Mato Grosso do Sul já foi oceano e registros históricos estão a 3 horas de Campo Grande
Jazidas de argila em Rio Verde de Mato Grosso abrigam fósseis que apontam que houve vida marinha no Estado há 400 milhões de anos
Thalya Godoy –
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Mato Grosso do Sul esteve submerso por um oceano há 400 milhões de anos e os registros históricos dessa época estão a 3 horas de distância de Campo Grande.
Os paredões de argila em Rio Verde de Mato Grosso, distante 213 km da Capital, guardam registros de eras atrás e contêm a matéria-prima das fábricas de cerâmica que fomentam a economia e empregos na cidade, como a fabricação de telhas e tijolos.
Nas minas estão fósseis e icnofósseis do tempo devoniano que apontam que naquele local houve vida marinha e um oceano há milhões de anos.
Os fósseis são os restos de animais ou vegetais conservados em rochas e os icnofósseis são os vestígios da passagem de um organismo por uma superfície, como as marcas das pegadas, a toca e indícios da alimentação.
Entre os organismos fossilizados nas jazidas de Rio Verde de Mato Grosso estão molluscas, braquiópodes, trilobitas e cnidários. Alguns se parecem com conchas, enquanto outros lembram “baratinhas”.
Boa parte desses seres que mostram o início da vida na terra são invertebrados (não possuem coluna vertebral e nem ossos), mas foram extintos eras geológicas atrás.
Conforme explica a pós-doutora em geociências e coordenadora do GeoPaLab (Laboratório de Geologia e Paleontologia) da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), professora Edna Maria Facincani, o Estado possui fortes marcas da evolução da vida do planeta.
Os registros começam desde a região de Corumbá, com os fósseis denominados de ‘Corumbellas’ de cerca de 500 milhões de anos, a até marcas mais recentes com os oceanos devonianos que cobriram a região das pedreiras de Rio Verde de Mato Grosso, em que dentro da geologia é chamada de Formação de Ponta Grossa.
“Esse ambiente da formação Ponta Grossa era um oceano não tão profundo, mas de águas mais frias porque esse oceano estava mais próximo do Polo Sul. Como a gente traduz esses afloramentos aqui desse ambiente marinho de 400 milhões de anos? Porque nós encontramos fósseis, como os trilobitas, […] que mostra todo um ambiente marinho”, explica a especialista.
Já o estudante do programa de mestrado em geografia pela UFMS, Luiz Guilherme Delvale, explica que a região é borda de bacia sedimentar, ou seja, está em erosão e os sedimentos são transportados para regiões mais baixas, como a bacia sedimentar do Pantanal, que está em formação.
“Então os sedimentos desta região e de Aquidauana, que é borda de bacia pertencente do Paraná, são áreas fontes da bacia do Pantanal”, aponta.
Essa mudança na paisagem ocorre ao longo dos milhões de anos. Um dos exemplos é o Morro do Chapéu, um dos cartões postais de Aquidauana, é conhecido como morro testemunho porque mostra que ali a área foi área elevada, mas erodiu ao longo do tempo.
“Então é comum morros testemunhos associados a borda de bacia sedimentar por erosão e recuo”, ele expõe.
A importância dos registros históricos de Mato Grosso do Sul para a história da humanidade também é reconhecida por universidades de fora do Estado.
Pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio De Janeiro) publicaram o artigo “A Guide To Fossiliferous Outcrops From The Devonian Of Mato Grosso Do Sul, Central-West Brazil” (Um guia para afloramentos fossilífero do devoniano de Mato Grosso do Sul, Centro-Oeste do Brasil – em tradução livre).
No estudo, os pesquisadores catalogaram os fósseis encontrados na Bacia Sedimentar do Paraná localizadas em Rio Negro, Coxim, Pedro Gomes e em Rio Verde de Mato Grosso.
O resultado da pesquisa apontou que Mato Grosso do Sul tem a maior área de afloramento do mar devoniano na borda noroeste da Bacia do Paraná.
Também espera-se que mais estudos sejam feitos na região por pesquisadores e que o assunto seja compartilhado com a comunidade em geral para garantir a preservação desses ambientes e sentimento de pertencimento com o patrimônio natural, como em atividades pedagógicas com alunos do ensino fundamental.
“Kinder ovo” de fósseis
“Professora, o que é isso?”; “Isso é uma trilobita?”; “Será que é alguma coisa?”
Uma turma de ciências biológicas da UFMS teve a oportunidade de conhecer parte da história de Mato Grosso do Sul gravada nas rochas de Rio Verde de Mato Grosso, supervisionados pela professora Edna, e o que não faltaram foram perguntas sobre os achados nos argilitos.
