Comentários invasivos nas redes sociais. Perfis falsos monitorando sua rotina e a de seus familiares. Diversas mensagens ou ligações de uma mesma pessoa. Perceber a presença frequente de alguém nos mesmos lugares que você. Estes são alguns sinais atribuídos ao crime de stalking (perseguição em inglês), que nesta terça-feira (1°) completa 4 anos.
✅ Clique aqui para seguir o Jornal Midiamax no Instagram
O stalking não é um crime recente, mas é fato que com o advento das redes sociais o assunto tomou maiores proporções, até porque, as plataformas também facilitaram as ações criminosas. Antes, este tipo de violação era enquadrada em um artigo da Lei das Contravenções Penais e tinha como pena a prisão por 15 dias a dois meses, ou multa.
Desde 2021, stalking é crime, com tipificação específica: pena de seis meses a dois anos e multa, podendo chegar a três anos quando o crime é praticado contra a mulher, adolescente ou idoso.
Dados da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública) apontam que, só em 2025, 163 ocorrências foram registradas. Desde que a lei entrou em vigor, foram 5.083 casos. Conforme o TJMS (Tribunal de Justiça de MS), nos últimos quatro anos, 2.078 julgamentos foram proferidos.
Stalking – Crime de Perseguição | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 | 2025 | Total |
Quantidade de Ocorrências | 988 | 1500 | 1430 | 1002 | 163 | 5083 |
O que configura stalking?
Devido às redes sociais, o termo stalking tornou-se viral porque é a maneira como nos referimos à ação de ‘bisbilhotar’ as publicações de uma pessoa. No entanto, esse hábito, se pautado apenas pela curiosidade, não configura crime.
Conforme a advogada Vitória Junqueira Cândia, especialista em Direito da Família e casos de stalking, aplica-se a lei nos casos em que alguém: persegue uma pessoa de forma reiterada; ameaça a integridade física ou psicológica da vítima; restringe a capacidade de locomoção da vítima; invade ou perturba a esfera de liberdade ou privacidade da vítima.
“Isso tudo pode acontecer isoladamente ou de forma acumulada. Ou seja, o agressor pode agir fazendo tudo isso, ou somente uma dessas condutas”, explica.
Stalkers acreditam em relação com vítima
A advogada explica que estudos apontam o fenômeno como algo patológico, relacionando-o à erotomania, conhecida como a ‘Síndrome do Amor’, que consiste na convicção absoluta de que um indivíduo está secretamente apaixonado pela pessoa.
“A título de exemplo: uma pessoa conhece outra, em um evento social. Essa pessoa é educada, e o stalker passa, na verdade, a acreditar que aquela demonstração de educação, na verdade, trata-se de um amor e um relacionamento. As atitudes começam sutis. A pessoa sempre aparece onde a outra está. Manda incontáveis mensagens, ligações… Até que os comportamentos começam a escalonar”.
“O (a) agressor (a) passa a literalmente perseguir sua vítima. Está sempre onde a vítima está, sabe onde é sua casa, e muitas vezes até acampa ali, virando uma verdadeira obsessão. Importante dizer que embora essa síndrome acometa mais mulheres, isso também acontece com homens. Os agressores / stalkers não só perseguem com o intuito amoroso. Muitas vezes o stalker pode se ver como um amigo da vítima. Ela acredita ser o melhor amigo da vítima, e cobra posturas assim. Mas na verdade sequer conhece direito”, explica a advogada.
Mulheres são as principais vítimas
Conforme a psicanalista e advogada Silvia Narçay, que atua no Aciesp (Instituto de Apoio, Capacitação e Instrução de Economia Solidária do Povo), as principais vítimas de stalkers são as mulheres. Normalmente, as perseguições começam após o término de um relacionamento.
Dados da Sejusp confirmam essa percepção. Dos 5.083 casos de perseguição registrados até março de 2025, 4.311 vítimas são mulheres, 2.359 com idades entre 45 e 54 anos, principal faixa-etária.
