Marco Temporal deve afetar 26 áreas em MS e especialista avalia tese como inconstitucional

Proposta aprovada na Câmara prevê que indígenas só têm direito a terras que estavam ocupadas até 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Indígenas em Mato Grosso do Sul Imagem Ilustrativa ( Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A Câmara de Deputados aprovou, na terça-feira (30), o Projeto de Lei 490/07 que trata sobre o Marco Temporal. O texto prevê que a demarcação de terras indígenas só poderá ocorrer em locais que já eram ocupados ou disputados por comunidades até a promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1998. 

Ou seja, de acordo com essa tese jurídica, os povos indígenas que ocuparam a terra depois dessa data não teriam direito à demarcação. 

O PL foi aprovado na Câmara de Deputados por 283 votos favoráveis e 155 contrários. Entre os parlamentares de Mato Grosso do Sul, três deputados foram contra e cinco foram favoráveis. 

O dia foi marcado por manifestações de povos indígenas em todo país, incluindo Campo Grande e no interior de Mato Grosso do Sul, que exigiam a reprovação do PL 490/07.

Como votaram os deputados federais de MS sobre o Marco Temporal:

A favor

  • Beto Pereira (PSDB);
  • Luiz Ovando (PP);
  • Geraldo Resende (PSDB);
  • Marcos Pollon (PL);
  • Rodolfo Nogueira (PL).

Contra

  • Vander Loubet (PT);
  • Dagoberto Nogueira (PSDB);
  • Camila Jara (PT).

Marco Temporal será julgado em junho pelo STF

A tese jurídica do Marco Temporal será colocada em votação no STF (Supremo Tribunal Federal), em 7 de junho. A suprema corte julga o caso da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, de Santa Catarina. 

Parte da área é ocupada pelos indígenas Xokleng e é requerida pelo governo de Santa Catarina, o que levou o caso parar no STF. Atualmente, a votação está empatada em 1×1. O relator ministro Edson Fachin votou contra, enquanto o ministro Nunes Marques foi a favor. 

A decisão do STF terá repercussão geral e será decisiva para 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes, de acordo com dados da Câmara dos Deputados.

O que representa o Marco Temporal em MS?

O Projeto de Lei foi proposto em 2007 pelo então deputado Homero Pereira com a intenção de trazer harmonia entre os Três Poderes sobre a demarcação de terras indígenas, já que o assunto estava restrito ao Poder Executivo, por meio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), na Lei nº 6.001/73, conhecido como Estatuto do Índio.

O PL 490/07 foi amplamente defendido pela bancada ruralista da Câmara e agora segue para votação no Senado Federal. 

Já a quantidade de áreas de Mato Grosso do Sul que podem ser afetadas pelo Marco Temporal diverge de entidade para entidade.

Levantamento da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) aponta que o Estado tem 34 áreas com processo demarcatório concluído (regularizadas ou homologadas), 15 em processo (delimitadas ou declaradas) e 15 em estudo. Ao mesmo tempo, existem mais de 150 propriedades ocupadas por indígenas, algumas com mais de vinte anos de ocupação.

Já o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) afirma que é difícil precisar número de áreas, mas centenas de indígenas do Estado podem ser afetadas pelo Marco Temporal, já que há 119 acampamentos dos Guarani-Kaiowá, além dos acampamentos de outros povos. 

A Funai estima que Mato Grosso do Sul tem, pelo menos, 26 áreas em processos de demarcação.

Áreas em cidades como Rio Brilhante e em Amambaí já viraram palco de conflitos entre indígenas e produtores rurais, ocasionando até mortes.

Um relatório da Pastoral da Terra apontou que um terço das mortes de indígenas em conflitos no campo em 2022 aconteceu em Mato Grosso do Sul.

Marco Temporal é inconstitucional, diz especialista

De acordo com a doutora em Direito e autora de “Os Direitos dos Povos Indígenas” (Almedina Brasil), Samia Roges Jordy Barbieri, o direito dos indígenas a terra é ancestral, assegurado na Constituição Federal e por convenções internacionais em que o Brasil é signatário.

Ela também avalia que o Projeto de Lei que ocorreu na Câmara dos Deputados em regime de urgência cometeu erros, já que foi aprovado como texto-base e não passou pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) e fere um direito assegurado pela Constituição Federal.

“O PL ter sido votado em regime de urgência foge muito da nossa compreensão, são brigas de poderes o legislativo querer falar antes do judiciário, pautar essa matéria antes do STF vira essa quebra de braço”, acredita. 

A doutora em direito também avalia que o Marco Temporal é inconstitucional já que os indígenas ocupavam as terras antes da chegada dos portugueses e que a tese jurídica posiciona o país contra o meio-ambiente. 

Além disso, o PL 490/07 também foi aprovado com jabutis, ou seja, com assuntos não relacionados ao tema principal do texto, como o fim da consulta livre prévia informada (quando os indígenas são consultados por decisões legislativas ou administrativas que podem afetá-los), relativizar a exploração de terras indígenas por terceiros e ameaçar o direito de indígenas que vivem isolados permaneceram sem contato com os não-indígenas.

“Imagina um país ir contra a defesa do meio-ambiente? O movimento indígena e a sociedade irão se mobilizar para que o texto não seja aprovado pelo Senado Federal”, ela aponta. 

Marco Temporal deve pôr fim às discussões

Já o presidente do Sindicato Rural de Campo Grande, Alessandro Oliva Coelho, avalia que o Marco Temporal irá trazer mais segurança jurídica e que será decisivo para reduzir as discussões sobre demarcações de terras. 

“O Marco Temporal é o ponto principal da questão de se fixar o prazo para a gente. Não vai dizer que a discussão acabou, mas ela reduz porque hoje você tem uma insegurança que, a qualquer momento sendo verificado alguma questão antropológica, ela pode vir ser discutida novamente”, afirma Alessandro. 

Ele também aponta que o tema é especial para Mato Grosso do Sul, já que o Estado tem uma grande população indígena. 

O presidente do sindicato rural acredita que a matéria deve ter efeitos a longo prazo. 

“Do jeito que tá hoje não vai acabar nunca, daqui cem anos a gente vai tá discutindo a mesma coisa com a mesma insegurança, então isso acaba com esse problema ao longo dos anos”, ele diz. 

Representantes dos sindicatos de Amambaí e Dourados, áreas com registros de conflitos com indígenas, também comemoraram a medida na Câmara de Deputados e vai garantir segurança jurídica para os fazendeiros.

Conteúdos relacionados

upa
tempo