Com a ajuda de martelos e pincéis, os estudantes descobriram fósseis e icnofósseis com milhões de anos sedimentados no paleoambiente, que indicam como foi a vida em Mato Grosso do Sul.
Alguns desses seres estão escondidos em concreções, rochas sedimentares redondas que se parecem com um “kinder ovo”. Bate o martelo, o material racha ao meio e a “surpresa” aparece.
Os acadêmicos Dyana Fernandes, Marcos Aguero e Sandra da Silva, do quinto semestre de licenciatura em biologia da UFMS, participavam de uma visita de campo na região pela primeira vez e estavam animados sobre as descobertas que poderiam fazer.
Sandra da Silva, de 21 anos, encontrou dois fósseis em uma das jazidas da cidade, como a trilobita de mais de 400 milhões de anos atrás, que se parece com uma baratinha.
“É um artrópode e eu estou feliz que eu consegui encontrar. As marquinhas nele indicam que foi um fóssil, aqui é o finalzinho dele e uma parte do tórax”, ela explica.
Essa era a primeira vez de Marcos Aguero, de 20 anos, em uma visita de campo pela faculdade e encontrou um fóssil de uma concha.
“É importante para a gente da biologia porque os registros fósseis são evidências da evolução, e é nossa área, é bem interessante mesmo”, ele conta.
Já Dyana Fernandes, de 21 anos, não teve tanta sorte desta vez e não encontrou nenhum fóssil, mas quando esteve em Corumbá, em uma visita de campo em 2022, conseguiu tirar foto de uma Corumbella.
“É a segunda vez, a primeira vez eu participei no ano passado com a mesma professora e é bem legal a experiência novamente, bem legal participar e interagir”, ela elogia.
Preservação
As empresas de cerâmica de Rio Verde de Mato Grosso comumente recebem estudantes para conhecer as fábricas ou jazidas que trabalham com a argila.
As fábricas de cerâmica movimentam a economia de Rio Verde e são importantes fontes de emprego para os moradores.
Conforme explica o responsável técnico da Cerâmica Couto Figueira, Edmarcio de Mello Tomazini, de 39 anos, a fábrica sempre é aberta para os estudantes para ver os processos de confecção de tijolos.
“Quando não é criança, já é adolescente, eles se espantam. Muitas vezes eles veem a cor do do tijolo saindo da maromba que remete a chocolate e dizem que dá vontade de comer, então é bem interessante essas visitas”, ele elogia.
Já no caso das jazidas em que os acadêmicos da UFMS visitaram, não é permitido que os estudantes levem para casa os fósseis por se tratarem de patrimônio da União. Os que foram achados pelos estudantes serão catalogados e guardados no laboratório de paleontologia da universidade.
O Decreto-Lei nº 4.146/1942 prevê que a extração de espécimes fósseis depende de autorização prévia e fiscalização da Agência Nacional de Mineração.
O responsável pelo setor de Recursos Humanos da Cerâmica Couto Figueira, Amauri Olartechea, explica que a empresa possui uma série de autorizações para que possa fazer a exploração das jazidas de forma responsável e sustentável.
“Nós fazemos a reposição de material conforme a jazida vai avançando. Tiramos a argila e depois colocamos um um outro material, um aterro para suprir aquele solo e assim vem com a vegetação, um pasto e assim por diante para voltar a recuperação daquela área onde nós utilizamos”, ele explica
Sobre os materiais fósseis que podem ser encontrados, Amauri conta que a maioria são conchas que são trituradas na argila. “Eu já trabalho há mais de vinte anos na indústria cerâmica, já andei bastante, nunca achei um dinossauro”, ele brinca.
A professora Edna Facincani explica que a legislação que trata de mineração e de fósseis é desatualizada, de 1942, e que os conceitos de paleontologia e geologia mudaram muito nessas décadas.
A especialista na área também defende que todos os fósseis não podem ser “santificados” e intocáveis.
“A gente não pode ver o fóssil como uma coisa sagrada porque os que são encontrados em Rio Verde de MT é muito comum por aqui. Então, tudo que é muito comum, tem milhões desse, tudo bem. O que a gente tem que procurar são aqueles que são raridade, aquela espécie que às vezes não tinha tanto na época porque esse aqui a gente encontra por tudo quanto é lado, então isso aqui a gente já sabe que faz parte”, ela explica.
A doutora em geociências sugere, nesse caso, ter um geólogo ou paleontólogo para monitorar os achados nas jazidas.
“Não pode fazer o fóssil como uma coisa santificada porque queira ou não a sociedade precisa. Não precisa do tijolo? Prova disso que não pode santificar os fósseis é o petróleo, que são só fósseis”, exemplifica.
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