso Pena, que por mais de um século resiste às transformações da cidade, se tornou mais um dos inúmeros pontos turísticos e culturais que caíram em desuso na Capital.
1918 – Colégio Oswaldo Cruz
Paralela à construção da Morada dos Baís, algumas quadras dali outra importante edificação era construída: o Colégio Oswaldo Cruz. Hoje, localizado na Avenida Fábio Zahran, em frente ao Mercadão Municipal, o imóvel foi levantado por Adolfo Stefano Tognini, teve a fachada executada por Francesco Cetraro, e recebeu um estilo eclético com ornamentos neoclássicos, que era alta na época.
No início de sua fundação, o edifício não era um colégio, mas sim um centro comercial muito frequentado pela elite política e econômica da cidade. No entanto, em 1929 o espaço foi adaptado pelo professor Henrique Corrêa para abrigar o colégio Osvaldo Cruz e ampliado em 1937.
O arquiteto explica que a fachada do prédio foi construída no estilo eclético. Nele, há aberturas retangulares alternadas entre portas e janelas e coroamento composto por um frontão triangular central. Os secundários se alternam entre triangulares e abatidos e arremates de coroamento em compoteira.
Com o passar dos anos, o local foi destinado a entidades beneficentes e de caridade. O imóvel onde funcionava o Colégio Osvaldo Cruz foi destinado para à ABCG (Associação Beneficente Santa Casa de Campo Grande).
O edifício do Colégio Osvaldo Cruz foi tombado pelo município em 1997, por intermédio da Lei Municipal nº 3.387, de 27 de outubro de 1997, e em 2005, quando a administração municipal interveio na gestão da Santa Casa, como o prédio era da ABCG, também ficou sob o comando da prefeitura, até 2015, quando voltou ao controle da ABCG.
1921 – Casa Arnaldo Estevão de Figueiredo
Dois anos depois, outro edifício, que também se tornaria um marco para a história da cidade, foi construído, dessa vez, na avenida que hoje chamamos Calógeras.
Era a casa e escritório de Arnaldo Estevão de Figueiredo, um engenheiro-agrônomo que foi prefeito de Campo Grande, o último governador de Mato Grosso uno e o responsável pela primeira feira livre da cidade.
Conforme Fernando, uma das curiosidades sobre a casa é que ela foi a primeira em Campo Grande a contar com sistema de instalações hidráulicas e banheiro dentro da residência.
A propriedade, construída em estilo eclético – que mistura diversos estilos arquitetônicos -, é rica em detalhes e ornamentos a começar por seus muros esculpidos que imitam uma trama com galhos de madeira entrelaçados.
Atualmente, o imóvel é um espaço comercial, mas já foi a Casa da Memória, com um arquivo histórico sobre o primeiro morador.
1935 – Esplanada Ferroviária
Após a 1ª Guerra Mundial, muitos comerciantes estavam empolgados para intensificar importação e exportação de produtos, principalmente o charque.
Por isso, por volta de 1919, Campo Grande entrou no radar dos dirigentes da NOB (Noroeste do Brasil) como um lugar que deveria receber mais investimentos já que a cidade estava recebendo muitas cargas e passageiros.
Assim foi feito. Em 1935 o edifício da Esplanada Ferroviária foi construído pelo engenheiro Aurélio Ibiapina, na região centro-norte da cidade, em uma área de 223.200 metros quadrados.
O espaço é composto por edificações residenciais e não residenciais, distribuídos pelas ruas: dos Ferroviários, General Melo, Dr. Ferreira, Calógeras, 14 de Julho, General Melo e Dr. Temístocles.
Segundo Fernando, 160 imóveis compõem o conjunto ferroviário e alguns deles se destacam como os mais representativos: a Estação Ferroviária, Armazém Cultural, a Escola Estadual de Primeiro Grau Álvaro Martins (atualmente, Sede do Conselho de Arquitetura e Urbanismo), Sede do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e Casa do Engenheiro Chefe (atualmente conhecido como Casa do Prefeito) e o prédio das oficinas da Rotunda.
Desses imóveis, alguns são de alvenaria e outros, de madeira.