“Trabalho com mulheres vítimas de violência doméstica e mesmo com medidas protetivas, 50% delas continuam sendo vítimas de perseguição. Na maioria dos casos, a ferramenta mais utilizada é o Facebook”, explica.
Stalking – Crime de Perseguição | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 | 2025 | Total |
Quantidade de Vítimas | 1016 | 1544 | 1489 | 1040 | 181 | 5270 |
Vítimas Homens | 142 | 228 | 254 | 269 | 52 | 945 |
Vítimas Mulheres | 871 | 1309 | 1234 | 768 | 129 | 4311 |
Vítimas com Sexo não informado | 3 | 7 | 1 | 3 | 0 | 14 |
Falta punição para agressor
Para a especialista, a falta de conhecimento quanto à existência da Lei 14.132 por parte da vítima, além das falhas no sistema de proteção, corroboram para a subnotificação de casos e até para a sensação de impunidade do stalker.
“A maioria das vítimas não sabe quais seus direitos ou, as que conhecem, na prática, sentem na pele e no emocional a falha do sistema, que apenas cria políticas pública sem efeito real. Quando há denúncia, existe uma demanda investigativa, mas nos confrontamos com um Estado sem efetivo ou qualificação”, pontua.
“Muitas vezes, na denúncia, a vítima precisa tentar provar que sua história é verídica para ser credibilizada. Nesse contexto, as denúncias tendem a não ser feitas, uma vez que a vítima está abalada psicologicamente”, frisa.
Brechas na Lei
A advogada Vitória Junqueira concorda. Segundo ela, ainda existem diversas brechas na lei, especialmente quanto às medidas de afastamento dos agressores.
“Ainda não existem especificamente medidas destinadas a afastar o (a) stalker, sendo que precisamos pedir medidas análogas as de prisão cautelar. É urgente que se criem medidas específicas para o delito em questão, considerando o aumento significativo de casos, devido a própria internet e o mundo atual, que está propiciando que casos como esse sejam cada vez mais frequentes”, afirma.
“As medidas atuais acabam por serem ineficazes, a menos que o agressor seja preso, que é o último caso, pois antes, os juízes fixam outras medidas, como por exemplo, restrição de aproximação e de comunicação. E quase nunca o agressor obedece. Não há temor quanto às consequências”, acrescenta.
Traumas psicológicos
Após lidar com o medo causado pela perseguição, as vítimas de um stalker também precisam cuidar dos traumas e receios de reviver o pesadelo. Conforme a psicanalista, é natural que haja medo de sair de casa, de se comunicar com outras pessoas, de se relacionar com conhecidos e, principalmente, desconhecidos. Por isso, é tão importante que a denúncia seja feita brevemente, para que o crime não escalone.
Em 2023, a advogada Vitória atuou em um caso de MS em que uma mulher era obcecada por outra, pois acreditava que as duas eram amigas. Ligava incessantemente, mandava mensagens perguntando para onde ela estava indo, estacionava e vigiava a casa da vítima.
“A mulher atormentou minha cliente por meses, até que a vítima nos procurou e movemos um pedido ao Juiz para que esse concedesse medidas protetivas, análogas às medidas protetivas concedidas em casos de violência doméstica. Os pedidos foram deferidos, e a agressora impedida de se aproximar ou mandar mensagens para a vítima ou para sua família”, explicou.
Além de denunciar, é importante estar atento: evitar compartilhar informações pessoais nas redes sociais, evitar postar em tempo real fotos que identifiquem o local que está, seguir e ser seguido nas plataformas apenas por amigos e parentes, e não responder mensagens de pessoas desconhecidas.
Vale lembrar que não é preciso conhecer o stalker para fazer a denúncia. Em muitos casos on-line, os perseguidores utilizam perfis falsos para enviar mensagens e a polícia pode pedir para empresas especializadas compartilharem informações sobre o dono daquela conta. Está sendo vítima de um stalker? Procure a delegacia da sua cidade.
