Pressão do etarismo: o dilema das mulheres entre envelhecer naturalmente ou aderir aos procedimentos estéticos
Embora inevitável, o tabu do envelhecimento sempre pairou na mente das mulheres, reforçado pela mídia e patriarcado
Lethycia Anjos –
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Na era da liberdade corporal, cada ruga e cicatriz pode ser ressignificada como marcas da vida. Em contraponto, o mercado da beleza voltado a mulheres nunca faturou tanto com produtos para o rejuvenescimento. Procedimentos como o botox se tornaram tão populares e ‘acessíveis’ quanto um simples filtro do Instagram.
Embora inevitável, o tabu do envelhecimento sempre pairou na mente das mulheres. Se não se cuida, é vista como desleixada. Se escolhe investir em procedimentos estéticos, é julgada por não aceitar sua idade. Nessa dualidade, a única constante é a balança moral que sempre pesa nas escolhas das mulheres.
Mas, se a liberdade corporal consiste na autonomia de fazer escolhas sobre os próprios corpos, por que optar por melhorar ou não aquilo que incomoda virou motivo de crítica?
Nesse contexto, refletir sobre os limites entre liberdade e pressão estética é imprescindível para entender o problema, mas antes, é preciso compreender suas origens. É o tema da terceira reportagem, de uma série especial de 5 matérias, publicada desde a última segunda-feira (4), em alusão ao Dia Internacional da Mulher, celebrado na próxima sexta-feira (8).
Quem dita o padrão?
As percepções sobre o que é ‘belo ou feio’ são subjetivas e variam de pessoa para pessoa, assim como mudam conforme as culturas, países ou momentos históricos. No entanto, o padrão socialmente aceito sempre existiu.
Não é necessário ir longe para encontrar a raiz do problema, afinal, ela sempre esteve ali, enterrada sob o solo do patriarcado: é a preferência dos homens que molda o padrão de beleza feminina.
Apesar dessas preferências terem mudado ao longo do tempo, uma característica permaneceu inerente para definir a beleza feminina: a juventude.
Esse padrão é frequentemente perpetuado pela mídia, moda e publicidade. Além disso, a falta de representação de mulheres mais velhas contribui para o tabu em torno do envelhecimento.
Um exemplo prático está na representação feminina no cinema. Uma análise de 2 mil filmes de Hollywood feita pela OMS (Organização Mundial da Saúde) revelou que, à medida que as mulheres envelhecem, sua participação nos diálogos diminui significativamente.
Conforme a pesquisa, enquanto 38% dos diálogos são atribuídos às mulheres com idade entre 22 e 31 anos, apenas 20% pertencem à faixa etária de 42 a 65 anos. Por outro lado, os diálogos dos atores masculinos aumentam à medida que envelhecem, atingindo o ápice aos 65 anos.
Cuidar de si é respiro a quem sempre cuidou de todos
Para quem passou a vida se dedicando a casa, filhos e trabalho, ter tempo para cuidar de si é um respiro. Com a popularização dos procedimentos estéticos, o perfil de pacientes – que antes era restrito a mulheres brancas e ricas – se diversificou.
Com a mudança desse perfil, é possível observar que nem sempre mulheres recorrem aos procedimentos estéticos somente por estarem envelhecendo; para muitas, o direito ao autocuidado só é conquistado após a aposentadoria e criação dos filhos.
Na Vitae, clínica especializada em estética avançada em Campo Grande, a maioria das mulheres que procuram pelos procedimentos estéticos está na faixa etária a partir dos 40 anos. Além disso, grande parte das pacientes são aposentadas e mães com filhos já adultos.
Ana Luiza Azambuja, biomédica esteta, relata que as mulheres chegam à clínica com inúmeras inseguranças, por isso, o atendimento é feito de forma especializada, com apoio de terapeutas e nutricionista.
“Elas chegam aqui e falam: ‘o tanto de coisa que já fiz para os outros, mas agora está todo mundo grande e posso cuidar de mim’. Apesar da insegurança, para ela é um alívio, a mulher sempre teve a responsabilidade de cuidar de tudo”, destaca.
