A pele foi queimada pelo sol por percorrer a viagem a pé, o corpo apresenta sinais de desnutrição e o cansaço assola quem integra o grupo de venezuelanos que chegou a Campo Grande na noite de sexta-feira (26). Os imigrantes enfrentam uma verdadeira “rota do desespero” com fome, sede e doenças até chegar a algum refúgio. Abrigos filantrópicos e mantidos pela prefeitura estão lotados de imigrantes.

Pessoas em situação de vulnerabilidade procurando abrigo na cidade chegam todos os dias aos centros de acolhimento. O Cedami (Centro de Apoio ao Migrante) já estava cheio, com 17 pessoas, agora, dobra a capacidade máxima de atendimento. O local é mantido pela Associação de Auxílio ao Hanseniano.

A história entre eles é semelhante: sair da Venezuela caminhando ou de carona. Quem já não tinha muito, saiu com nada do país de origem que enfrenta crise. Durante a viagem, eles têm que contar com a solidariedade, com de comida e água. Foram dias dormindo na rua, até conseguir acolhimento em Mato Grosso do Sul.

Josef Rafael, de 33 anos, está magro e com a pele extremamente marcada pelo sol. Saiu do país há alguns anos, com os filhos de um, três, 10 e 13 anos, além da ex-companheira e uma amiga. Ele diz que já passou pelo Peru, Bolívia e Chile, mas relata que só no Brasil achou o alento.

“Aqui todos são iguais, não tem tanto racismo. Nos outros lugares nos tratavam como qualquer um, mandavam a gente voltar para nosso país. No Chile, tínhamos que pagar hospital, sendo que não tinha nada. Sofri muita discriminação. Saí de lá [Venezuela] porque estava crítica há anos, o governo é muito corrupto. Eu deixei minha família e nem posso voltar por risco de ser preso por abandonar a pátria”, desabafa.

Josef viajou com os filhos, a mãe das e uma amiga (Nathalia Alcântara, Midiamax)

As crianças também sofreram em todo o trajeto, como reflete as marcas no corpo. Além da queimadura do sol, há marcas de picadas de mosquito e alguns ferimentos. A amiga que acompanhou Josef ainda desenvolveu uma bolha no pé, o desgaste de tanto andar.

“Quando nosso país estava em uma condição boa, abrimos as portas para os estrangeiros, agora, passamos por isso, fomos tratados iguais animais. Para se ter uma ideia, comprar um quilo de carne se gasta um inteiro. Um dia de trabalho não compra nada lá. Saí para buscar o melhor para meus filhos, eles precisam estudar”.

Viajante sofreu bolhas e calo no pé (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Jonatan Gabriel, de 33 anos, chegou com os filhos pequenos e a esposa, caminhando por dias e de carona. Ele fala que chegou ao Brasil em outubro do ano passado, mas pretende construir uma nova vida aqui.

“Não tinha dinheiro para pagar um ônibus. No caminho, a gente pedia comida e água nos restaurantes, pedia na rua. Eu saí da Venezuela há cinco anos. Passei pelo Equador, Colômbia e Peru, as coisas eram muito difíceis, tudo era cobrado. Viemos porque ninguém conseguia comer lá, não tinha alternativa. Minha esperança é conseguir trabalhar de novo, dar estudos para meus filhos”.

Crianças sofreram durante viagem (Nathalia Alcântara, Midiamax)

A cena que mais chocou a reportagem foi o olhar cansado de Yoselin Peñaloza, 32 anos, ao lado da filha. Ela tem crianças de três, quatro, 10 e 15 anos e precisou trocar um celular para conseguir carona com um grupo de 15 pessoas. Yoselin autorizou divulgação da imagem dela e da filha.

“A gente pedia para se alimentar no caminho porque lá se você comia não tinha o que vestir, e se comprava roupa, não tinha comida. Passei pela Bolívia e até chegar aqui”.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de para informações sobre os atendimentos aos imigrantes. O espaço segue aberto para um posicionamento.

*Todas as imagens foram registradas com o consentimento dos personagens.

Primeira foto: Yoselin Peñaloza ao lado da filha (Nathalia Alcântara, Midiamax)