O MPF (Ministério Público Federal) cobrou na Justiça a penalização dos municípios de e , em Mato Grosso do Sul (MS), por descumprimento de sentença que determinou, ainda em 2014, a revitalização das vias internas nas comunidades indígenas Jaguapiru e Bororó.

O recurso, segundo o MPF, foi contra decisão da que negou os pedidos de intimação e pagamento de multa pelos municípios, além de multas aos respectivos prefeitos e secretários municipais de Obras.  

O pedido era para que os municípios fossem intimados a iniciar as obras em até 15 dias, além de realizar o pagamento das multas. O objetivo, além de efetivar o cumprimento da sentença, é a penalização dos agentes públicos responsáveis pela reparação das estradas.

A revitalização prevê obras de cascalhamento, limpeza e construção de caixas de retenção e valetas para o escoamento da água das chuvas. A 1ª Vara Federal de Dourados, no entanto, negou a intimação e o pagamento das multas.

A multa pelo descumprimento corresponde a cerca de R$ 2,9 milhões contra o Município de Dourados e a R$ 2,8 milhões contra o Município de Itaporã pelo descumprimento da decisão liminar proferida em 2014, após ação civil pública proposta pelo MPF.

Discriminação contra indígenas

Para o MPF, a omissão dos municípios em cumprir a sentença determinada pela Justiça Federal há quase dez anos aponta tratamento discriminatório com os indígenas, em condições de igualdade com os serviços prestados para as demais comunidades rurais da região.

Nesse sentido, o MPF instaurou procedimento administrativo para investigação do crime de racismo, uma vez que existe contrato específico para as obras realizadas no entorno da comunidade.

Na ação, o MPF demonstrou que houve repasses da União para as obras destinadas a beneficiar toda a comunidade rural, inclusive a indígena, que também se dedica à produção agrícola. O município efetivamente realizou as obras em toda região rural, deixando a comunidade indígena de lado, o que torna patente “a discriminação indevida na destinação dos recursos”.

Na ação em que pede o cumprimento da sentença, o procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida aponta que há, ao menos, duas fontes de custeio que podem ser usadas pelos municípios recolhidas em razão da presença indígena nos municípios. São elas as verbas do (Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário de Mato Grosso do Sul) e o ICMS Ecológico, que incentiva a adoção de práticas ambientalmente adequadas pelos municípios.

Segundo o MPF, bastam providências dos gestores para o uso das verbas. Por isso, a não realização de melhorias torna evidente que “não é a falta de recursos o empecilho, mas sim a falta de gestão eficiente, deixando à própria sorte uma gama de direitos fundamentais assegurados constitucionalmente aos indígenas”.

Moradores da Bororó usam carroça para chegar até a aldeia (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

Com chuvas, alunos não vão à escola

O MPF destaca que a situação é considerada urgente, uma vez que o trânsito na região tornou-se impossível, comprometendo o tráfego de ambulâncias e de veículos da Polícia Militar e da Força Nacional. A condição fere diversos direitos fundamentais como o acesso integral à saúde, educação, segurança, liberdade de tráfego e acesso à Justiça.

Além disso, os alunos da aldeia não vão à escola em períodos de chuva, pois o transporte escolar fica impossibilitado de transitar pelas vias, já que não há cascalho nas estradas. Nesses mesmos períodos, os indígenas ficam sem assistência à saúde, pois os servidores do também não conseguem acesso ao local.

Em junho de 2023, a Sppea/PGR (Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise) elaborou parecer técnico de toda a malha viária existente na comunidade, com vistorias para avaliação das condições de conservação das vias públicas das comunidades indígenas Jaguapiru e Bororó, e de estradas públicas existentes em zona rural compreendidas dentro da área dos municípios de Dourados e Itaporã, constando em detalhes as obras necessárias nas vias.

De acordo com o relatório, a Prefeitura de Dourados realizou serviços de manutenção em 6,17 km de vias nas comunidades indígenas situadas dentro de seu território. Isso corresponde a 8,28% do total de 74,55 km de estradas sob sua jurisdição.

Já com relação ao Município de Itaporã, foram executados serviços de manutenção em vias que totalizam aproximadamente 1,48 km de extensão. Isso corresponde a apenas 1,87% do total de 79,07 km de estradas sob sua jurisdição.

Seguindo os critérios do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), verificou-se que o ICMNP (Índice de Condição de Manutenção de Rodovias Não Pavimentadas) para as estradas vistoriadas variou entre as classificações ruim e péssimo nas vias das comunidades indígenas, e entre regular e bom nas vias rurais não pavimentadas dos municípios de Dourados e Itaporã.

Principal via de acesso à aldeia Bororó, alagada (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

Nas vias que apresentaram piores classificações, foram identificados problemas decorrentes de drenagem deficiente, que ocasionam degradação do pavimento.

A ação inicial pela obrigatoriedade de os municípios realizarem as obras teve como resultado sentença condenatória de dezembro de 2014. A decisão fixou multa diária no valor de R$ 50 mil por dia de descumprimento, sem prejuízo do envio de ofício ao TCU (Tribunal de Contas da União) para a apuração da responsabilidade.

A partir de então, o MPF realizou uma série de reuniões com autoridades de Dourados e Itaporã para o início do cumprimento da determinação judicial. Porém, mesmo diante dos esforços para garantir o cumprimento da sentença amigavelmente, foi verificado que os envolvidos deixaram de realizar a obrigação de fazer quanto ao cascalhamento das vias, perpetuando o “pesadelo enfrentado pelos indígenas residentes naquela localidade até os dias de hoje”. 

“Cada vez que a gente precisa sair de casa em tempos de chuva, o sofrimento é muito grande. Quem não tem carroça fica isolado em casa, sem poder ir até a cidade para resolver algum problema, fica isolado. Além disso, nossas crianças não podem ir à escola”, relata uma moradora aldeia Jaguapiru ouvida pelo Midiamax.

A reportagem do Midiamax também entrou em contato com as assessorias de comunicação tanto da prefeitura de Dourados quanto de Itaporã para informações sobre o pedido do MPF, mas ainda não houve nenhuma manifestação. O espaço segue aberto para esclarecimentos.