A delegação Guarani Kaiowá da Aty Guasu de Douradina esteve em reunião na DPU (Defensoria Pública da União) nesta segunda-feira (5), em Brasília. As ‘negociações’ sobre o Marco Temporal começaram hoje.

Segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a DPU vai ser os ‘olhos’ no processo de negociação da Câmara de Conciliação no STF (Supremo Tribunal Federal). Entretanto, a articulação solicitou que a DPU atuação como guardiã dos vulneráveis, no caso, os indígenas.

O objetivo é levar a perspectiva de pessoas em situação de vulnerabilidade às causas que envolvam direitos desse grupo, agindo como porta-voz da realidade e seus interesses, para subsidiar a tomada de decisão judicial.

Violência nos territórios indígenas

Segundo o coordenador executivo da Apib pela Aty Guasu, Norivaldo Kaiowá, estiveram presente cerca de 20 indígenas na reunião. Eles ainda denunciaram ainda a violência e ataques de ‘jagunços’ na Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica, em Douradina, desde o fim de semana.

O mais recente, ocorreu no domingo (4), quando tiros com bala de borracha e disparos por armas letais deixaram seis Guarani-Kaiowá gravemente feridos. Ao todo, 12 indígenas ficaram feridos nos ataques nos últimos dias.

Na área estão acampadas 126 famílias, com 18 idosos, 70 crianças (incluindo bebês) e 50 jovens menores da idade. Em nota, a DPU repudiou os ataques sofridos pelos indígenas.

Proteção

Durante a reunião, a liderança Guarani Kaiowá Valdelice Veron, relatou a atual situação de violência nos territórios indígenas e alertou que até os próprios defensores correm risco de sofrer com os ataques violentos aos territórios.

“Queremos proteção. Desde o dia 13 de julho a 5 de agosto, temos tantos feridos em terras de retomada. Nossos acampamentos foram devastados. As defensoras que estavam conosco estavam sozinhas, também sem proteção da polícia. Temos indígenas professores que não estão podendo dar aula, fazer compras, direito de ir e ir não tem. Nossos aliados que levam remédio também são perseguidos. Reconciliação do que? Queremos nosso direito respeitado. O marco temporal é inconstitucional. Vocês que vão falar por nós, nos defendam”, disse emocionada.

A DPU aguarda a apuração dos fatos pela Polícia Federal e solicita o reforço da Força Nacional para garantir a segurança dos indígenas. A instituição defende que a demarcação da Terra Indígena Parnambi-Lagoa Rica é a solução definitiva para o conflito.

Vale lembrar que a TI já é delimitada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) desde 2011. O documento que identifica a área como de ocupação tradicional indígena segue válido, porém, o andamento do procedimento demarcatório se encontra suspenso por ordem judicial.

Câmara de Conciliação

A comissão de conciliação ainda é composta por seis representantes indicados pela Apib; seis indicados pelo Congresso Nacional; quatro integrantes indicados pelo governo federal e dois integrantes dos estados e um dos municípios.

A criação da câmara de conciliação foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes em abril. A decisão não foi avaliada pelos demais ministros da Corte e não considerou as solicitações do movimento indígena, como a suspensão dos efeitos da lei. À época, a Apib repudiou a decisão de Mendes e disse que estava sendo ignorada pelo ministro.

Marco Temporal

A tese do Marco Temporal surgiu em 2009 no STF para demarcar o território Raposa Serra do Sol, em Roraima (RR). No entanto, por falta de entendimentos jurídicos, existe a tentativa de fazer com que ela sirva de parâmetro para as demais demarcações de terras indígenas no Brasil, travando todos os processos em andamento.

Isso porque, ao proferir decisão favorável aos indígenas durante o julgamento de um conflito com produtores de arroz, o Supremo usou como argumento que o povo da Raposa Terra do Sol já estava no território quando foi promulgada a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. O posicionamento acabou criando precedentes para que outros casos de demarcação fossem analisados usando a mesma lógica e limite temporal.

Em 2023, o STF determinou a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal e concluiu que a demarcação dos territórios indígenas independe de ocupação na data da promulgação da constituição, em 1988.

Contrariando a decisão da Corte, o Congresso Nacional consolidou o Marco Temporal na legislação. Em seguida, partidos e associações indígenas acionaram novamente o Supremo. Enquanto os favoráveis à lei pediram que o tribunal validasse a lei, outros solicitaram a declaração de inconstitucionalidade.

Desde abril desde ano, todas as tramitações dos processos judiciais em instâncias inferiores sobre o tema estão suspensas por determinação do ministro Gilmar Mendes, relator dos pedidos. O Marco Temporal vai afetar diversas Terras Indígenas que ainda não foram demarcadas e, eventualmente, terras que já estão demarcadas.