Saúde mental é assunto em alta na atualidade. Mas, quando o foco são mães, sobretudo as de crianças atípicas, o tema ainda está longe de ganhar holofote. Desde 2021, um grupo de mulheres mães tenta inserir no calendário nacional o Maio Furta-cor, uma campanha voltada para a importância de se preocupar com a saúde mental das mães.

O tema é sensível e urgente quando se olha de perto para essa parcela da população: é fato que mulheres mães são as mais pressionadas pelo trabalho de cuidado, tema da redação do Enem 2023. Mas, quando falamos de mães de crianças atípicas, entrega e sobrecarga chegam a camadas mais profundas.

Essas mulheres que, na maioria das vezes, abrem mão do trabalho e da renda própria para se dedicar aos filhos, também estão mais sujeitas a sofrer abandono e lutar sozinhas pela sobrevivência.

E não há estatísticas dessa parcela da sociedade. Logo, faltam políticas públicas com olhar voltado a elas. Exemplo disso é a saúde mental: apesar de profissionais alertarem sobre o tema, não há dados consolidados sobre número de depressão ou suicídio em mães. Também não há apoio financeiro ou social, para essas mulheres que quase sempre estão imersas em cuidados com os filhos.

Sem políticas públicas voltadas para mães de crianças atípicas, elas vivem à margem da sociedade, dependendo da legislação e boa vontade para sobreviver e dar suporte aos filhos.

Vamos fazer o exercício de empatia: imagina a rotina de uma mãe de criança que necessita de cuidados constantes e que enfrenta dificuldades para ter acesso a terapias, escola, medicamentos, não tem horário para trabalhar fora e vive em vulnerabilidade financeira. Essa mulher consegue cuidar de si mesma?

Mãe de três crianças atípicas

Há um ditado comum na maternidade que faz alusão ao cenário de um avião em pane e que orienta a primeiro colocar a máscara de oxigênio em si mesmo e posteriormente em quem necessite, como crianças ou idosos. Na prática, a recomendação para mães é cuidar primeiro de si, para então ajudar os filhos.

Entretanto, se já é difícil se priorizar sendo uma mãe comum, imagine então ser mãe de três crianças atípicas. É o caso de Barbara Mascarenhas, 36, mãe de três meninas com autismo e deficiências mentais, que há 8 anos viu a vida mudar por completo após o nascimento da primogênita. Para cuidar da casa e das meninas, ela deixou o emprego que tinha no período noturno e mergulhou em um novo mundo.

Hoje, Barbara sabe tudo sobre o transtorno de cada uma das filhas, inclusive a legislação envolvida, os locais onde as terapias são oferecidas, os medicamentos, direitos de cada uma na sociedade e corre atrás para que elas tenham acessos necessários. Em 2023, ela e as filhas viraram notícia no Jornal Midiamax ao enfrentarem problemas para conseguir um projeto social de balé.

Mas entre um desafio e outro, uma crise e outra, um problema, uma dificuldade financeira, a vida vai seguindo, aos trancos e barrancos e sem tempo para que Barbara cuide de si mesma. “Às vezes eu desabo, choro e são elas que me consolam, me acalmam pra gente continuar”, diz ela, sem nunca ter tido apoio psiquiátrico em 8 anos. Apenas há alguns meses e com apoio de um projeto, Bárbara começou a fazer terapia.

“Como eu vou dormir sossegada? Minha cabeça não para e, na prática, é muito difícil, é muito estresse, muita preocupação. Às vezes, eu quero fazer um exercício, um curso e não consigo, porque falta tempo para mim, falta dinheiro, falta apoio, tudo”, diz Barbara, enquanto equilibra “os pratos” que a maternidade lhe impôs.

Saúde mental de mães importa

A campanha Maio Furta-cor nasceu em 2020, em plena pandemia de Covid-19, quando profissionais de saúde mental e mães viram pacientes evoluírem para quadros graves mentais. Maio foi escolhido por ser o mês alusivo às mães e o furta-cor, por ser uma cor cuja tonalidade se altera de acordo com a luz que recebe, bem como a vida de uma mãe.

“Essas mulheres ainda têm dificuldade para procurar ajuda, por medo de se sentir julgadas e não tem como mudar isso, se não trouxermos visibilidade para o assunto. Há uma grande parte das mulheres está subnotificada e sem tratamento adequado por estigma social”, explica Nicole Cristino, psicóloga e uma das idealizadoras da campanha.

