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Cotidiano

Sem ar-condicionado em 80% das salas, calor expõe fragilidade de escolas públicas em MS

O calor intenso afeta o desempenho escolar e gera impactos significativos na saúde física e mental dos estudantes
Lethycia Anjos, Liana Feitosa -
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ventilador
Apenas ventiladores em escola (Ilustrativa)

Às 15h do dia 20 de fevereiro, o termômetro marcava 37 °C em Água Clara, Mato Grosso do Sul. Enquanto o suor escorria, cada tique-taque do relógio acima da lousa tornava ainda mais desafiador passar horas a fio em um ambiente fechado. Em um cenário de altas temperaturas, o calor intenso tem impactado a rotina dos sul-mato-grossenses, especialmente para os estudantes, que precisam permanecer por longos períodos em salas de aula.

Na última segunda-feira (17), mais de 180 mil alunos da REE (Rede Estadual de Ensino) retornaram às atividades escolares com o duplo desafio de adaptar-se à nova proibição do uso de celulares e lidar com as altas temperaturas causadas por uma onda de calor, prevista para durar até a próxima segunda-feira (24).

Apesar da SED (Secretária de Estado de Educação) ter implementado ventiladores em todas as escolas, apenas 20% das salas de aula contam com aparelhos de ar-condicionado na rede estadual. Esse percentual é menor que a média nacional, de 33%, e agrava a situação em um Estado onde o clima quente exige soluções eficazes para o conforto térmico.

Calor extremo expõe desigualdades sociais

Volta às aulas
Volta às aulas (Nathalia Alcântara, Midiamax)

As altas temperaturas afetam diretamente no aprendizado e na saúde dos estudantes e professores, o que pode reduzir o desempenho e até mesmo contribuir para a evasão escolar. Especialistas afirmam que, quando a temperatura ambiente atinge 38 °C, a capacidade de aprendizado é significativamente impactada.

No Brasil, o calor não apenas intensifica o desconforto físico, mas também expõe as desigualdades sociais e a precariedade da infraestrutura nas escolas. De acordo com o Censo Escolar, sete em cada dez salas de aula em escolas públicas (municipais e estaduais) não contam com qualquer forma de climatização, como ventiladores ou aparelhos de ar-condicionado.

Dados climatização nas escolas
Dados climatização nas escolas (Infografia – Lethycia Anjos, Midiamax)

Dados do CIEPP (Centro de Inovação para Excelência em Políticas Públicas) reforçam esse cenário, nas escolas públicas 66,01% não possuem ar-condicionado. Até mesmo nas escolas privadas o índice é de 52,96%. No total, são 722.344 salas de escolas públicas e 256.024 de escolas particulares sem climatização adequada.

Vale lembrar que, em 2023, um relatório do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) revelou uma série de irregularidades na infraestrutura de escolas municipais em MS. Os problemas identificados na fiscalização, incluíram a falta de acessibilidade, banheiros sem portas, parquinhos desmontados e cobertos de entulho, cozinhas em condições precárias e até uma fossa aberta e com larvas.

Impactos físicos e mentais

Escola improvisada em barracão (Fala Povo)

Psicopedagoga e mestre em neurociência, Gláucia Benini destaca que o calor intenso afeta diretamente o desempenho cognitivo e emocional dos estudantes. Quando o corpo entra em um estado de prioridade para atender às necessidades fisiológicas, como a regulação da temperatura corporal, processos secundários, como o raciocínio cognitivo, entram em “stand-by”.

“A prioridade do corpo é manter a hidratação e a temperatura, então o raciocínio cognitivo fica em segundo plano, o que causa uma grande interrupção na concentração e na aprendizagem”, explica.

No caso das crianças, o processo de desidratação é ainda mais preocupante. Segundo a especialista, durante períodos de altas temperaturas, o corpo infantil desidrata mais rápido, o que pode resultar em náuseas, tonturas, confusão mental, irritabilidade e desconforto. Para minimizar esses efeitos, Gláucia aponta que o fundamental é garantir a climatização adequada nas escolas.

“O ventilador nem sempre resolve, o vento distrai os alunos e o ruído atrapalha a voz dos professores, que precisam falar em volume mais alto devido ao barulho, tudo isso compromete a concentração. Também é preciso revisar as instalações elétricas, pois muitas escolas têm ar-condicionado, mas a infraestrutura elétrica não comporta a demanda.”

Além disso, a psicopedagoga sugere que investimentos em áreas verdes nas escolas pode reduzir o calor e garantir o bem-estar dos estudantes.

“Sem isso, é impossível que os estudantes desenvolvam o aprendizado cognitivo e estejam emocionalmente preparados para absorver o conteúdo e obter bons resultados. Estudos demonstram que, em ambientes de calor, as crianças tendem a tirar notas, em média, 2% menores se comparadas a ambientes com temperatura adequada”, conclui.

Como as escolas enfrentam o ‘calorão’?

