Mulheres e homens nunca estiveram em lados tão opostos na forma de olhar e vivenciar o mundo. Pesquisa recente e de abrangência global mostra que mulheres estão, em média, 30% mais progressistas do que os homens, que se mantêm conservadores. Na prática, o abismo que os separa já reflete no número de casamentos, divórcios e até de filhos.

Mato Grosso do Sul é um estado historicamente conservador e com altos níveis de violência contra mulheres. E mesmo neste cenário, os reflexos da pesquisa já são vistos e sentidos. Essas impressões constam em 5 reportagens publicadas a partir de hoje no Jornal Midiamax, em alusão ao 8 de março, data em que o Dia Internacional da Mulher é celebrado.

Aos 22 anos, a psicóloga Sarah Pires Coutinho conta que despertou para as questões de gênero na faculdade e desde então começou a apurar o olhar para suas relações. Hoje, ela reconhece que tem privilégio de conviver com pessoas que a respeitam, mas que já sofreu assédio nas ruas e ambientes de trabalho.

“Tenho privilégio de ter colegas que olham para a questão de gênero. Acho que os homens estão mais sensibilizados para o assunto, mas falta engajamento deles para mudar”, conta.

Desde 2017, professora debate sobre relação das mulheres e a imprensa (Foto: AF BRava/ Fernanda Venditte)

Atualmente, Sarah trabalha no setor de Recursos Humanos de uma empresa, promovendo debates e lutando pela igualdade de gênero. O trabalho já reflete nas relações familiares e, aos 22 anos, ela começa a promover o debate e o despertar do olhar para a mudança, também dentro de casa.

Analisando sob o aspecto social, a pesquisa mostra que as mulheres cada vez mais tomam consciência das pautas que as beneficiaram ao longo dos anos e as conquistas que ainda são necessárias atingir para a igualdade de gênero. É o que explica a professora Dra. Katarini Giroldo Miguel.

“Ainda que algumas não acreditem, as mulheres vivenciam conquistas do feminismo. As pautas que favorecem as mulheres são as progressistas, então é natural que se identifiquem com essas pautas e com a descoberta de que mulheres não precisam ficar centradas em uma sociedade patriarcal”.

Luta por direitos é constante e necessária

Projeção do Fórum Econômico Mundial de 2023 mostra que, para eliminar as desigualdades gerais de gênero, serão necessários 131 anos. No ritmo atual de progresso, são necessários 169 anos para a paridade econômica e 162 anos para a paridade política entre homens e mulheres em todo o mundo.

À frente de discussões sobre movimentos sociais feministas, a professora Dra. Katarini Giroldo Miguel lembra que a luta é pela igualdade e equiparação dos direitos, que, no caso das mulheres, precisam ser conquistados. Ao longo das décadas, mulheres conquistaram direitos de estudar, de votar, de se divorciar, praticar esportes como futebol e de permanecerem vivas, com formas legais de combater a violência.

“Leis são conquistas, mas mostram a nossa fragilidade em precisar disso para nos proteger. Homens estão perdendo seu espaço e eles reagem de forma reacionária, para manter o status quo, que sempre dominou e continua dominando, estamos a anos-luz de conquistar equiparação”, comenta a professora.

Para a pesquisadora, a reação, muitas vezes violenta dos homens contra as mudanças, é uma forma de reagir às ameaças.

“O que vejo são os homens se sentindo ameaçados pelas mudanças sociais, que deixam mulheres mais livres e menos subservientes. Principalmente homens, brancos, héteros, com recursos financeiros, que se veem ameaçados pelas minorias que oprimiam antigamente. Menos consciente, essa ameaça faz com que os homens reajam e se mantenham mais conservadores”, diz Katarini.

MS: Estado perigoso para mulheres

Mapa da Violência elaborado pelo DataSenado, instituto de pesquisas do Senado, revela que 30% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens. A pesquisa coloca Mato Grosso do Sul entre os primeiros do ranking de violência doméstica e sexual contra mulheres.

Em 2022, Mato Grosso do Sul contabilizou mais de 4 mil casos de violência contra mulheres, o que representa taxa de 288,44 casos a cada 100 mil habitantes. O Estado é o segundo entre as unidades de federação com maior número de casos entre a população, com estatística bem acima da média nacional, de 158,91 casos por 100 mil habitantes.

Os dados do Mapa da Violência mostram que 2019 foi o ano mais violento dos últimos tempos para as mulheres sul-mato-grossenses. E apesar de uma queda em 2020 e 2021, onde as subnotificações podem ter sido maiores devido à pandemia de Covid-19, a violência de gênero segue em escalada de crescimento.

Números da segurança pública estadual mostram que 20,6 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica em Mato Grosso do Sul, sendo jovens e adultas as principais vítimas. Mas, as estatísticas pioram e mostram que o machismo segue matando mulheres. Em 2023, Mato Grosso do Sul registrou a morte de 32 mulheres em decorrência de feminicídios.