Vítimas por faixa etária | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 | 2025 | Total |
Entre 0 e 11 anos | 3 | 13 | 10 | 15 | 6 | 47 |
Entre 12 e 17 anos | 37 | 84 | 88 | 66 | 15 | 290 |
Entre 18 e 24 anos | 148 | 239 | 241 | 162 | 31 | 821 |
Entre 25 e 34 anos | 163 | 230 | 232 | 170 | 18 | 813 |
Entre 35 e 44 anos | 168 | 240 | 216 | 160 | 19 | 803 |
Entre 45 e 54 anos | 473 | 701 | 669 | 429 | 87 | 2359 |
Maior que 65 anos | 24 | 37 | 33 | 38 | 5 | 137 |
Stalking em Mato Grosso do Sul
Moradora de Costa Rica, Verlinda Robles, foi a mulher que inspirou a criação da lei, de autoria da senadora Leila Barros (PSB-DF). Ela dedicou a aprovação do projeto à radialista sul-mato-grossense, que foi vítima de um caso em 2018. Na época, Verlinda chegou a mudar de estado.
Um homem travestido de ouvinte da rádio a perseguiu e a fez mudar de endereço diversas vezes, incluindo períodos de ausência no exterior. Quando a lei completou um ano, Verlinda falou com o Midiamax e disse que a lei significa que os gritos de socorro foram ouvidos.
“Quando você tem o amparo da lei, em qualquer que seja a situação, tem a segurança de que não está sozinha e que seus gritos de socorro foram ouvidos. Falando do que eu vivi, embora muitas vezes fui motivo de chacota, já que, infelizmente, existe esse lado também. Não é todo mundo que entende e respeita o que você está passando, tem aquela porcentagem de pessoa que vê exagero em tudo, ainda mais que não está em sua pele”, disse na época. “Hoje, respiro aliviada por mim e por muitas outras mulheres”, concluiu.
1º preso por stalking em MS
Uma semana após a criação da lei, um homem de 59 anos foi o primeiro a ser preso pelo crime de stalking. Morador de Dourados, o autor estava separado havia 12 anos da vítima, uma mulher de 53 anos e desde então a perseguia.
Embriagado, ele invadia a casa dela, quebrava objetos e fazia ameaças. No dia da prisão, o homem havia retornado à casa da vítima e uma equipe da Guarda Municipal foi acionada. Ele foi autuado em flagrante pelo crime.
Caso em Campo Grande
Situação parecida viveu uma mulher de 40 anos, em Campo Grande. Em julho de 2022, ela procurou a delegacia após um veículo VW Gol de cor prata com dois homens passar por diversas vezes em frente a sua residência, em certo momento ele teria parado em frente a casa e, no banco de trás, havia um homem abaixado, ela acredita ser seu ex-marido. A vítima estava chorando quando a polícia chegou ao local, pois acreditava que ele poderia estar armado.
A mulher viveu por 14 anos com o homem e estava separada havia 6 meses, mas ele não aceitava o término. Disse que já tinha presenciado ele com arma de fogo e que era agredida fisicamente.
Ela, inclusive, havia largado tudo que construiu tentando se esconder dele e se livrar das ameaças, mas sem saber como o homem descobriu seu novo endereço. Durante registro de ocorrência, ela manifestou interesse de representar contra ele e pediu medidas protetivas.
Cyberstalking
Em setembro de 2022, outra mulher foi perseguida, dessa vez pelas redes sociais, por um homem, de 32 anos, que, inclusive, se matriculou na mesma academia que a vítima e passava na frente da casa dela. À polícia, ela contou que o suspeito passou a segui-la nas redes sociais e mandava vídeos e mensagens insistentemente.
Mesmo ela dizendo que não tinha interesse, ele continuava. A vítima o bloqueou, mas o homem passou a usar perfis fakes. Ele descobriu o endereço da vítima e foi até a casa dela, mais de uma vez. Ele foi preso em flagrante pelo crime.
✅ Siga o @midiamax no Instagram
Fique por dentro de tudo que acontece em Mato Grosso do Sul, no Brasil e no mundo! No perfil do @midiamax você encontra notícias quentinhas, vídeos informativos, coberturas em tempo real e muito mais! 📰
🎁 E não para por aí! Temos sorteios, promoções e até bastidores exclusivos para você!