No Brasil, as pessoas idosas representam 15,1% da população do país, sendo 8%, mulheres.
Conforme o último censo da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), entre 2016 e 2018, o número de procedimentos estéticos entre idosos saltou de 5,4% para 6,6% – a tendência é que a estatística esteja ainda maior, considerando a defasagem dos dados.
Retomada da autoestima
Na busca por se adequar aos padrões, aderir aos procedimentos estéticos acaba se tornando a alternativa mais viável para muitas mulheres.
Segundo a proprietária da clínica Vitae, Francielly Souza, o medo do envelhecimento é o principal motivo que leva as mulheres a procurarem pelos procedimentos estéticos.
“Recebemos muitas mulheres mais maduras, inclusive aposentadas que buscam minimizar essas marcas do envelhecimento. Por isso, trabalhamos na retomada da autoestima, pois elas se olham no espelho e não se reconhecem mais.”
Contudo, influenciadas pela mídia, muitas mulheres recorrem aos procedimentos estéticos com expectativas irreais. Francielly relata que com frequência pacientes chegam à clínica com fotos de famosos buscando resultados de maneira idêntica ao visto na internet.
“A mídia, os influencers, eles impactam muito na autoestima das pessoas. As clientes chegam e falam que querem o corpo de tal famosa, mas precisamos explicar que não é bem assim. São pessoas e corpos diferentes, não dá para se comparar dessa forma”, explica.
Qual o preço da beleza?
Entre os inúmeros procedimentos disponíveis no mercado, dois deles lideram a busca das mulheres: botox e bioestimulador de colágeno.
Com a proposta de rejuvenescer a pele, o bioestimulador consiste em uma substância que, ao alcançar a derme (segunda camada mais profunda da pele), é capaz de estimular fibroblastos, que são as células responsáveis por sintetizar novas fibras de colágeno e elastina.
Por sua vez, o botox, ou toxina botulínica, tem o intuito de prevenir e tratar rugas e linhas de expressão. Sua aplicação visa desacelerar a ação dos músculos na região facial.
Mas afinal, quanto é preciso desembolsar para aderir a esses procedimentos?
Os preços variam conforme a indicação de cada paciente. Na clínica Vitae, um combo com bioestimulador de colágeno e botox custa em torno de R$ 1.899,00. Para o Dia da Mulher, o ‘Elleva Day’ terá bioestimulador a R$ 1.499,00, em até 10x.
“O que os difere não é só o preço, mas a indicação. O mais caro pode ser adequado para uma paciente e para outra não, assim como o mais barato”, explica Francielly.
‘Quanto mais cedo começar, mais jovem será no futuro’
“Quanto mais cedo começar, mais jovem será no futuro”. Foi com essa convicção que a corretora Nathaly Godoy, 23 anos, aderiu aos procedimentos estéticos antes mesmo das linhas de expressão aparecerem.
Com simples aplicações no queixo, mandíbula, boca e olheiras, a jovem se livrou de tudo que a incomodava. Segundo Nathaly, sua primeira aplicação de botox teve o objetivo de prevenir o envelhecimento.
“Faço faculdade de biomedicina, lá aprendi que quanto mais cedo você fizer, mais jovem vai aparentar no futuro. Fiz com intuito de prevenir o envelhecimento”, explica.
A frase de Nathaly, ao mesmo tempo que reforça a problemática em torno do direito das mulheres a envelhecerem, também exemplifica a maior preocupação delas com a aparência.
‘Amo ser idosa, velho para mim é mesa’
“Não vejo o envelhecimento como algo ruim. Amo o mundo, amo ser idosa, até porque não sou velha, para mim velho é mesa”. É por meio das redes sociais que Sidney Volpe, influenciadora digital aos 70 anos, compartilha suas experiências e motiva mulheres idosas a recuperarem a autoestima.
“Aos 70 anos meu trabalho é inspirar as pessoas a cuidarem de si mesmas. Não quero que sigam à risca tudo o que faço; minha missão é incentivar mulheres a se dedicarem ao autocuidado”, afirma.
