“Sofri violência doméstica praticada pelo meu ex-companheiro. Na última vez, ele estava armado com uma faca, e eu estava com meu bebê de três meses. Quando o vi, precisei correr. Ele acabou preso, mas o soltaram no mesmo dia.”
O relato enviado ao Jornal Midiamax é mais um entre inúmeros casos de revitimização enfrentados por mulheres que buscaram ajuda na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher). Contudo, as histórias só vieram a público após a repercussão do feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, que expôs falhas nas políticas de proteção às mulheres vítimas de violência em Mato Grosso do Sul.
A revitimização ocorre quando uma pessoa vitima de violência precisa reviver um abuso, trauma ou crime. Pode ocorrer em diferentes situações, como durante um depoimento na delegacia, ou ao repetir a história para outras pessoas.
‘Fui ameaçada durante todo o trajeto até a Deam’
A vítima, que terá a identidade preservada, conta que a tentativa de feminicídio ocorreu em frente à sua casa, enquanto ela estava com o filho nos braços. O agressor apareceu armado com uma faca e, para se salvar, ela se refugiou na casa de uma vizinha.
Por coincidência, uma viatura policial passou pelo local no momento e conseguiu deter o homem em flagrante. Contudo, os dois, vítima e agressor acabaram sendo levados juntos à Deam, durante todo o trajeto ela continuou a sofrer ameaças.
“Ele dizia várias vezes dentro da viatura que voltaria para me matar. Disse que já havia sido preso pelo mesmo motivo antes. Ninguém o impediu de me ameaçar.”
Ao chegar à DEAM, localizada na Casa da Mulher Brasileira, a vítima recebeu a informação de que não havia motivo suficiente para mantê-lo preso e que ele estaria solto no mesmo dia, por volta das 19h.
“Além dê o pegarem em flagrante com a faca na mão me ameaçando, ele também estava com produtos roubados. Como assim não havia motivo para mantê-lo preso?”, questiona.
Direito ao abrigo negado

Desamparada, a vítima relata que teve menos de seis horas para conseguir dinheiro encontrar uma casa nova para preservar sua vida e a de seus filhos.
“Solicitei passar a noite lá, porque não me sentia segura em voltar para casa e não tinha dinheiro. Mas eles colocaram vários empecilhos porque eu tinha família na cidade.”
Mesmo após conseguir uma medida protetiva, a violência continuou. “Ele foi até minha casa, arrombou as portas e deixou tudo no chão. Quando soube que eu o denunciaria, correu para a delegacia e disse que eu havia jogado as coisas dele no quintal, numa tentativa de se livrar do problema. Assim, mais uma vez, não fizeram nada”.
Diante da falha nas políticas de proteção e após inúmeras situações de revitimização, a mulher precisou se mudar para longe, se distanciando da família e amigos.
“A Deam só se posiciona quando a mulher morre, nunca antes disso. Aquela história de oferecerem escolta para a gente voltar para casa? É mentira. No máximo, te dão um passe de ônibus para você ir encarar o agressor. Quando ele foge do local, é a mulher quem fica desprotegida.”
‘Denunciei o estupro, disseram que minha filha havia iniciado a vida sexual’
Em outro relato, uma mãe conta que, há quatro anos, sua filha foi vítima de violência sexual. Após buscar atendimento em um posto de saúde, ambas seguiram para a Deam.
“Não me permitiram entrar com minha filha. Ao voltar a responsável na Deam disse que minha filha havia iniciado sua vida sexual. Um descaso total, hoje após tudo isso minha filha vaga pelas ruas, sendo judiada cada vez mais”.
A mulher relata que denunciou o estupro ao Ministério Público, que solicitou o exame de corpo de delito. No entanto, devido ao tempo que havia se passado, o médico legista afirmou ser impossível comprovar a violência. Mesmo assim, a vítima iniciou o exame, mas não pôde concluir por possui hímen complacente.
Quem tem o direito de nos matar?

Desde 2015, o assassinato de mulheres por questões de gênero tornou-se crime hediondo. A mudança ocorreu após a criação da Lei 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio, sancionada pelo Governo Federal.
No ano passado, entre os inúmeros fatos noticiosos, as mortes violentas de mulheres por questões de gênero estiveram no epicentro das manchetes jornalísticas. Em Mato Grosso do Sul, 32 casos de feminicídio ocorreram ao longo do ano, sendo nove em Campo Grande. Os dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) mostram ainda que houve 83 casos de feminicídio tentado. Em 2025, dois casos de feminicídio foram contabilizados.

Do ponto de vista sociológico, o considera-se feminicídio toda e qualquer morte violenta de mulheres motivada por questões de gênero. Ou seja, pelo fato de a vítima ser mulher. Crimes como esse podem ocorrer em diferentes contextos, incluindo os chamados feminicídios íntimos, praticados por pessoas próximas à vítima, como cônjuges, familiares ou amigos. Também engloba casos em que a motivação está relacionada à discriminação ou à inferiorização do gênero feminino.
Em 2024, entrou em vigor a mudança na Lei do Feminicídio que eleva a 40 anos a pena para o crime. Mas com inúmeros casos diários no país, a efetividade dessas políticas públicas ainda é colocada em cheque.
Como denunciar casos de violência?
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra as mulheres. O atendimento é gratuito e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, via telefone ou WhatsApp: (61) 9610-0180.
O Ligue 180 presta os seguintes atendimentos: orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços da rede de atendimento; localidade dos serviços especializados da rede de atendimento; registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes.
Vítimas de violência também podem recorrer à Casa da Mulher Brasileira, localizada na Rua Brasília, Jardim Imá, em Campo Grande (MS) – Telefone: (67) 2020-1300. Confira a localização das DAMs, no interior, clicando aqui. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190.
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