Mato Grosso do Sul foi criado em 11 de outubro de 1977, por meio de uma canetada do então presidente da República, general Ernesto Geisel. Todavia, na prática, o Estado só foi sair do papel em 1º de Janeiro de 1979. E para a solenidade de posse do governador Harry Amorim Costa e dos deputados constituintes, conta-se que houve um concurso para a seleção dos símbolos pátrios, dentre eles o hino de Mato Grosso do Sul.

Atualmente pouco difundido entre os habitantes do Estado, há alguns detalhes pouco exploradas nas aulas de história, que você confere a seguir.

Concurso

De fato, um concurso foi lançado para se escolher os símbolos pátrios do recém-criado Estado. Porém, somente brasão e bandeira foram premiados – a comissão julgadora não gostou das propostas de hino que foram inscritas no concurso. Com isso, o advogado Jorge Antônio Siufi e o agrônomo Otávio Gonçalves Gomes foram chamados às pressas, poucos dias antes do natal, para compor uma letra à melodia composta pelo maestro Radamés Gnattali, que seria apresentada nos dias seguintes durante a solenidade que ‘tiraria’ Mato Grosso do Sul do papel.

Primeira Execução

Toda a pressa era para que no dia 1° de Janeiro de 1979, data em que Mato Grosso do Sul passou efetivamente a funcionar, o hino pudesse ser executado e abrilhantasse a solenidade – a musicista Lenilde Ramos, hoje sanfoneira consagrada no Estado, participou da primeira execução, no Teatro Glauce Rocha. O hino, no entanto, seguiu esquecido até 1994, quando finalmente ocorreu o primeiro registro da partitura em mídia física, comandado pelo músico Odon Nacasato.

Calote

No concurso, o prêmio para o hino era de 100 mil cruzeiros. Mas, nem a dupla de compositores Jorge Antonio Siufi e Otávio Gonçalves Gomes e nem o autor da melodia, o maestro Radamés Gnattali, foram devidamente pagos por seus serviços. Radamés, no caso, recebeu apenas a primeira parcela do pagamento. O que foi feito com o dinheiro é um mistério que dura 40 anos. Siufi e Gomes receberam apenas um “obrigado”, como o mesmo relatou.

Representações

Além de divulgar e enaltecer belezas naturais de Mato Grosso do Sul, o hino também destaca figuras históricas e retrata grandes nomes de episódios históricos como a Retirada de Laguna, durante a Guerra da Tríplice Aliança, também conhecida como Guerra do Paraguai. Os nomes que aparecem são de Vespasiano Martins, que foi político e defensor da emancipação do sul do Mato Grosso; Coronel Carlos de Morais Camisão, que liderou a Retirada de Laguna; Tenente Antônio João, que no mesmo episódio ordenou a retirada de civis e resistiu até a morte contra a artilharia Paraguaia; guerreiros Guaicurus, índios cavaleiros que lutaram na Guerra do Paraguai; e Ricardo Franco de Almeida Serra, engenheiro militar português responsável pela fundação do Forte Coimbra, em Corumbá.

Hinos alternativos

Em 2005, em uma solenidade de abertura da XIV dos Jogos Abertos Brasileiros, durante a gestão do então governador Zeca do PT, a canção ‘Trem do Pantanal’, de Paulo Simões e Geraldo Roca, foi tocada no lugar da hino oficial. Foi a deixa para uma calorosa discussão sobre representatividade, conforme traz a obra de Álvaro Neder, ‘Enquanto este novo trem atravessa o Litoral Central’.

 

Mas, além de ‘Trem do Pantanal’, a canção ‘Sonhos Guaranis’, também de Paulo Simões, costuma ser considerada hino alternativo, até porque narra os mesmos fatos históricos mencionados na letra oficial de Siufi e Gomes. Porém, até a Mercedita, um chamamé clássico do Paraguai, já foi abraçado pelos sul-mato-grossenses como uma canção representativa da identidade de quem mora aqui.

Lembra ou não lembra?

O número de pessoas que sabe o hino de cor costuma ser bem baixo. Há várias possíveis explicações para isso, sendo a primeira o fato da gravação oficial ter demorado 16 anos. Isso dificultava, por exemplo, que as escolas ensinassem a letra nas aulas. Além disso, tem toda a questão que dialoga com o contexto autoritário no qual Mato Grosso do Sul foi criado – como uma estratégia para garantir número suficiente de representantes do partido Arena no Congresso Nacional, a fim de assegurar a eleição do general João Figueiredo em 1979 e sobrevida do regime militar até 1985, conforme apontam os historiadores.

“Vale lembrar que na época da criação do Estado, estávamos submetidos ao Ato Institucional n° 5, ou seja, no auge da ditadura militar. Não houve participação popular para a criação do Estado, muito embora, historicamente, alguns movimentos já tenham pedido a emancipação política do sul do Mato Grosso. Mas, numa ação sem clamor popular, as questões identitárias que envolvem o hino se tornam muito frágeis. Boa parte da população nem tinha ideia do que estava acontecendo”, explica a historiadora Alisolete Weingartner, do instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul.

* Parte das informações desta matéria foram retiradas do documentário ‘Hino – Glória e Tradição de uma Gente Audaz’, exibido na última segunda-feira (9), no Museu da Imagem e do Som (MIS). A produção foi fruto do Curso de Documentário promovido pelo MIS, em parceria com a TVE, e teve coordenação de Marinete Pinheiro e de Carlos Diehl.