Fé pública: com igrejas nos espaços de poder, Mato Grosso do Sul vive expansão do evangelho

Mato Grosso do Sul é o terceiro estado brasileiro com mais igrejas evangélicas para cada 100 mil habitantes

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Marcha para Jesus
Concentração da Marcha para Jesus foi na Praça do Rádio Clube. (Foto: Henrique Arakaki, Arquivo, Jornal Midiamax)

Com quase 50 igrejas para cada 100 mil habitantes, Mato Grosso do Sul é o terceiro estado brasileiro com mais igrejas evangélicas no país. Seja nas redes sociais ou no parlamento, a fé tem se tornado cada vez mais midiatizada e mais do que nunca, a retórica de que religião e política não se discutem caiu em desuso.

Discursos políticos identitários, aproximação com o público jovem, são inúmeros os motivos que podem ter contribuído para a disseminação das igrejas evangélicas no Estado, para entender esse crescimento exponencial, o Jornal Midiamax traz uma reportagem especial que celebra o Dia do Evangélico, nesta quinta-feira (30).

Presidente do Consepams (Conselho de Pastores do MS) e secretário executivo nacional da Confederação dos Pastores do Brasil, Wilton Acosta, define o evangelho como demonstração do amor de Deus.

“O evangelho é a mensagem das boas novas, ele demonstra o amor de Deus pela vida do homem a tal ponto de entregar o seu próprio Filho por nós. É a palavra do próprio Deus revelada a nós”, reflete o pastor.

50 igrejas para cada 100 mil habitantes

Assembleia de Deus. (Foto: Henrique Arakaki – Jornal Midiamax)

O Brasil passa por uma transição religiosa, consubstanciada pelo crescimento do grupo de confissão evangélica e o enfraquecimento do Catolicismo Romano, é o que aponta o cientista político Victor Araújo, do Centro de Estudos da Metrópole, ligado à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Em 2019, as cinco UFs com maior número de igrejas evangélicas por 100 mil habitantes eram as seguintes: Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Rondônia e São Paulo; todas com mais de 60 igrejas por 100 mil habitantes.

O levantamento leva em consideração as igrejas evangélicas missionárias, pentecostais, neopentecostais e de classificação não determinada. Dentre as vertentes religiosas, as igrejas pentecostais foram as que mais cresceram nas últimas três décadas, mas isso não ocorreu em detrimento das outras. O estudo mostra que todas experimentaram crescimento entre 2000 e 2019, sendo menor no grupo das igrejas missionárias e ainda mais tímido nas igrejas neopentecostais.

A pesquisa usou como fonte de dados o CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) das igrejas, uma vez que a Lei 10.825/2003 deixa livre a criação das organizações religiosas.

No entanto, uma limitação nos dados é a subnotificação de estabelecimentos religiosos. Embora o cadastro na Receita Federal seja obrigatório, a pesquisa ressalta que muitos estabelecimentos religiosos operam na ilegalidade.

Para Wilton Acosta, esse crescimento está intrinsecamente relacionado às conquistas obtidas na Reforma Protestante. Segundo ele, a Reforma possibilitou a educação e saúde pública, reforma agrária, avanço da democracia e criação de um Estado laico. No entanto, o pastor considera que o principal alicerce do crescimento da igreja é a mensagem salvadora de Jesus.

“As pessoas têm sido curadas, suas emoções são equilibradas, a casa tem sido ressignificada, o casamento fortalecido. O poder do evangelho liberta e tudo isso tem sido causa do nosso crescimento”, avalia.

Deserto de informações impossibilitam um panorama atualizado

O processo de expansão das igrejas evangélicas vem ocorrendo há alguns anos. Dados do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que nos anos 2000 cerca de 26 milhões de pessoas se declararam evangélicas, o que correspondia a 15,4% da população. Em 2010, esse número saltou para 42,3 milhões de pessoas, ou seja, 22,2% de toda a população brasileira.

Passados quase 13 anos desde o último Censo do IBGE, o déficit de informações impossibilita que seja detalhado um panorama atualizado das religiões com as quais se declaram os brasileiros, no entanto, a expectativa é que até 2024 os dados sejam atualizados em todo o país.

Mas tomemos como base os dados mais ‘atuais’, o último Censo mostra que, em Mato Grosso do Sul, 1.455.323 habitantes declararam pertencer à religião Católica Apostólica Romana, enquanto 648.831 se declaram como evangélicos. Vale destacar que entre 2010 a 2022, a população do Estado cresceu 12,56%, passando de 2.449.024 para 2.756.700 habitantes. Assim como a população, o número de evangélicos pode ter crescido nos últimos 12 anos.

