É furtado? Quem trabalha com reciclagem sofre para garantir origem de fios de cobre em Campo Grande

Ladrões furtam material para vender em reciclagens e conseguir dinheiro para sustentar vício em drogas

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Cobre
Fios de cobre (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Facilmente encontrado em materiais como fiação elétrica, os fios de cobre são considerados um alvo fácil para furtos e têm gerado um problema recorrente em Campo Grande. Em meio à crescente onda de furtos e falta de fiscalização adequada, comerciantes que lidam com a compra desse material se sentem inseguros.

Um dos principais dilemas enfrentados pelos comerciantes é a dificuldade em determinar a origem dos fios de cobre oferecidos para compra. Sebastião Hattene, 58, trabalha há dois anos com a compra e venda de materiais recicláveis e relata que, sem dúvidas, o cobre é o item que traz mais transtornos aos comerciantes.

Sebastião trabalha com recicláveis há dois anos (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

“Trabalhar com cobre dá muita dor de cabeça. Nunca tive problema com a polícia, mas vários colegas já foram fichados. Quando há denúncia, a polícia chega e leva o material todo e a pessoa ainda tem que responder por um crime que nem sabe que cometeu”, destaca.

Para evitar problemas, Sebastião só faz a compra de cobre mediante um cadastro prévio, onde são informados os documentos pessoais e dados residenciais do vendedor. No entanto, ele acredita que a medida ainda é insuficiente e sente falta de uma fiscalização adequada.

“Fazemos todo o controle de quem vende os materiais, emitimos nota, tudo certinho. Mas, ainda assim, tenho medo porque nunca dá para confiar 100% que aquele material não foi furtado. Às vezes, passa por várias pessoas até chegar aqui e pode ser que lá atrás tenha sido fruto de um crime”, diz.

“Se paro de comprar, fecho as portas para os clientes”

Valor cobre
Valor do cobre em Campo Grande (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

O comerciante explica que cada quilo de cobre é comprado por R$ 37,00 e os preços variam conforme a qualidade do material. “Como existem duas qualidades do material, o cobre cascado é comprado por R$ 37,00 já o cobre queimado compramos por R$ 35,00”.

Ele ressalta que o lucro do material é baixo e não compensa todo o transtorno gerado. No entanto, ele segue com as vendas para não perder clientes.

“A mesma pessoa que vende o cobre vende a latinha, a bateria… Se eu paro de comprar o cobre, perco um cliente e fecho as portas para todo um mercado. Hoje o lucro é em torno de R$ 1,00 por quilo, isso é uma margem muito pequena”, afirma.

Sem fiscalização, comerciantes ficam à mercê da insegurança

Jackson Vale, delegado da Derf (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos), explica que compete à Prefeitura de Campo Grande fiscalizar a compra e venda dos fios de cobre. Segundo ele, a atuação policial só ocorre quando há uma suspeita fundada de que o comércio atue na compra e venda de material fruto de crime.

“A delegacia da área onde o crime de furto ou receptação dos fios de cobre ocorreu é a responsável pelas investigações, apreensões e prisões, bem como o batalhão da Polícia Militar da mesma área no caso de prisões e apreensões”, ressalta.

Foto ilustrativa de furto de fios de cobre (Foto: reprodução, GCMFRON)

Em abril de 2020, foi promulgada a Lei Municipal n° 6.436, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 457. Ela prevê multas e a aplicação de medidas cautelares, como encerramento das atividades do comerciante que atue na compra de recicláveis provenientes de crime.

No entanto, a Lei não foi aplicada por falta de regulamentação do texto legal por parte da Prefeitura de Campo Grande. Vereador Alírio Villasanti destaca que para coibir esses crimes é essencial que seja feita essa regulamentação da Lei.

“A regulamentação vai fazer com que o trabalho dos órgãos de fiscalização (GCM e Semadur) produzam um resultado mais efetivo e de maior rapidez para coibir esse tipo de crime que tem trazido muitos malefícios à sociedade”, explica.

Sebastião relata que já foi alvo de ameaças ao se recusar a comprar os fios de cobre sem procedência comprovada. “Aqui recebemos todo tipo de pessoa. Às vezes, vêm moradores de rua e usuários de drogas e a gente já desconfia. Quando nos recusamos a comprar, somos ameaçados, eles falam que vão voltar aqui e roubar meu comércio”, lamenta o comerciante.

Furtos de cobre deixam moradores sem luz e água

O furto de fios de cobre é um problema que afeta não apenas as empresas, mas também a infraestrutura pública, uma vez que os ladrões costumam furtar cabos elétricos e sistemas de telecomunicações, isso pode resultar em interrupções de serviços essenciais como fornecimento de água e luz, além de custos adicionais para as empresas e para a administração pública.

Fiação e hidrômetro furtados (Reprodução)

Tenente-coronel da Polícia Militar, Carlos Augusto Regalo destaca que nos ferros-velhos o cobre é o material “mais caro” e, na maioria das vezes, é furtado por usuários de drogas que queimam para retirar o plástico da fiação, por exemplo, e vendem o fio de cobre para manter o vício.

“Com frequência, são registradas ocorrências na Polícia Civil de casas abandonadas, ou para vender/alugar e comércios que indivíduos invadem e levam toda a fiação, até mesmo os semáforos do trânsito não ficaram para trás”, disse.

Nem mesmo os hidrômetros, equipamento usado para registrar o volume de água consumido, estão livres da onda de furtos, visto que em sua composição há cobre. Dados da Águas Guariroba, apontam que, em 2022, foram realizadas cerca de 1.057 trocas de hidrômetros por furto em Campo Grande, com maior solicitação em abril, com 172 casos.

É o caso da comerciante Renata Rosa Figueiredo, 31 anos. Em janeiro, a mulher acordou e, ao tentar tomar banho para ir trabalhar, percebeu que estava sem água. “Achei que era alguma manutenção na rede. Liguei na concessionária e relatei, mas a atendente disse que estava tudo normal. Pedi para a babá ir lá na frente olhar e ela disse que não tinha relógio nenhum lá. O cano estava cortado”, relatou.

Compra irregular pode resultar em oito anos de prisão

Fios de cobre
Fios de cobre são alvos recorrentes de furtos (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Jackson Vale afirma que a maior dificuldade é na identificação do local onde o cobre foi furtado, ou seja, a origem, o que dificulta estabelecer o elo com o crime de furto e a vítima em razão da similaridade do objeto.

“Quando há identificação de que o material é fruto de furto, os itens são apreendidos e os responsáveis são encaminhados às delegacias onde são indiciados pelo crime de receptação qualificada pela atividade comercial, ainda que informal, exercida em residências”, explica o delegado.

Conforme a legislação brasileira, é considerado receptação qualquer ato que envolva a aquisição, recebimento, transporte, posse e venda de produtos frutos de crimes. A pena para o crime de receptação é de três a oito anos de reclusão.

Para evitar transtornos, a Derf orienta que comerciantes não façam a aquisição de qualquer material sem procedência comprovado, e orienta os moradores a registrarem boletim de ocorrência em caso de furtos.

“Não adquirira ou receba coisas que, por sua natureza ou pela desproporção entre o
valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, possa ser obtida por meio criminoso, conforme determina o 3º do artigo 180 do Código Penal Brasileiro”, esclarece o delegado Jackson Vale.

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