Passada de mãe para filho, sífilis congênita afetou 1 a cada 4 bebês nascidos em Campo Grande
A sífilis congênita pode gerar consequências graves ao bebê, como aborto, parto prematuro e morte ao nascimento
Lethycia Anjos –
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A alta incidência de sífilis em gestantes e a consequente transmissão da sífilis congênita — passada de mãe para filho — refletem um problema latente na saúde pública de Campo Grande. Em 2024, aproximadamente uma em cada quatro gestantes com sífilis transmitiram a infecção ao bebê.
Em 2023, 684 gestantes foram detectadas com sífilis, enquanto até outubro de 2024, a Sesau notificou 395 novos casos, o que acendeu um alerta para maior atenção ao cuidado materno-infantil e à prevenção de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). Do total de casos registrados em gestantes neste ano, 90 resultaram em sífilis congênita, ou seja, um a cada 4 casos. No ano passado, a infecção afetou 145 bebês, o que corresponde a cerca de 21% das mães infectadas.
Em Mato Grosso do Sul, dados do boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em outubro indicam que, em 2023, ocorreram 1.597 casos de sífilis em gestantes, 3.653 casos de sífilis adquiridos, sendo 1.777 em Campo Grande e 337 casos de sífilis congênita. Além disso, o Estado contabilizou quatro óbitos relacionados à doença.
Diagnóstico precoce é maior desafio para as autoridades de saúde
Nesse cenário, a redução dos casos de sífilis se tornou um desafio para as autoridades de saúde pública de Campo Grande. Veruska Lahdo, superintendente de Vigilância em Saúde da Sesau, destaca que o maior entrave está na testagem e diagnóstico precoce da doença.
“Nosso principal desafio está no diagnóstico precoce e a adesão dos pacientes infectados ao teste e tratamento adequado, para podermos superar a barreira de transmissão da doença. Infelizmente, os números têm se mantidos em um padrão estável a cada ano, e não conseguimos reduzi-los”, explica.
Embora a descoberta da sífilis tenha ocorrido há mais de 100 anos, muitas pessoas ainda enfrentam barreiras no acesso a exames e tratamentos, seja por falta de informação, dificuldades financeiras, estigmas sociais ou limitações no sistema de saúde.
“Hoje, os modos de vida mudaram. Muitas vezes, ao questionar um paciente com sífilis, ele não consegue identificar quem foi seu contato, ou não tem informações sobre a pessoa com quem teve relações sexuais. Tudo isso dificulta o controle da doença e, consequentemente, contribui para o aumento dos casos”, diz Lahdo.
Barreiras sociais
A sífilis e muitas outras ISTs não são apenas uma questão médica, mas também social, pois refletem as desigualdades que colocam em risco a saúde das mulheres e de suas famílias. Em Campo Grande, regiões com maior vulnerabilidade socioeconômica, apresentam um cenário epidemiológico ainda mais alarmante.
Veruska Lahdo explica que, em bairros com um alto número de pessoas em situação de rua e dependentes químicos, assim como nas regiões mais periféricas da cidade, a incidência de casos é significativamente maior.
“Temos observado que o aumento da sífilis em Campo Grande ocorre principalmente entre a população vulnerável, que vem crescendo muito na cidade. Pessoas em situação de rua e dependentes químicos estão entre os principais grupos infectados”, afirma.
Sífilis congênita
A transmissão vertical da sífilis ocorre quando a mãe não teve um diagnóstico ou tratamento adequado, durante o pré-natal, o que ocasiona a sífilis congênita. A doença pode trazer várias consequências graves ao bebê, como aborto, parto prematuro, morte ao nascimento, além de graves consequências nos ossos, cérebro, olhos e também pode levar à morte, em muitos casos.
Conforme Veruska Lahdo, em muitos casos, cuidados básicos, como o uso de preservativos, ainda são negligenciados. No caso das gestantes, o acompanhamento pré-natal é fundamental para evitar complicações, o teste deve ocorrer no primeiro trimestre de gestação e novamente no terceiro trimestre.
“Muitas pessoas acabam deixando passar os sintomas e não procuram uma unidade de saúde. Infelizmente, há gestantes que não procuram consulta médica para realizar o pré-natal. Quando existe esse acompanhamento, realizamos todas as etapas de testagem para várias doenças e atualizamos a caderneta de vacinação delas”, destaca.
A especialista ressalta que em caso positivo para a doença, o tratamento deve iniciar imediatamente. Além disso, o parceiro daquela gestante também deve receber o tratamento para não ocorrer a reinfecção e transmissão da sífilis para o bebê.
“Seguir o pré-natal de forma adequada é essencial para garantir a saúde do bebê. Existe um alto risco de transmissão da sífilis, tanto durante a gestação quanto na amamentação. Além disso, as unidades de saúde monitoram as gestantes em seu território, especialmente em casos de risco, como aquelas portadoras de sífilis e HIV”, explica.
O que é a sífilis?
