Na mesa de bar, um grupo de mulheres, com aproximadamente 30 anos, vibra diante da revelação de uma delas: “Ele curtiu meu stories”. Atenção, geração mais antiga: esse é o novo rito de demostrar interesse romântico.

Será que o cenário que reflete a velocidade da comunicação entre possíveis casais também demostra que os costumes antigos, como dar flores no ato da conquista, já se aproxima dos ritos ancestrais?

Rose Costa Loureiro, proprietária da Floricultura Flor e Amor, no bairro Monte Líbano, em Campo Grande, diz que, no dia a dia, jovens não presenteiam o pretendente. Portanto, tal compra só é comum em datas comemorativas ou no Dia dos Namorados. Para ela, o poder aquisitivo baixo dos jovens e a situação econômica do país ajudam no desinteresse em dar flores para surpreender o outro.

“Antigamente, aqui era corrido, vendia bem mais. Hoje em dia, por conta da tecnologia, do Facebook e do Instagram, o romantismo decaiu bastante. As coisas estão mudadas. Hoje em dia, sinto que isso não acontece mais (presentear com flores), raramente acontece”.

‘Romantismo só entre casados’

Rose compara a queda de 40% em clientes românticos com 10 anos atrás. “Antigamente, era dar flores em qualquer ocasião. Hoje em dia, eles não estão mais românticos. Hoje em dia, a gente não presencia mais isso. Sem contar pelo valor que estão as flores”.

Laudi Maria Compadre, proprietária da Oi Flores e Estação Verde, concorda. As vendas para pessoas com mais idade que presenteiam são as que impulsionam o movimento das floriculturas. “No dia a dia, realmente, os mais jovens presenteiam muito pouco. No Dia dos Namorados, a procura é muito grande. Na rotina, a demanda é pequena, mas ainda existe um romantismo muito grande entre os casados. Entre os jovens o pedido é pequeno”.

Imediatismo nas relações

Carol Valdes, terapeuta sexual, psicóloga e especialista em hipnose, designa a interação pelas redes sociais como imediatista, pois o tempo de resposta na comunicação é mais rápido, sendo assim, a proposta mais eficaz da internet. Com isso, a tendência de relações raras se tornam uma consequência.

“A tecnologia vem afetando todas as relações, porque relacionamento, vínculo, desenvolvimento de memórias que a gente vai criar, que vão ser parte de uma relação, quer seja de amizade, familiar ou até mesmo amorosa, exige um tempo para ter nutrição, ter troca, presença, compartilhamento, e a era digital traz muitas coisas muito positivas, só que, ao mesmo tempo, ela coloca tudo muito no imediatismo e deixa as relações um pouco mais rasas”.

Diante do flerte raso, algumas pessoas habituadas ao novo “rito da conquista” acabam se contentando com curtidas e visualizações nos stories como uma demonstração de afeto.

“As relações acabam modificando-se e ficando muito na superficialidade. As conversas, elas são importantes para o desenvolvimento de uma relação, a presença, esse tempo de qualidade, troca afetiva, gestos, porque para a gente se relacionar, a gente precisa doar, compartilhar, receber, se empenhar para fazer com que os relacionamentos possam fluir e dar certo”, aconselha.

(Nathalia Alcântara, Midiamax)

Atração fadada ao algorítimo

Para o Jornal Midiamax, Clécio Branco, doutor em Filosofia e autor do livro “Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas”, diz que o exemplo do desaparecimento dos ritos é algo tratado na filosofia de escritores e pesquisadores, como Byung-Chul Han e Zygmunt Bauman. As análises citam que os modelos de vida líquida advertem sobre a vida que segue fluxos de mercado financeiro, produção de produtos e consumo de mercadorias.

Assim, na década de 80, o psicanalista Erich Fromm já dizia que, para serem amadas, as pessoas se tornaram um mercado de personalidades, e os espaços sociais se transformaram em vitrines de produtos a serem escolhidos como objetos mais ou menos dignos de amor.

“Ritos criam laços, fazem vínculos afetivos nos rituais; não se trata apenas de coesão social, mas de vínculos afetivos entre o homem e a natureza. Dar rosas tem esse sentido de uma síntese, o homem e a natureza numa unidade primária, porque somos essa única respiração, natureza e sociedade, homem e natureza. Criamos laços de ternura no ato de dar e receber flores. Mesmo que seja um fragmento da natureza, é assim com o Kula, os ritos de integração de milhares de ilhas indígenas no Pacífico, conforme Lévi-Strauss. Um povo inteiro unido pelo ritual de dar uns aos outros, num sistema de troca de pedaços de galhos e outras coisas da natureza como signos de unidade espiritual e cultural.”

A era dos likes

À espera de likes, distantes uns dos outros, a apenas uma tecla de distância, os algoritmos têm o poder de alterar o funcionamento cerebral. A espera infinita por gotas de recompensas faz com que crianças, adolescentes e adultos fiquem olhando a tela colorida noite adentro e dia afora. Todos estão carentes de um like, mas isso não é o bastante.

Branco cita que chegamos à loucura da violência neural, criamos novas doenças que a psicanálise ou outras teorias não haviam previsto, como o TDAH, o TAG e o Burnout. Na sociedade do espetáculo, mostrar e ser visto é o objetivo, consequentemente, gera o sofrimento da recompensa por engajamento, que estimula a descarga dopaminérgica e conecta a novas expectativas.

Não se pode negar que a tecnologia tem aspectos positivos no nível da comunicação, unindo pessoas que estão a quilômetros de distância. Branco indica que, em seu consultório, acompanhou casais que se conheceram em sites de encontro e tiveram um desfecho positivo.

O bloqueio

Branco frisa a deslealdade do “descarte” do outro com a alteração na velocidade de conquista nas redes sociais, no ato de deletar o outro quando há um primeiro conflito na relação. Na sociedade líquida, deleta-se na mesma velocidade das rupturas tecnológicas.

“É inegável o valor e a importância da comunicação digital. Imagine o avanço que tivemos no mundo das pesquisas, na biologia, na criação de remédios, no desenvolvimento de vacinas, no controle do espaço para que aviões possam seguir em linhas aéreas com segurança. A quantidade de resoluções é infinita. Teremos soluções para doenças graves muito em breve. Por outro lado, estamos aqui nessa conversa porque nem tudo são flores. O que nos leva a pensar em como vamos aprender a lidar com tudo o que criamos.”

Ainda há otimismo?

Por fim, Branco diz que é um otimista incurável sobre a chance de recuperação de laços reais e que a criação da tecnologia é um bem para a humanidade. A premissa destina que ainda é necessário tempo, cuidado e atenção com o outro para ser cativado.

Em seu livro, ele ressalta que precisamos fazer conclusões, términos de cada estágio. Pausas para conversar; nesses casos de pausas, é preciso desligar o celular, o computador e qualquer outra coisa. A pausa precisa ser plena; é um estado de encontro consigo mesmo ou com alguém que valha a pena.

“A pausa precisa ser de corpo e alma, inteira; os indivíduos envolvidos nas pausas devem estar presentes, dar feedback do que está acontecendo entre eles. Participar diminui a velocidade do pensamento e se presentificar. Precisamos de pausas para o almoço; de novo, desligar as máquinas, prestar atenção no almoço, descansar o talher no prato entre as mastigadas”, finaliza.