Para minimizar os impactos do calor, Helio Queiroz Daher, titular da SED, explica que a secretaria elaborou um “mapa de ações” com diretrizes específicas para enfrentar emergências climáticas, como ondas de calor, queimadas, frio extremo e chuvas intensas.

“Criamos uma Coordenadoria Geral dentro da SED com o objetivo de orientar as escolas a agirem conforme as particularidades de cada situação e região. Na área do Pantanal, por exemplo, no caso de queimadas, as escolas serão preparadas para orientar professores e estudantes”, destaca.

Escola da REE
Calor intenso exige aumento na hidratação (Divulgação, SED)

Em dias de calor intenso, a SED orienta as escolas a ajustar atividades e cardápios escolares. Entre as medidas, destaca-se o aumento na oferta de alimentos ricos em água e a recomendação de reforçar a hidratação de estudantes e servidores.

“Quando essas orientações são repassadas às escolas, sugerimos que as comunidades escolares também sejam alertadas para manter os cuidados com hidratação, levando uma garrafinha, e evitem exposição ao calor nos períodos mais críticos”, pontuou a Secretaria.

Nas escolas da Reme (Rede Municipal de Ensino), a Semed (Secretaria Municipal de Educação), esclarece que os professores orientam os alunos quanto à hidratação constante e o cardápio se adapta para priorizar sucos, frutas, saladas e alimentos refrescantes.

Além disso, os professores de Educação Física optam pela redução das aulas práticas e atividades mais leves para os estudantes. A Semed também orienta as unidades a manter portas e janelas abertas para uma melhor ventilação.

Em 2024, a SED e Semed suspenderam as atividades esportivas devido a uma onda de calor intensa. Já a suspensão de atividades escolares ocorre apenas em casos extremos, para evitar prejuízos ao calendário letivo.

Desafios estruturais

A climatização das escolas também enfrenta desafios estruturais significativos. Muitas unidades educacionais estão sediadas em prédios antigos, com mais de 50 anos, ou localizadas em edificações tombadas como patrimônio histórico, como a Escola Maria Constança de Barros Machado, o que exige adequações específicas para reformas.

Escola da REE
Sala com ar-condicionado em MS (Divulgação, SED)

“No caso da escola Joaquim Murtinho, fizemos uma reforma completa, já que a estrutura não suportava mais a demanda energética. Em algumas unidades, implementamos gás encanado e energia solar. Contudo, dependemos de parcerias, o próprio fornecedor estipula um prazo de até sete meses para a entrega do ar-condicionado”, acrescenta Daher.

Nas demais escolas, a SED reiterou que o processo de climatização das escolas está em andamento, mas depende da readequação elétrica das unidades, realizada em reformas gerais ou parciais.

Vale lembrar que, em novembro de 2023, a prefeitura de Campo Grande prometeu a instalação de ar-condicionado em todas as escolas municipais. Ao todo são mais de 4 mil aparelhos que deveriam ser adquiridos e instalados.

Onda de calor

A onda de calor que castiga a população em Mato Grosso do Sul segue até o dia 24 de fevereiro. O fenômeno meteorológico favorece o aumento de temperaturas de 3 a 7 °C acima da média histórica para o período. Contudo, a máxima pode alcançar os 39 °C nos próximos dias.

O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) explica que uma massa de ar quente e seco ganha força. Já o ClimaTempo destaca que uma frente fria se afasta em alto-mar na altura do litoral sul de São Paulo e Paraná, mas sem efeito relevante nas temperaturas na Região Sudeste. O pouco de ar polar que vem com esta frente fria se desloca pelo oceano está bloqueado pela forte massa quente que predomina no Sudeste.

Nesse cenário, a previsão indica um calor intenso de 3 a 5 °C acima da média na região sudoeste e sul do Estado, enquanto há chance de calor extremo de 5 a 7 °C nas demais regiões de Mato Grosso do Sul.

Como se proteger?

Para se proteger do calor intenso, recomendam-se alguns cuidados básicos:

  • Beba bastante líquido para manter o corpo hidratado, mesmo se não estiver com sede.
  • Evite atividades físicas extenuantes durante as horas mais secas e quentes.
  • Minimize a exposição direta ao sol durante os horários de maior calor.
  • Lave as mãos regularmente e evite tocá-las no rosto.
  • Opte por frutas com alto teor de líquidos, como melancia, melão e laranja.
  • Use soro fisiológico nos olhos e nariz para evitar o ressecamento.
  • Hidrate a pele do rosto e do corpo, especialmente após o banho e antes de dormir.
  • Utilize chapéus e óculos de sol para se proteger dos raios solares.

Caso algum estudante ou servidor passe mal em razão das altas temperaturas, a escola deve o encaminhar para um local com boa ventilação. Conforme a SED, no caso do estudante, a orientação é ligar para os pais/responsáveis e, se necessário, acompanhar até a Unidade de Saúde mais próxima.

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