Empresária na área de moda há mais de 30 anos em Campo Grande, Sidney relata que a ideia de se tornar influencer surgiu por acaso, mas logo se tornou algo sério.
“Comecei gravando vídeos sem pretensão, já tinha um público fiel e eles começaram a me pedir mais dicas e vídeos, como gosto de falar sobre autoestima acabei focando nisso. Quando virei influencer acabei em uma posição onde podia ser julgada, mas isso não me atrapalha”, relata.
Para Sidney, investir em procedimentos estéticos não está relacionado à insatisfação com a idade, mas sim ao bem-estar pessoal.
“Sou muito vaidosa. Cuidar da pele, cabelo, não é uma questão de não aceitar a idade, mas sim de autocuidado. Isso gera um impacto positivo no bem-estar físico e emocional”, explica.
Apesar de ser adepta aos procedimentos estéticos, a influenciadora ressalta que sempre teve consciência dos limites entre liberdade e pressão estética; por isso, opta por fazer apenas o que a faz se sentir bem.
“Gosto de acordar de manhã e me ver com uma pele boa, um cabelo brilhante, mas tenho limites. Nunca fiz uma cirurgia nem nada para agredir o corpo. Muitas pessoas querem ser jovens a todo custo, não sou assim”.
‘Pele negra não envelhece’
Se para mulheres brancas a pressão estética inicia na adolescência e o fardo principal está na escolha de como envelhecer, um olhar mais atento para a questão racial revela que o peso dessa pressão estética é ainda maior para mulheres negras.
Desde a infância, meninas negras precisam lidar com o racismo em torno dos cabelos crespos que as influenciam a se submeterem a alisamentos. Essa pressão estética as acompanha ao longo da vida, alimentada pelo mito de que ‘pessoas negras não envelhecem’.
É verdade que a pele negra envelhece de forma mais lenta se comparada com a pele branca. No entanto, estereótipos como esse somente reforçam padrões de beleza inatingíveis.
Raça e classe definem o direito ao autocuidado
Enquanto para muitas mulheres o dilema está entre envelhecer naturalmente ou aderir aos procedimentos estéticos, para outras nem mesmo existe um poder de escolha.
Romilda Pizani, cientista social e ativista do movimento negro, explica que a pressão estética em torno da mulher negra perpassa por diversos fatores sociais e econômicos.
“Mesmo que a pressão estética seja estabelecida para todas as mulheres, para a mulher negra, ela é maior, envolve a supersexualização do corpo, ideal de embranquecimento e o mito de que não envelhecemos”, explica.
Segundo Romilda, embora a pressão estética seja mais intensa para as mulheres negras, para muitas delas o acesso ao autocuidado ainda é algo distante, ou seja, não há, sequer, poder de escolha diante do envelhecimento.
“Ao se fazer um recorte de raça, vemos que não são as mulheres negras que fazem esses procedimentos estéticos. Não chegamos nesse patamar porque a maioria de nós ainda está preocupada com a sobrevivência, não sobram recursos para pensar nisso”, diz.
‘Não sobra tempo para se preocupar com envelhecimento‘
Nessa perspectiva, as estatísticas reforçam o ponto de Romilda. Mulheres negras ganham 38,4% menos que mulheres não negras, 52,5% menos que homens não negros e 20,4% menos que homens negros, é o que apontam os dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2023.
“O salário da mulher negra ainda não atende todas as necessidades. Não sobra tempo para se preocupar com o envelhecimento, se vamos ou não aderir aos procedimentos estéticos”.
Em Mato Grosso do Sul, o rendimento mensal de uma mulher negra é de R$ 2.018 enquanto o de uma mulher branca é de R$ 3.143. Essa discrepância é ainda maior em um recorte de gênero, a disparidade salarial delas para homens brancos é de R$ 2.456.
Confira as reportagens anteriores desta série:
- Na luta por direitos e igualdade, abismos culturais distanciam mulheres dos homens em MS
- Invisível, trabalho de cuidado reflete na desigualdade e na sobrecarga da mulher
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