A sífilis consiste em uma infecção causada pela bactéria Treponema pallidum. É curável e exclusiva do ser humano, tendo como principal via de transmissão o contato sexual desprotegido com uma pessoa infectada, seguido pela transmissão para o feto durante o período de gestação de uma mãe com sífilis não tratada ou tratada inadequadamente (sífilis congênita).
A doença pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios, como a sífilis primária, secundária, latente e terciária. Nos estágios primário e secundário da infecção, existe uma maior possibilidade de transmissão.
Conforme a SES (Secretaria Estadual de Saúde), o diagnóstico da sífilis ocorre mediante a avaliação de um profissional de saúde que avalia os resultados dos testes diagnósticos, sinais e sintomas, se presentes, e do histórico de exposição ao risco da sífilis, como a prática sexual sem preservativo.
“Testes, diagnóstico e tratamento estão disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde). É uma doença de fácil propagação e, quando diagnosticada, deve ser tratada de forma precoce e adequada para que não atinja a forma mais grave”.
Sintomas
Os sinais e sintomas da sífilis variam de acordo com cada estágio da doença, que se divide em:
- Sífilis primária – ferida, geralmente única, no local de entrada da bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais da pele), que aparece entre 10 a 90 dias após o contágio.
Essa lesão é rica em bactérias. Normalmente não dói, não coça, não arde e não tem pus, podendo estar acompanhada de ínguas (caroços) na virilha.
- Sífilis secundária – os sinais e sintomas aparecem entre seis semanas e seis meses do aparecimento e cicatrização da ferida inicial. Pode ocorrer manchas no corpo, que geralmente não coçam, incluindo palmas das mãos e plantas dos pés. Essas lesões são ricas em bactérias. Pode ocorrer febre, mal-estar, dor de cabeça e ínguas pelo corpo.
- Sífilis latente – na fase assintomática não aparecem sinais ou sintomas. É dividida em sífilis latente recente (menos de dois anos de infecção) e sífilis latente tardia (mais de dois anos de infecção). A duração é variável, podendo ser interrompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou terciária.
- Sífilis terciária – pode surgir de dois a 40 anos depois do início da infecção. Costuma apresentar sinais e sintomas, principalmente lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar à morte.
Testes e resultados rápidos
Os testes rápidos para sífilis estão disponíveis em todas as unidades de saúde dos municípios do Estado e são de fácil execução.
“Eles são realizados por meio de uma gota de sangue coletada da ponta do dedo da pessoa e o resultado é liberado em até 30 minutos, ou seja, o resultado fica disponibilizado na hora. Quando necessário, o SUS também oferta os testes laboratoriais para sífilis, como é o caso do VDRL (Estudo Laboratorial de Doenças Venéreas)”, informa a SES.
Outro atendimento ocorre no Programa de Estadual de Proteção à Gestante, realizado em parceria com o IPED-APAE (Instituto de Pesquisas, Ensino e Diagnósticos, da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Campo Grande), que realiza a testagem para a sífilis na primeira e na terceira fase da gestação.
O tratamento para sífilis é a penicilina, a penicilina benzatina (benzetacil). Ela está disponível em todas as Unidades de Saúde do SUS, juntamente com os testes rápidos e de maneira gratuita. O tratamento inclui exames clínicos e laboratoriais para avaliar a evolução da doença e é estendido aos parceiros sexuais.
Baixa procura no CTA é barreira para o diagnóstico
Em Campo Grande, o CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) oferece diversos atendimentos voltados ao tratamento e prevenção de ISTs, mas a procura ainda é baixa, o que a Sesau atribui ao preconceito e à desinformação.
Esses retrocessos estão relacionados ao ambiente de extremismo, discriminação e violência contra as populações mais vulneráveis. Nesse cenário, a falta de acolhimento contribui para que essas pessoas se afastem da testagem, prevenção e do tratamento.
Um dos principais serviços ofertados pelo CTA é a testagem das infecções sexualmente transmissíveis. Em um único teste é possível detectar Sífilis, HIV e Hepatites B e C. No local, o pré-atendimento envolve uma conversa para identificar a queixa de saúde e os motivos da visita. Após essa triagem, o paciente é encaminhado para o teste, que leva cerca de 30 minutos.
Prevenção
Não existe uma vacina contra a sífilis, por isso, o uso correto e regular da camisinha feminina ou masculina consiste na principal medida de prevenção da sífilis e demais ISTs. Além disso, o acompanhamento das gestantes e parcerias sexuais durante o pré-natal de qualidade contribui para o controle da sífilis congênita.
Importante destacar que a sífilis não confere imunidade permanente, ou seja, mesmo após o tratamento adequado, cada vez que entrar em contato com o agente etiológico a pessoa pode ter a doença novamente.
Para encontrar a unidade de saúde mais perto da sua casa basta acessar o site: https://campograndems.labinovaapsfiocruz.com.br/osa/. Já o CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) está localizado na R. Anhanduí, 353 – Vila Carvalho, em Campo Grande.
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