Nos últimos cinco anos, 182 mulheres foram assassinadas por homens no Estado, mais de 40 só em 2022. E, em menos de dois meses de 2024, são cinco feminicídios registrados em Mato Grosso do Sul.

Políticas públicas atentas ao movimento de mulheres

À frente da subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres de Mato Grosso do Sul, a socióloga e pesquisadora social Manuela Nicodemos Bailosa afirma que o movimento das mulheres mais progressistas é perceptível ao nível estadual e é necessário que até o poder público se adapte à nova realidade.

“São mulheres fruto de um processo de conscientização maior sobre a intolerância das desigualdades, como se não estivessem mais dispostas a relativizar determinados tipos de assédio e violência, como se via no passado pouco distante. São mulheres que não aceitam mais ser tratadas como objeto e mercadorias e estão mais organizadas em grupos que militam sobre o tema”, conta Manuela sobre sua percepção do assunto.

Manuela Nicodemos (Foto: Divulgação, Setesc/MS)

Como pesquisadora, Manuela lembra que o movimento feminista é muito antigo e que já passou por muitas fases, como nos anos 90, quando leis importantes foram criadas devido ao lobby de mulheres progressistas.

Para ela, o que se vê a partir dos anos 2000 é o retorno do movimento nas ruas, das pessoas retomando a vontade de se expressar abertamente e beneficiadas pelo avanço tecnológico.

“E isso reflete nas pesquisas, porque é uma geração que se apropriou dos recursos de comunicação para falar do assunto. Mas, por muito tempo, nos anos 90, houve um movimento feminista importante para a criação de leis que deram voz e ação às mulheres de hoje”, explica Manuela.

Em Mato Grosso do Sul, ela afirma que há no Governo do Estado um movimento de abordar o tema de forma transversal, passando por várias secretarias para chegar até a população de maneira mais efetiva. Uma das ações está em mudar a forma como as questões de gênero são abordadas dentro das escolas.

“Queremos incluir no programa escolar temas como misoginia e diferença de gênero, para que essas discussões façam parte da rotina escolar e no sentido dos jovens participarem das discussões e levarem o tema para dentro de casa. É um desafio muito grande, mas estamos começando e queremos avançar”.

É o fim do patriarcado?

Para pesquisadoras ouvidas pelo Jornal Midiamax, o patriarcado segue firme e se reinventando em formas de dominação feminina para manter seu espaço. Mas, na luta das mulheres pela liberdade e igualdade, há homens que se somam com o que chamam de ‘reconstrução da masculinidade’. Um movimento que quer promover a desconstrução e reconstrução de homens.

“Há quem diga que o machismo patriarcal acabou, mas ele se reinventa a cada geração. A mercantilização dos corpos está muito forte nos últimos anos e a educação dos homens passa por isso. Se temos décadas de avanço do feminismo, temos o patriarcado se reinventado para se manter no poder”, afirma Manuela.

Psicólogo e ativista nas discussões sobre relações de gênero, Rhenato Vargas, 28 anos, integra o Coletivo M.A.S.S.A (Masculinidade Autêntica, Sensível, Saudável e Acolhedora) e defende as discussões sobre masculinidade como forma de ajudar homens a lidar com as mudanças da sociedade e a igualdade de gênero.

“Eu entendo que os homens têm medo de sair da caixa e perder direitos, têm medo de ser colocados de fora, homens tendem a ter uma reação mais reativa. A gente vê homens como seres de ordem, corajosos, ativos, que não demonstram emoções e muitas das vezes não sabem como sair desse papel. A gente precisa falar, reconstruir e dar caminhos possíveis para a masculinidade, que não esteja em confronto com o feminino. Não é só desconstruir, mas é construir uma nova masculinidade, saudável com respeito à diversidade”, explica.

Rhenato conta que viu a necessidade de mudar sua postura ao perceber que estava causando sofrimento para as mulheres com quem se relacionava.

“Quando percebi que eu estava sendo abusivo nas minhas relações, mas eu não sabia fazer, eu queria repreender e não conseguia lidar. Homens sofrem, mas calados, sozinhos, sem abertura para falar sobre o assunto e acabam lidando com isso sendo violentos”, conta ele.

Para o psicólogo, o movimento de homens pela reconstrução da masculinidade é lento, mas importante. “As mulheres têm se movimentado para a mudança e é responsabilidade dos homens de rever o que estamos fazendo. Não podemos jogar para o colo da mulher a responsabilidade, precisamos pensar em como agir melhor, como pensar melhor”.

Encontro discute masculinidade no dia 16 de março às 16h e se apresenta como espaço seguro e acolhedor para expressar emoções. Mais informações em @dialogosempsi e @gabrielmoreno.psi