Mudanças climáticas chegam e se adaptar é urgente para manter qualidade de vida no futuro

Especialistas ouvidos pelo Jornal Midiamax não acham possível reverter, apenas minimizar os efeitos da situação climática

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Calor predomina em MS. Imagem Ilustrativa. (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Nesta semana, enquanto publicamos uma série de reportagens sobre o calor e as mudanças climáticas, Mato Grosso do Sul bateu novos recordes. Aquidauana passou dos 42°C e Campo Grande chegou aos 40°C, as maiores temperaturas de 2024, até agora. Nesta sexta-feira (27), Campo Grande amanheceu com 18°C, após um temporal atingir diversas cidades. Vivenciamos o quanto falar das mudanças climáticas é urgente. Estamos acostumando com esse “novo normal”, mas o que podemos esperar do futuro?

Há anos climatologistas de todo o mundo alertam para o aquecimento global, mas de tanto falar sem respostas efetivas, hoje assistem às mudanças climáticas com pessimismo. O Jornal Midiamax ouviu vários especialistas climáticos e nenhum deles acredita em uma reversão do que estamos vivendo. Cientificamente é difícil “prever o futuro”, mas possível dizer que vivemos em um ciclo com tendência a piorar.

Em setembro de 2023, quando as ondas de calor começaram a esperança era pelo fim do El Niño. O fenômeno terminou, as ondas de calor continuam e as temperaturas continuam subindo. Em 2024, ainda há outro agravante, a seca extrema com consequências em vários setores e também na umidade relativa do ar.

Para tentar entender o que está acontecendo com o clima e para onde caminhamos, o Jornal Midiamax elaborou uma série de reportagens. Neste último conteúdo, vamos tentar esclarecer sobre o futuro.

Confira as reportagens já publicadas: 1 ano das ondas de calorecoansiedadecalor e desigualdades sociais e impactos do calor na saúde.

(Ilustração: Giovana Gabrielle, Jornal Midiamax)

Ação humana acelera as mudanças

Para tentar esclarecer sobre o futuro tivemos a oportunidade de conversar com o climatologista Jose Marengo, referência nacional em mudanças climáticas e coordenador-geral do Cemaden (Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). “Os extremos estão ficando mais extremos. Um dos extremos é a seca e outro são as ondas de calor, e de fato, sim, estão aumentando”, diz.  

Marengo destacou a seca extrema que o Brasil enfrenta, a tendência atual do cenário se repetir em 2025 e as ondas de calor como consequências do aquecimento global. Ele ainda diz que é frustrante ver a falta de vontade política com o clima e como as ações humanas contribuem para o avanço mais rápido das mudanças climáticas.

“É um pouco difícil o que pode acontecer porque a ação humana é coordenada e isso complica qualquer previsão de modelo. Os modelos não consideram esse tipo de fatores, a ação humana, principalmente nos biomas como Pantanal e a Amazônia”, disse Marengo ao comentar sobre a afirmação do colega Carlos Nobre, de que o Pantanal caminha para o fim.

Para ele o cenário é preocupante, principalmente em relação ao ciclo da chuva. Os dados mostram, conforme Marengo, que o fenômeno El Niña não deve se configurar e o período de chuvas que deveria começar em outubro, chegar tarde demais. Com pouca chuva e muito calor, os incêndios florestais podem piorar.

“Nossa preocupação é que as chuvas não comecem a tempo ou que seja muito curta ou fraca. Ou seja, a possibilidade de que se repita uma situação no verão de 2025, similar ao verão de 2024, é muito alta. Claro que isso pode mudar se se configura uma La Niña, mas por enquanto não estamos vendo essa configuração”.

Calor em MS (Foto: Nathalia Alcântara, Midiamax)

Zerar emissão de efeito estufa resolve?

Até 2022 era comum ouvir falar sobre a necessidade de pensar nas mudanças climáticas. Porém, sempre como uma ação futura. Mas 2023 e 2024, com calorão, seca extrema, enchentes, incêndios e fumaça, mostraram que não há mais tempo de espera. As mudanças chegaram e a adaptação é urgente.

Para além do acordo de Paris, há alguns anos se fala da necessidade de zerar a emissão de gases de efeito estufa. Mas é possível? Para o climatologista José Marengo, não. “Com a tecnologia que temos agora, zerar os gases é impossível, porque teria que ter tecnologias para absorver o CO2 que não temos”.

Ele concorda que reduzir a emissão de gases de efeito estufa é importante, mas deveria ter sido feito há mais de 10 anos. “Eu acho que reduzir as emissões é importante, mas isso não vai alterar o aquecimento global, isso vai, talvez, reduzir um pouco. Tentar chegar a não passar 1,5°C, por exemplo, realmente é muito difícil”, afirma o cientista ambiental.

Para se ter ideia do quão atrasados estamos em relação à necessidade, o Brasil tem meta de reduzir em 53% as emissões de gases de efeito estuda até 2030. Já o governo de Mato Grosso do Sul se comprometeu a neutralizar 100% da emissão até 2030. Ainda que as metas sejam atingidas, no máximo, vão minimizar um pouco os efeitos extremos, explica Marengo.

Incêndios no Pantanal (Arquivo/Midiamax/Henrique Arakaki)

O que podemos fazer agora?

As mudanças climáticas fruto do aquecimento global já são uma realidade e isso significa que qualquer ação não é mais suficiente para impedir, restando apenas a adaptação a essa nova realidade. Mas é possível minimizar os impactos das mudanças climáticas? Procuramos especialistas para responder essa pergunta.

Pesquisador sênior do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil) e vice coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais, Jean Pierre Ometto conversou com o Jornal Midiamax sobre o assunto e seu olhar para o futuro. “Eu considero que isso é uma situação muito grave, muito urgente. E nós temos que ter ações de voltadas à conservação ambiental”.

Para ele, o cenário ideal para tentar reverter a situação, seria mudar a composição da atmosfera, parando de queimar combustível fóssil e de jogar carbono na atmosfera. Mas a gente sabe que isso não vai acontecer, pelo menos não agora e o que resta é adaptação. “É urgente a gente ter ações voltadas à recomposição, à restauração de uma relação com a natureza, vamos dizer assim. No sentido prático”, comenta Ometto.

Ele detalha ações, como reduzir o impacto ao Meio ambiente e as ilhas de calor (áreas urbanas com altas temperaturas), a fim de minimizar os dados principais à população mais vulnerável. Investir no reflorestamento de cidades, disponibilidade de água, arquitetura adequada e agricultura sustentável são ações principais.

“Precisamos falar sobre as mudanças climáticas. É muito importante que o poder público municipal traga isso para dentro do seu planejamento, porque ele vai enfrentar eventos de clima extremo na sua gestão. A gente precisa trazer isso para o debate, se não, a gente fica, de alguma forma, fingindo, fica tampando o sol com a peneira, né?”, destaca Jean Ometto.

(Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

Eventos mais intensos

Quem costuma duvidar das mudanças climáticas, afirma que os eventos extremos sempre existiram. O pesquisador do Inpe não discorda. “Sempre aconteceram mesmo, mas estão ficando mais intensos e mais frequentes. Elas aconteceram lá em 1970, 60, 50? Sim, acontecia. Só que com uma frequência e uma intensidade muito menor. Então, o que está acontecendo é isso, o clima está mudando rapidamente”.

O calor, a baixa umidade, as queimadas afetam a saúde da população, agora e no futuro e o pesquisador faz um alerta importante. “Lembrando sempre que onda de calor mata mais do que deslizamento de terra”, disse ele ao se referir a um estudo publicado por pesquisadores em janeiro deste ano.

Em meio a tantas opiniões extremas no Brasil atual, o pesquisador faz questão de afirmar que a questão do clima não é anti-econômica. “Pelo contrário, é uma agenda de sustentabilidade econômica. Não adianta a gente continuar fazendo o que está fazendo e não conseguir produzir agricultura no Cerrado Brasileiro em 20 anos”, reflete ele.

Mas é possível produzir em conformidade com o meio ambiente? Jean esclarece que sim e que é urgente buscar formas para que os eventos extremos impactem menos a vida de população. Mas, para isso, é importante que todos pensem junto com as mudanças climáticas.

“A agricultura é um grande emissor de carbono, mas a gente tem que continuar produzindo alimento. Então, como é que a gente compõe essa equação no curto prazo? É uma estratégia de transformação nas cadeias produtivas, transformação energética, transformação no uso e ocupação do solo. Nós temos que trabalhar nessa estratégia”.

(Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

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