Reconhecimento do vínculo de emprego ainda é desafio na luta dos trabalhadores

Empresas ainda tentam burlar e desrespeitar os direitos do trabalhadores

Fábio Oruê – 01/05/2024 – 13:48

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Carteira de Trabalho (Arquivo, Jornal Midiamax)

Habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação são os requisitos previstos no artigo 3º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que reconhecem o vínculo empregatício, mas que muitas empresas ainda se negam a assumir nas relações de trabalho.

É justamente o vínculo que estabelece a relação entre trabalhador e empregador. A partir de então, uma série de direitos e deveres se estabelecem e moralizam a relação trabalhista, deixando no passado o período em que trabalhadores eram vistos apenas como mercadorias ficou lá no XVIII, no período Pré-Revolução Industrial.

Esta é a última reportagem especial do Jornal Midiamax em alusão ao Dia do Trabalhador – celebrado nesta quarta-feira (1º) -, debruçada sobre as mudanças e desafios das classes nos últimos anos. Nesta, a reflexão é focada sobre vínculo empregatício e os desdobramentos do reconhecimento ou não desta relação.

Luta persiste mesmo após 300 anos

Motivado pelo lado ‘financeiro’, ao que parece, cenário de incertezas sobre a responsabilidade do empregador com trabalhadores ainda prevalece mesmo três séculos depois, já que as ações por reconhecimento do vínculo empregatício, segundo a advogada trabalhista Camila Marques, ainda predominam.

“Ainda temos um número muito grande de ações buscando reconhecimento de vínculo de emprego. Isso porque às vezes as empresas realmente não contratam com registro na carteira. Algumas contratam o período, por exemplo, de experiência, ali sem o registro”, explica ao Jornal Midiamax.

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Horas extras trabalhadas também são motivo de ações judiciais (Arquivo, Jornal Midiamax)

Outras empresas, conforme a profissional, ainda vão além. “É empregado, mas contrata como se fosse prestador de serviço. Então as questões envolvendo reconhecimento de vínculo de emprego ainda são recordes na justiça do trabalho. Hora extra também”, cita.

A advogada atua tanto para empresas quanto para trabalhadores e tem uma visão ampla sobre as demandas que permeiam as causas trabalhistas. Segundo ela, ainda são recordes as questões de horas extras e também os pedidos de rescisão indireta, quando o empregado tem o contrato encerrado pelo descumprimento de cláusulas contratuais por parte da empresa.

Reforma trabalhista

Aprovada em 2017, reforma trabalhista alterou regras sobre o mercado de trabalho, como remuneração, plano de carreira e jornada de trabalho. Quem era favorável à mudança argumentava que seria a esperança de gerar mais empregos.

Porém, a maioria dos trabalhadores era contra a lei sancionada pelo então presidente Michel Temer. A categoria alegava que os trabalhadores perderiam muitos direitos com a reforma. Conforme Camila, passados sete anos da aprovação da lei, ainda há muita inconsistências e divergências.

“[…] Querendo ou não é uma legislação recente até. A própria reforma tem sete anos e ainda é nova, considerando a legislação. Então, a jurisprudência ainda está se moldando; a STF ainda está decidindo alguns pontos”, opina à reportagem.

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Empresas tentam não criar vínculo com os empregados (Arquivo, Jornal Midiamax)

“Uma coisa, por exemplo, que a reforma trouxe foi muito o poder do negociado sobre o legislado. Então, desde que não fira direitos, desde que não retira direitos fundamentais, a negociação coletiva individual tem muito poder. E ainda está sendo muito debatido isso também”, aponta.

Dentre as principais mudanças estão:

  • Os acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação. Com isso, o que for acertado entre empregado e empregador não é vetado pela lei, respeitados os direitos essenciais como férias e 13º salário.
  • O pagamento da contribuição sindical, equivalente a um dia de trabalho, deixou de ser obrigatório.
  • A jornada de trabalho, antes limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais, pode ser agora pactuada em 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso, respeitadas as 220 horas mensais.
  • As férias, de 30 dias corridos por ano, agora podem ser parceladas em até três vezes.
  • Possibilidade do trabalho intermitente, com direito a férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), contribuição previdenciária e 13º salários proporcionais. O salário não pode ser inferior ao mínimo, nem aos vencimentos de profissionais na mesma função na empresa.
  • Grávidas e lactantes só poderão trabalhar em locais com insalubridade de grau médio ou mínimo. Mesmo assim, se for por vontade própria e desde que apresentem um laudo médico com a autorização.

Insegurança

Um dos pontos criticados é o pagamento da contribuição sindical ter deixado de ser obrigatório. Segundo o presidente do Sintracom (Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil e no Mobiliário de Campo Grande), José Abelha, a reforma trouxe insegurança jurídico e enfraquecimento nos acordos.

“Tudo está mal resolvido sem um consenso e isso torna as entidades sindicais vulneráveis sem ter a contrapartida, que nada mais é que o financiamento sindical. A conscientização do trabalhador da importância da entidade sindical e a valorização da mão de obra estão entre os desafios ainda enfrentados”, explica ao Jornal Midiamax.

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Trabalhador da construção civil (Arquivo, Jornal Midiamax)

Segundo Abelha, a mudança na legislação acarretou precarização da mão de obra, no incentivo a informalidade e também retirada de direitos já conquistados. “É preciso que o Capital tenha conscientização de que quem realmente faz o crescimento é a força do trabalho. Essa balança tem que estar precisa para não haver um desequilíbrio”, aponta o sindicalista.

Boas perspectivas

Apesar das críticas quanto a reforma trabalhistas, conforme a advogada trabalhista, órgãos de fiscalização têm atuado mais em promover um meio de trabalho seguro e saudável. Questões ergonômicas e físicas, além da segurança do trabalho, estão mais em pauta.

“Eu percebo que o judiciário e a legislação, e a sociedade como um todo, têm tido um avanço no sentido da conscientização e da aplicação da segurança do trabalho, inclusive na questão psicológica”, afirma Camila.

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Trabalhador sem EPI em Campo Grande (Arquivo, Jornal Midiamax)

Segundo ela, também crescem as ações por situações de estresse no trabalho, depressão e Síndrome de Burnout neste período pós-pandemia. “São situações que estão chamando um alerta para a sociedade. Pelo menos as grandes empresas estão começando a mudar suas políticas, a forma de condução, para que tenha um meio ambiente de trabalho mais saudável, seguro”, diz.

O reconhecimento dos direitos por parte dos trabalhadores e a atuação dos órgãos competentes favorecem um cenário futuro que se distancie cada vez mais daqueles vividos no século XVIII.

Confira as matérias anteriores desta série:

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