Com Pantanal em chamas, corumbaenses mudam a rotina para se adaptar ao fumaceiro na cidade
Fechados em casa ou enfrentando o fumaceiro, torcida por uma chuva é unânime em Corumbá
Fábio Oruê, Clayton Neves –
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O triste cartão-postal para quem chega à Corumbá é o fumaceiro visto de longe por conta dos grande incêndios florestais no Pantanal. A grande cortina de fumaça é percebida cerca de 75 km da zona urbana e fica pior a cada quilometro mais perto.
Reportagem do Jornal Midiamax percorreu o trecho de 450 km entre Campo Grande e Corumbá nesta quinta-feira (20), rumo ao Pantanal sul-mato-grossense. Se para quem chega já é difícil, imagina para quem convive diariamente com o fumaceiro, que toma conta de cidade.
Por conta da situação, que coloca em risco a saúde e o bolso, corumbaenses precisam mudar a própria rotina para se adaptar à fumaça. Para Silvéria de Oliveira Alves, de 50 anos, a única maneira é ficar fechada dentro de casa.
O encontro de Silvéria com a equipe de reportagem aconteceu no Porto Geral, nesta tarde. A corumbaense precisou sair de casa por uma necessidade. Mas, para isso, a máscara foi indispensável.
“É horrível pra respirar, pra lavar roupa, pra limpar a casa; pra tudo”, reclama ela. “Há duas semanas essa fumaça começou a invadir [a cidade] e tomou proporções que saíram do controle”, relata.
Ela conta que hoje acordou com muita dor de cabeça devido a exposição com a fumaça, que tem mudado até a rotina de sono. “É uma dificuldade andar no meio dessa fumaça. Está muito difícil. Você percebe na respiração, na boca seca, tanto que dá muita sede. Eu dobrei a quantidade de água; até acordo de noite para beber água”, conta ao Jornal Midiamax.
Varal no quarto
Apenas quem já estendeu roupa e minutos depois o vizinho colocou fogo no monte de lixo sabe o que é passar raiva. Agora imagina com a fumaça constante. Como lavar roupa?
A rotina mudou até nisso na casa de Silvéria. Ela conta que lava as roupas e estende no quarto. Assim, consegue resolver dois problemas. “A roupa não fica fedida porque não pega fuligem e aumenta a umidade do quarto”, conta.
Ainda que fique fechada dentro de casa, Silvéria faz uso de máscara de de umidificadores, além de soro. “Este ano está bem mais crítico que no ano passado, está parecido com 2020. Acredito que tem ação humana. Não é possível que um incêndio dessa proporção não tenha dedo de gente irresponsável. Eu amo minha cidade. Não reclamo dela, mas nesse ano o corumbaense está sofrendo”, diz à reportagem.
Fogo na entrada de Corumbá
Brigadistas que atuam em um grande incêndio na entrada de Corumbá informaram ao Jornal Midiamax que na vegetação há uma condição que intensifica a formação de fumaça.
A parte subterrânea tem vegetação seca, mas a parte de cima ainda é de vegetação verde, que aumenta o fumaceiro. A fumaça branca é vista de longe. O foco fica às margens do rio Paraguai e corumbaenses assistem tristes a queimada. Além disso, o vento ajuda a levar a fumaça para a cidade.
“Eu sei que é prejudicial, mas o brigadista só vai sair do campo quando controlar a situação”. O relato do chefe de Brigada Pantanal do Prevfogo, Anderson Thiago é o retrato da realidade enfrentada por 39 brigadistas que combatem os incêndios do Pantanal atualmente. Calor, baixa umidade, fogo e fumaça dia e noite.
O Pantanal está em chamas, com 1.729 focos de incêndios em junho no Mato Grosso do Sul e 250 focos em apenas um dia. Desde janeiro de 2024, pesquisadores alertam para o período de estiagem no Pantanal, mas o fogo chegou antes do que as equipes de combate esperavam.
Limpeza constante
A comerciante Cristel Lima acumula prejuízos para por conta da fumaça na sua loja de artesanato e lembrancinhas. “Toda hora eu tenho que tirar e limpar as peças; tirar as camisetas do varal de exposição. Suja tudo”, conta à reportagem.
Segundo ela, a fumaça intensa tem um padrão: atua durante quatro dias seguidos, diminui durante dois dias e depois volta com forte novamente. “No dia que começou a coisa mais intensa, aqui na frente do Porto Geral ficou tudo cinza. Teve um vizinho que passou mal e teve que ser levado pelo SAMU”, relata.
Para ela, este ano está pior que o anteriores. “Agora o cheiro de fumaça fica impregnado na pele. Ano passado não foi assim”, diz. Cristel conta que esse fumaceiro espanta os turistas e interverem no lucro dela.
Muita sede
Se para Cristel a condição está trazendo prejuízos, para a vendedora de água mineral e água de coco, Cintia da Silva, o lucro aumentou. “As pessoas tem consumido mais água para se hidratar; elas ficam com sede mais rápido. Por esse lado do lucro é bom”, conta
Entretanto, ninguém sai ganhando com a tragédia. Cíntia e dois netos têm bronquite. Um deles, apenas um bebê, vive no pediatra. “Para minha saúde e da minha família é complicado. Eu faço inalação com ervas e medicamento para respirar melhor. A gente não sabe mais o que fazer. É fumaça demais”, relata.
Rio Paraguai em estado crítico
O nível do Rio Paraguai também preocupa os moradores por estar muito abaixo do normal. Nesta sexta-feira começa a festa de São João e os corumbaense ganharam um espaço extra.
Segundo os moradores, em outros anos as pessoas não conseguiam descer a escadaria do Porto Geral e se aproximar por conta do nível do rio. Porém, em 2024, além de descer a escadaria, a população pode se aproveitar dos bancos de areia que surgiram.
O Rio Paraguai já chegou a marca de 3 metros abaixo da média histórica para o período. A estiagem e baixa umidade relativa do ar agravam o cenário. Dados do Boletim de Monitoramento Hidrológico da Bacia do Rio Paraguai, mostram que praticamente toda a bacia está em nível mínimo. Em Ladário, por exemplo, o nível do Rio Paraguai está em 1,31 metros, sendo que o esperado para a época é de 4,41 metros.
Cemitério de animais
Na BR-262, rodovia que dá acesso a Corumbá, dezenas de animais mortos atropelados na pista são o retrato de que a interação entre homem e natureza está distante do equilíbrio que se espera.
Pela estrada, cercada por vegetação nativa, placas de trânsito alertam sobre a presença de quem sempre esteve ali. ‘Dirija com atenção, risco de animais na pista’, alerta a placa, em vão.
Pantanal tem 240 mil hectares queimados
O Pantanal já teve mais de 240 mil hectares queimados este ano e a destruição caminha para superar aquela vivida em 2020 – um dos piores anos para o bioma. Mapeamento feito pelo Ecoa a partir de imagens de satélite serve de alerta para a devastação deixada pelo fogo.
A paisagem cinza e os animais carbonizados ainda ecoam na mente do pantaneiro após o desastroso 2020 – com mais 4 milhões de hectares devastados. As indicações são de que 2024 pode ser ainda pior, segundo o Ecoa.
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