O objetivo do Maio furta-cor é ganhar status nacional, chamar a atenção para o problema e evoluir para a criação de políticas públicas voltadas para mães e, ainda, acesso à saúde mental no SUS (Sistema Único de Saúde). Para evoluir, é necessário mudanças estruturais para começar a rastrear a proporção do adoecimento mental das mães.

“Mães estão morrendo por problemas de saúde mental sem tratamento, nos primeiros anos de vida dos filhos. Por enquanto a gente não rastreia, não trata e essas mães acabam estando completamente desassistidas”, explica a psicóloga Nicole Cristino. Mães de crianças atípicas são as mais suscetíveis a estresse prolongado e ao burnout materno, temas ainda pouco abordados no Brasil.

“Queremos que as mulheres possam falar da sua exaustão sem se sentirem atacadas como sendo más mães”.

Amor para recomeçar

Joelma Belo sempre foi uma mulher muito ativa, formada em relações públicas e que trabalhava em dois empregos, mas há oito anos precisou remanejar a vida. Ela é mãe da Maria Valentina, 8 anos, portadora de uma síndrome rara chamada Cornélia de Lange e que necessita de cuidados intensos e contínuos.

Maria é sua única filha e foi desacreditada ainda na gravidez, mas Joelma, que é uma mulher de fé, decidiu aceitar o desafio e se dedicar integralmente a essa nova vida. Para arcar com os gastos, que não são poucos, ela criou um brechó para reverter fundos para a filha e vende outros itens para si mesma.

“A gente não pode se apagar por ser uma mãe atípica. Depois de ser mãe atípica a gente acaba não tendo tempo para mais nada e às vezes nem vontade. É difícil, dolorido e uma montanha-russa, mas precisamos ter tempo para nós”, diz ela, que vende produtos que reverte em dinheiro para cuidar de sua saúde e bem-estar.

Quem vê Joelma, sorridente e arrumada, não vê as batalhas que ela enfrenta como mãe de uma criança com síndrome rara. O cuidado é rotineiro e intenso e inclui o ir e vir de terapias diárias que Maria Valentina faz para evoluir.

“Eu procuro, a cada dia, cuidar de mim, me priorizar também para poder continuar. É uma luta diária e não é simples, mas tenho auxílio de Deus, psicológico e também de outras mães atípicas”, afirma ela, que faz terapia e tratamento psiquiátrico.

Sinais de alerta

Quando o assunto é saúde mental na maternidade, muito se fala sobre depressão pós-parto e baby blues, mas a abrangência é muito mais ampla e a vulnerabilidade não se restringe ao puerpério. A campanha Maio furta-cor alerta para a saúde mental de mães durante os primeiros anos de vida do filho, isso por causa da sobrecarga.

“O grande sinal de alerta para não postergar a busca de ajuda é quando a mulher pensa que é melhor morrer do que estar viva. Na medida que esse pensamento aparece é porque esse cérebro está adoecido e precisa de ajuda urgente”, afirma a psicóloga Nicole Cristino.

Mas outros sintomas devem ser tratados como alerta, entre eles ansiedade, palpitação, sensação de pânico, tristeza profunda, choro.

“O cuidado é coletivo, todo humano é capaz de cuidar. E assim, tirar essa sobrecarga causada por estigma social, tirar essa pressão do ombro das mães”.

Onde procurar ajuda em Campo Grande

A prefeitura de Campo Grande confirma o que vimos nessa reportagem, não há atendimento em saúde mental específico para mães e nem estatísticas sobre depressão ou suicídio nessa parcela da população. Mas existem locais para procurar atendimento em saúde mental.

Em Campo Grande, são os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) que atendem pacientes com transtornos mentais graves e severos nas 24 horas diárias por demanda espontânea e que os casos mais leves e moderados são acompanhados na Atenção Básica e no Ambulatório de Saúde Mental que se localiza no CEM (Centro de Especialidades Médicas).

Os Caps oferecem cerca de 80 leitos de acolhimento para pacientes em crise e têm contratualizado com o Hospital Nosso Lar, 36 leitos psiquiátricos e mais 12 leitos psiquiátricos com o Hospital Regional.

Nos últimos quatro anos, a Rede de Atenção Psicossocial de Campo Grande teve uma importante expansão com a inauguração de novas unidades e ampliação de leitos. A unidade mais recente foi inaugurada em outubro de 2023, no bairro Guanandi, o Caps Márcia Zen, para tratamento de dependentes de álcool e drogas.

Confira a reportagem em vídeo: