Em meio à repercussão de casos de violência de gênero em Mato Grosso do Sul, a pergunta que ecoa é: há um pacto de silêncio entre os homens? O questionamento vem porque não é comum vermos homens se manifestando abertamente sobre casos de violência contra a mulher. Pelo contrário: “passar pano para os caras” parece ser prática generalizada.
O debate volta ao foco após Caio do Nascimento matar a facadas a então noiva, Vanessa Ricarte, em Campo Grande. O músico tem o perfil de “gente boa, amigo da galera”, com quase 3 mil seguidores no Instagram, vídeos onde expõe seu talento e clama o nome de Deus.
Mas, por trás do rosto risonho e rodeado de amigos, Caio escondida 11 passagens pela polícia por violência doméstica, incluindo agressões a ex-namoradas e até à própria mãe. O caso gerou repercussão nacional, mas apesar de também se chocarem, poucos homens se manifestam publicamente sobre o caso.
Rafael Barros é exceção à regra. Vocalista da banca ‘On the Road’ usou seu espaço no palco do Blues Bar, em Campo Grande, para levantar a bandeira e dizer entre muitas palavras emocionadas que “a violência contra a mulher é um problema dos homens”.
Se posicionar é necessário
O músico era amigo de Vanessa, já foi aluno dela e ficou muito abalado com o feminicídio. Por isso, decidiu usar seu espaço para falar do assunto e principalmente convocar homens à responsabilidade de pensar enquanto sociedade.
“É nossa responsabilidade coletiva cuidar uns dos outros, prestar atenção em quem contratamos e em quem permitimos estar por perto. Diferente das críticas que recebi de alguns homens músicos — que dizem que devemos nos preocupar somente com nossas mães, irmãs e filhas, pois, do portão para fora, cada um é responsável por si —, acredito que uma sociedade se constrói pelo compromisso mútuo”, afirma Rafael.
Ele lembra ainda que costumes religiosos e normativas machistas de um patriarcado enraizado contribuem para a realidade ser velada na sociedade. Ou, principalmente, que a maioria dos homens perpetue a antiga frase “briga de marido e mulher não se mete a colher”. Mas Rafael não passa pano e afirma que é preciso se meter, sim.
“Devemos chamar a polícia, devemos gritar, avisar, chamar atenção. Somos ferramentas uns dos outros. E acredito que a ferramenta mais poderosa que existe é a união entre as pessoas. Sabemos que essa realidade não vai mudar de um dia para o outro, que casos como esse, infelizmente, não deixarão de existir. Mas isso não significa que podemos nos acomodar”, destaca Rafael.
Por fim, deixa seu recado. “Vanessa agora se torna uma semente, um símbolo da urgência de reduzirmos esse fim inconsolável, imperdoável, inaceitável”.
Existe um pacto silencioso?
Entender o comportamento silencioso e passivo de homens diante de crimes contra mulheres não é simples. Para o psicólogo Rhenato Vargas, “o buraco é mais embaixo” e exige que se olhe para a criação de homens e mulheres e para a sociedade em si. Além disso, ele destaca que é necessário promover debates sobre o tema para que todos se sintam parte.
“De forma geral, nós homens somos criados dentro dessa cultura que estimula a violência em nós, que estimula a não falar sobre os sentimentos, não se regular emocionalmente de uma forma menos agressiva, especialmente com as mulheres. E, com isso, a gente está construindo um ambiente social que cada vez mais acelera e potencializa a violência entre os homens contra as mulheres”, explica o psicólogo.
Mas olhar para o problema e dizer “fui criado assim” ou “não preciso me meter” é uma postura cômoda, principalmente em uma cultura que violenta mulheres diariamente. E nesse caso, a resposta é que, sim, a sociedade estimula que homens mantenham um pacto de silêncio, sem se posicionar abertamente sobre as questões.
“De forma geral, a gente pode dizer que essa cultura de violência, ela é perpetrada aí pelas gerações. Mas só vai melhorar abrindo o debate sobre esses assuntos, trazendo os homens para o problema e mudando principalmente a educação de meninos para um olhar menos machista sobre as relações”.
📍 Onde tentar ajuda em MS
Em Campo Grande, a Casa da Mulher Brasileira está localizada na Rua Brasília, s/n, no Jardim Imá, 24 horas por dia, inclusive aos finais de semana.
Além da DEAM, funcionam na Casa da Mulher Brasileira a Defensoria Pública; o Ministério Público; a Vara Judicial de Medidas Protetivas; atendimento social e psicológico; alojamento; espaço de cuidado das crianças – brinquedoteca; Patrulha Maria da Penha; e Guarda Municipal. É possível ligar para 153.
☎️ Existem ainda dois números para contato: 180, que garante o anonimato de quem liga, e o 190. Importante lembrar que a Central de Atendimento à Mulher – 180, é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o Brasil, mas não serve para emergências.
As ligações para o número 180 podem ser feitas por telefone móvel ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive durante os finais de semana e feriados, já que a violência contra a mulher é um problema sério no Brasil.
Já no Promuse, o número de telefone para ligações e mensagens via WhatsApp é o (67) 99180-0542.
📍 Confira a localização das DAMs, no interior, clicando aqui. Elas estão localizadas nos municípios de Aquidauana, Bataguassu, Corumbá, Coxim, Dourados, Fátima do Sul, Jardim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas.
⚠️ Quando a Polícia Civil atua com deszelo, má vontade ou comete erros, é possível denunciar diretamente na Corregedoria da Polícia Civil de MS pelo telefone: (67) 3314-1896 ou no GACEP (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), do MPMS, pelos telefones (67) 3316-2836, (67) 3316-2837 e (67) 9321-3931.
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