O edifício da Estação Ferroviária conta com um saguão de entrada, único cômodo com laje de concreto. Isso difere dos outros que contam apenas com um forro de madeira que separa a estrutura de madeira da telha de barro francesa.
Já na área de embarque dos passageiros, há uma estrutura de trilhos dos anos de 1906 de ferro inglês, importados da Europa.
As portas e janelas receberam molduras feitas de argamassa de areia e cimento, muito comuns nos edifícios ferroviários.
1939 – Edifício José Abrão
Popularmente conhecido como Hotel Americano, o Edifício José Abrão está localizado na Rua 14 de Julho, esquina com a Rua Cândido Mariano e é considerado um importante marco para a história da cidade, já que foi o primeiro prédio com três pavimentos de Campo Grande.
Projetado pelo arquiteto Frederico João Urlass e edificado por Manoel Rosa, o local foi construído com o intuito de abrigar um centro comercial, com escritórios e lojas. No entanto, logo que foi concluído, em 1939, foi alugado para funcionamento de um hotel.
Na época, ele era considerado o maior e mais elegante prédio da cidade e chamava atenção por seu revestimento externo em pó de mica avermelhada, vinda do interior do Estado.
1941 – Santuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Localizado à direita do Córrego Segredo e próximo à linha ferroviária, o Santuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro começou a ser construído em 1939, dois anos antes de sua inauguração.
Fundada pelo Bispo de Corumbá, Dom Vicente Priante, é considerada uma das mais belas igrejas de Mato Grosso do Sul. Conforme estudos feitos sobre sua estrutura, o local foi inspirado na Basílica de Santo Apolinário em Classe, localizado em Ravena, na Itália.
A cor avermelhada da igreja vem da terra da Cidade Morena, utilizada na alvenaria. Já o brilho que há na edificação é devido à utilização de pó de mica, um dos três componentes do granito. A igreja foi tombada em 13 de julho de 2018 como patrimônio histórico do município.
Segundo Fernando, “o prédio foi edificado em um momento em que Campo Grande vivia o declínio do estilo eclético e o apogeu do Art déco em suas construções, isso explica o motivo, do projeto ter referencias arquitetônicas antigas e seu revestimento ser em pó de mica, que é característico das edificações do Art déco”.
1947-1948 – Edifícios Olinda e Nacao
O final da década de 40 trouxe mudanças significativas para a arquitetura de Campo Grande. Isso porque foi neste período que a cidade começou a se verticalizar, com o aumento de construções que excediam os dois pavimentos, comuns até então. Os mais importantes, constrúidos nesta época, são os edifícios Olinda e Nacao.
O Edifício Olinda foi construído em 1947 e está localizado na Rua 14 de Julho, esquina com a Avenida Afonso Pena. Projetado pelo engenheiro Otávio Mendonça de Vasconcelos, o prédio foi feito em estilo Art Déco e apresentado como o primeiro ‘edifício alto’ de Campo Grande, graças aos seus cinco pavimentos.
Já o Edifício Nacao (antigo Edifício Santa Eliza, atualmente Edifício João Rezek), foi construído em 1948 e está localizado Rua 14 de Julho, esquina com a Rua Dom Aquino Correia.
Ele também marca a modernidade arquitetônica da cidade, já que na época era o maior prédio da Cidade Morena. O edifício era constituído por grandes lojas no térreo, cinco pavimenos de escritórios e foi o primeiro a contar com elevador.
Originalmente, o edifício foi denominado ‘Edifício Futurista’ e apelidado pela população à época de ‘Pettit Martinelli’, em uma alusão ao Edifício Martinelli, construído na cidade de São Paulo, também considerado o maior da cidade paulistana.
Anos depois, o prédio foi renomeado, passando a ser ‘Edifício Santa Eliza’ e depois, ‘Edifício Nacao’. O edifício foi construído para atender a uma nova demanda que emergia na cidade: profissionais liberais (contadores, engenheiros, agrimensores, médicos, dentistas, etc.) que buscavam um espaço para exercer suas especialidades profissionais e almejavam por lugares de destaque, que fossem modernos e bem localizados.
1954 – Escola Estadual Maria Constança de Barros Machado
Se o assunto é modernismo, na arquitetura não podemos deixar de mencionar Oscar Niemeyer, um dos maiores expoentes desse estilo no Brasil.
Em 1952, o então governador de Mato Grosso uno, Dr. Fernando Corrêa da Costa, solicitou a Niemeyer uma ideia de projeto, pois precisava de duas escolas no sul do Estado.
A ideia foi apresentada no ano seguinte e, em 1954, a Escola Estadual Maria Constança de Barros Machado foi entregue.
A inspiração para o projeto veio de itens relacionados e utilizados na educação, como um livro aberto, um papel mata-borrão e um giz.
Atualmente o prédio é tombamento pelo Estado de Mato Grosso do Sul por meio da Resolução SECE, de 3 de julho de 1997.
1964 – Edifício Irmãos Salomão
Construído em 1964, o Edifício Irmãos Salomão, mais conhecido como Galeria São José, foi assinado pelos irmãos Abdo Salomão e Miguel Salomão, no local que antes ficava o Cine Trianon, na Rua 14 de Julho.
O prédio foi construído em estilo modernista ou seja, sua arquitetura trocava os ornamentos e excessos de decoração por linhas e formas simples, e abrigava lojas comerciais e apartamentos, somando 14 pavimentos. Ele, que foi o primeiro arranha-céu construído na cidade, conta com uma torre de empenas cegas sob uma base que ocupa todo o terreno.
1971 – Edifício Laucídio Coelho
De estilo brutalista, como o nome propõe, a arquitetura do Edifício Laucídio Coelho é marcada pelo concreto aparente e por seus 15 andares que evidenciam o modernismo, ainda forte na época de sua construção.
Inaugurado em 1971 pelo empreendedor Laucídio Coelho para ser as instalações do Hotel Campo Grande, o empreendimento era símbolo de luxo e modernidade, e por anos foi considerado o maior hotal da cidade. Seu projeto foi assinado pelos arquitetos Alberto Rubens Botti e Marc Boris Rubin.
Por seu saguão passaram artistas, autoridades, exposições, além de diversos eventos. O Hotel Campo Grande encerrou suas atividades em 2001.
1980 – Parque dos Poderes
O complexo arquitetônico do Parque dos Poderes foi idealizado pelo ex-governador Pedro Pedrossian e concentra as sedes administrativas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de Mato Grosso do Sul.
A construção foi pensada para que a população tivesse acesso aos serviços públicos em um único lugar, otimizando seu tempo. Além disso, a estrutura foi projetada diferente do que havia até então, com o intuito de Campo Grande tivesse ‘cara de Capital’.
A obra, no entanto, foi entregue em duas etapas. No começo dos anos 80, foram entregues oito blocos que hoje abrigam as secretarias estaduais do Poder Executivo. No final da mesma década foram construídos o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas, a Assembleia Legislativa e o Centro de Convenções Arquiteto Rubens Gil de Camillo, o Palácio Popular de Cultura.
De 2020 a 2022, o espaço passou pela primeira revitalização e recebeu piso novo, estrutura com academias ao ar livre, ciclovia, bancos de descanso, lixeiras de um novo projeto de paisagismo.
2022 – Bioparque Pantanal
Um dos mais recentes e importantes empreendimentos para a arquitetura de Campo Grande, sem dúvidas, é o Bioparque Pantanal. O projeto foi desenvolvido em 2008 por Ruy Ohtake, referência na arquitetura moderna nacional, e inaugurado em 2022.
Considerado o maior aquário de água doce do mundo, atualmente o Bioparque conta com mais de 21 mil metros quadrados de área construída e abriga mais de 390 espécies de animais, incluindo peixes de todos os continentes, sucuri, jacarés e jabutis.
Robusta, a estrutura metálica, vinda da Espanha, impressiona por suas curvas em formato de elipse. É este formato que traz a característica critativa e inovadora de seu criador.
#CG125 – Campo Grande faz aniversário!
O Jornal Midiamax iniciou a partir de 19 de agosto a publicação de uma série de reportagens com perspectivas sobre a Capital sul-mato-grossense, que completa, no dia 26 de agosto de 2024, 125 anos de sua fundação.
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