Itens de igreja foram colocados em leilão. (Foto: Steve Haselden por Pixabay)

Do total de evangélicos em Mato Grosso do Sul, 372.398 declararam ser pentecostais, enquanto 124.428 são missionários. O número de adeptos a cada vertente se classifica da seguinte forma:

Missionária

  • Adventista – 24.447
  • Batista – 65.563
  • Congregacional – 536
  • Luterana – 5.579
  • Metodista – 3.383
  • Presbiteriana – 20.565

Pentecostal

  • Comunidade evangélica – 2.670
  • Evangélica renovada não determinada – 139
  • Assembleia de Deus – 117.846
  • Casa da bênção – 317
  • Congregação cristã do Brasil – 46.821
  • Deus é amor – 27.665
  • Igreja do Evangelho Quadrangular – 26.628
  • Maranata – 345
  • Nova vida – 214
  • O Brasil para cristo – 3.505
  • Igreja universal do Reino de Deus – 28.317

Fé onipresente

Autoridades na Marcha para Jesus (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Entre os fatores que contribuem para a disseminação das igrejas evangélicas em Mato Grosso do Sul está a visibilidade em torno de figuras religiosas em diferentes meios e esferas sociais. Conforme a Fapesp, nos últimos 30 anos, os evangélicos aumentaram sua participação na vida pública, transcendendo a fronteira da Igreja para ocupar espaços na mídia, na cultura e na política.

O Presidente do Consepams reconhece que a midiatização da igreja contribui para o aumento de adeptos à religião, mas garante que essa visibilidade é construída com intuito de desmistificar o evangelho.

“Temos atuação na cultura, na música, na literatura, nas TVs aberta e fechadas, nos programas de rádio, nas plataformas digitais, sem falar nas inúmeras igrejas abertas todos os dias em todos os cantos do país”, ressalta.

Foi-se a era do “política e religião não se discute”

Marcha para Jesus teve atrações nacionais (Foto: Nathalia Alcântara/ Jornal Midiamax)

Nos últimos anos, em especial em períodos de eleições, a fé é frequentemente usada como pauta, virando uma espécie de palanque eleitoral. Se antes o discurso era que religião e política não se discutiam, hoje o cenário é outro e os fundamentos religiosos estão cada vez mais presentes nas esferas políticas e sociais.

Wilton Acosta destaca que isso se deve ao fato de que a igreja não está restrita às quatro paredes. Para ele, os fiéis têm o dever de contribuir para manter a cultura e costumes em todos os espaços de poder.

“A igreja somos nós. Não existe essa ideia de sermos ‘crentes’ dentro das quatro paredes e incrédulos, fora dela”, diz.

O pastor salienta que o aumento da participação das igrejas na política visa ‘combater’ movimentos criados para desestruturar valores religiosos, que para ele, são irretocáveis.

“Nosso país é cristão. Nossa cultura é cristã. Quando você percebe movimentos que visam desconstruir nossos valores, é legítimo aumentar nossa participação em todas as esferas de poder. O Brasil é uma república democrática”, argumenta.

Igrejas cada vez mais ‘jovens’

Igreja Batista (Divulgação)

Com a evolução da tecnologia, as igrejas têm ganhado fiéis cada vez mais jovens, o que reflete uma transformação no evangelismo de Mato Grosso do Sul. Apesar dessa evolução, os estereótipos ainda são barreiras a serem superadas. Ao desmistificar estereótipos, como associar a mulher evangélica aos cabelões soltos e saia jeans longas, a igreja se tornou um espaço confortável para o público jovem.

Para Wilton Acosta, a participação de jovens é fundamental para a manutenção da igreja, por isso os pastores investem em linguagens menos formais que facilitem o entendimento das escrituras bíblicas.

“A Bíblia diz que os Jovens são fortes e vencem o maligno. Dificilmente uma instituição religiosa consegue se estabelecer sem a presença dos jovens, por isso, a igreja tem amadurecido o seu diálogo com eles”, explica.

O pastor destaca que a igreja tem atuado significativamente na música, arte e comunicação, adotando uma liturgia de culto que se aproxima mais do público mais jovem.

“Esses ingredientes, somados com o poder do evangelho, pode ter certeza que teremos nos próximos anos uma multidão de jovens nas igrejas”, finaliza.

Conteúdos relacionados