Foram quatro aniversários com o único pedido ao “soprar as velhinhas”: ter um novo rim, uma nova vida. Há exatamente um ano, senhor Antônio Vieira, de 64 anos, recebia o transplante renal na Santa Casa de Campo Grande, que mudava a rotina de viagens ao hospital do interior, sessões de hemodiálise e restrições impostas pela doença.

Antônio mora há décadas com a esposa Maria Ercília da Silva Vieira no bairro Itaporã, em Ivinhema. O tratamento era feito no Hospital da Vida, em Dourados, onde a filha, Ana Paula Vieira, trabalha como enfermeira. Eram viagens semanais, apesar de municípios separados por pouco mais de 1h30 de distância, as idas e vindas eram cansativas.

“Via meu pai cansado, porque além da hemodiálise, ele acordava de madrugada, às vezes, 2h ou 4h para chegar lá às 7h para estar com a máquina ligada. Nos últimos dias antes da surpresa do transplante, ele estava sofrendo muito, o rim estava parando já. Era desesperador”.

Sem fazer ideia do “presente”, a família antecipou o aniversário de 63 anos, já que Antônio comemora as primaveras no dia 21 de julho e a filha teria plantão no dia. “A festa aconteceu no dia 17, caiu em um domingo, lembro com detalhes porque foram dias que marcaram nossa vida. Na terça-feira (20) de madrugada a médica, dra. Rafaela, ligou nos dando a notícia que o transplante renal tinha chegado. Foi arrumado tudo na pressa, meus pais chegaram em Campo Grande às 10h30 e eu 11h, levei até duas multas porque fui ‘voando’ para o hospital”.

A fala fica embargada ao lembrar daquela sensação de medo, felicidade, angústia e esperança. Antônio entrou na sala de cirurgia pensando: E agora? “Nesses quatro anos cortava o bolo pedindo para Deus um novo rim, nunca perdia a esperança, sempre tive fé”.

Agora, as visitas ao hospital são agendadas a cada 60 dias. A recuperação surpreendeu até a equipe médica. “Ficamos com muito medo no pós-operatório, sabemos das bactérias e tal, mas meu pai foi muito forte, tanto que era para ficar internado mais de 10 dias e no 6º dia ele estava ótimo, com os rins respondendo bem”.

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Antônio andando de bike e na primeira festa após a cirurgia (Arquivo pessoal)

‘Agora não sossega’

Durante a entrevista, senhor Antônio não estava em casa, fazia compras no mercado, algo que por quatro anos fazia com dificuldades pela condição renal. “Ele está mais feliz do que nunca, anda de bicicleta, faz pão caseiro, vai aqui e ali, agora não sossega. Antes, ele não tinha força para ir na rua, era escravo da hemodiálise”.

“Depois da cirurgia, parei de beber, de fumar. A médica até liberou um pouquinho de cerveja, mas não bebo mais. Não quero mais outra vida. Estou aproveitando”, relata Antônio.


Seja um doador

Antônio já era conhecido pela alegria de viver, reforçada depois da cirurgia. Após a divulgação da história, amigos e familiares tomaram a decisão de doar órgãos. “Nossos conhecidos falaram que a partir de tudo vão fazer campanha para ser um doador. O mundo precisa de esperança e a cirurgia dele tocou o coração das pessoas”.

A reportagem entrou em contato com a SES (Secretaria Estadual de Saúde) para saber o número de pessoas aguardando na fila, mas não obteve retorno até a publicação desse material.

Para ser doador de órgãos é preciso ter um diálogo franco e aberto, entre o doador e a sua família, para que manifeste de forma clara e objetiva, a sua vontade à doação. Uma vez confirmada a morte do doador, inicia-se uma corrida contra o tempo que envolve dois clínicos diferentes para confirmar o óbito, constatações de compatibilidade e contato com a família para oferecer o direito à doação. A partir daí acontece a sorologia, retirada e implante.

Quando se trata de transplante, muitos dos órgãos precisam ser remetidos a outros locais para realização das cirurgias. O procedimento varia de acordo com a complexidade e da compatibilidade. As ações têm que acontecer de forma rápida. O transplante de um coração deve acontecer em até quatro horas. De fígado, em 12 horas. De pulmão deve ser realizado dentro de quatro horas e o de rim em até 24 horas. No caso das córneas podem ser transplantadas em até 14 dias.

No caso da doação de medula óssea, a pessoa deve ter entre 18 a 35 anos, estar com boa saúde. São retirados 5ml de sangue, como um exame de laboratório, e o doador é cadastrado no Redome (Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea) do INCA (Instituto Nacional do Câncer). Seus dados genéticos são cruzados com os dos pacientes que precisam da medula.

Se der compatibilidade genética através do exame HLA, a doação pode ser realizada. Porém, para ter compatibilidade a chance no Brasil é de uma em 100 mil e com alguém de outro país de uma em 1 milhão. Se for compatível, o doador é avisado e então passa por exames para constatar que está em boas condições de saúde.