Como era Campo Grande na sua infância? Fotos resgatam passado e contam histórias da Capital
Relatos sobre passado e futuro se encontram para rememorar como era Campo Grande décadas atrás e como está atualmente
Thalya Godoy –
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Como era a Campo Grande da sua infância? O que sumiu e ainda deixa um aperto no peito pelas boas lembranças? A Capital completa 124 anos no próximo dia 26 e são décadas de transformações na paisagem, entre novos e velhos cartões-postais.
O Jornal Midiamax selecionou alguns pontos turísticos de Campo Grande para mostrar o antes e depois desses espaços, com apoio de consulta ao acervo do Arca (Arquivo Histórico de Campo Grande) e visita a esses lugares.
O que prosperou e o que ruiu no espaço público e nas memórias da Capital? Confira abaixo:
Complexo Ferroviário
O complexo ferroviário, da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), teve os primeiros contornos em 1914 com a inauguração da primeira estação de passageiros, ainda de madeira. A infraestrutura atual de alvenaria foi construída na década de 1930, pelo engenheiro Aurélio Ibiapina, para comportar o aumento de fluxo de passageiros.
A construção da Estrada de Ferro, no então Estado de Mato Grosso, tinha a intenção de modernizar a comunicação e conectar a região Centro-Oeste ao restante do país.
O que se tornaria o complexo ferroviário foi construído ao longo das décadas no século XX, especialmente nas décadas de 1930 e 1940, como os armazéns de cargas, a vila ferroviária, a Escola Álvaro Martins Neto (conhecida como Batatinha), os galpões e o conjunto Rotunda.
“A nossa Estação Ferroviária possui uma arquitetura do ecletismo, possui elementos decorativos na fachada, bem marcada e acentuada, temos duas voluptas no frontão superior, o relógio como algo muito característico de estações ferroviárias, marcando esse tempo de embarque, do trabalho, das horas da cidade, que se torna em referência. A estação é uma herança material de um tempo importantíssimo para Campo Grande”, explica o arquiteto e historiador, João Santos, que também é superintendente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Euvaldo Mendes, de 65 anos, nasceu na Vila Noroeste. O pai foi ferroviário e herdou do genitor o ofício. Recorda com nostalgia da época em que morou na região e das mudanças na paisagem nas últimas décadas.
“A Avenida Mato Grosso não ‘descia’ [até o córrego Segredo]. Quando chegava na Avenida Calógeras, tinha que virar porque havia o muro da Vila Ferroviária, hoje ela já liga o início da Vila Planalto”, recorda-se.
Entre as memórias de infância, ele se recorda dos dedos dos pés estourados após jogar bola com a garotada no piso de paralelepípedos e de um bebedouro que havia para os cavalos dos charreteiros, que operaram até a década de 1970.
O ex-ferroviário mora atualmente no bairro Mata do Jacinto, mas lamenta a situação da região da Estação Ferroviária, como os buracos nos paralelepípedos.
“Eu tenho saudade, estava até relembrando das lâmpadas na Vila Noroeste que eram de gasômetro, era coisa do calcário. Também era interessante a questão da água, enquanto morei na vila por 25 anos a água não era potável. Existe a caixa d’água em frente da Feira Central em que caiam pombos porque era aberta. Então qual era a rotina de todos? Ir buscar água potável na Estação Ferroviária, ia umas cinco vezes ao dia”, ele se recorda.
As relações se ‘confundiam’
Uma das moradoras das casas da Vila Noroeste é a presidente do IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul), Maria Madalena Dib Meirelle Greco, que, dos 66 anos de idade, mora há 32 na região da Esplanada Ferroviária.
A historiadora recorda que, quando se mudou para a região, a ferrovia ainda funcionava com carga e passageiros e tinha um grande fluxo de pessoas passando pelo local.
“A gente vê transformando, a maioria das pessoas que moravam eram todas da ferrovia. Então havia uma relação muito grande entre todos ou dentro do trabalho ou de casa. Era complicado dividir o que era público e privado […]. A nossa casa e a empresa quase se fundiam nas relações, era bem diferente”, ela se recorda.
Atualmente, o espaço do complexo ferroviário acolhe eventos culturais, como algumas feiras e o Carnaval de rua.
Orla Ferroviária
Próximo à Estação Ferroviária está a Orla Ferroviária. São 900 metros entre a Avenida Afonso Pena, na altura da Morada dos Baís, até a Avenida Mato Grosso, que ainda guardam parte dos trilhos dos trens da Estrada de Ferro.
O urbanista Ângelo Arruda é quem explica que a Orla Ferroviária foi um projeto que buscou trazer o lazer na região e relembrar o valor da ferrovia. “Buscou trabalhar as coisas importantes da região muito densa. [Nos bairros] Cabreúva e Vila Planalto tem muita gente morando, e são bairros antigos da década de 1940”, explica.
O ponto preferido para tirar fotos nesse trecho é no Monumento da Maria Fumaça. Contudo, conforme o relato de quem conhece a região, geralmente o passeio tem parado ali, já que a insegurança com a presença de usuários de drogas tem desencorajado as pessoas a conhecer a região.
O corredor que nasceu com o objetivo de via cultural, com promessa de ser até “Rua 24h” – conforme a administração municipal da época – faz o curso de trecho da linha do trem. A parte urbanizada parte da Avenida Afonso Pena, logo ao lado da Morada dos Baís (antiga Pensão Pimentel), e estende-se até a Avenida Mato Grosso, onde está o monumento da Maria Fumaça, ao lado do Hotel Gaspar.
O comerciante Odmar Siqueira, de 60 anos, que conhece a região há mais de 50 anos, relembra com pesar a atual situação da Orla Ferroviária e da Avenida Calógeras, em comparação com anos anteriores.
“É interessante porque quem chega sabe que aqui ainda existia o trem, mas acho que se tivesse feito uma estação de transbordo de ônibus dentro da Estação Ferroviária teria movimentado muito mais […]. Quando fizeram os vagões da Orla Ferroviária, o pessoal veio aqui e me disse que era muito caro e aí foi abandonando, os usuários foram tomando conta, então esse pessoal que está dominando. Nossa Orla Ferroviária é nossa Orla do Pó”, ele opina.
Odmar diz que é feito policiamento frequente na região, mas que o trabalho ‘é que nem enxugar gelo’. “As pessoas veem isso [os usuários de drogas] e ficam com medo de vir aqui”, ele lamenta.
Antiga Rodoviária
Outro relato do arquiteto e urbanista Ângelo Arruda aponta que a antiga Rodoviária, na Rua Barão do Rio Branco, foi projetada pelos irmãos Laburu na década de 1960. O prédio foi inaugurado anos depois, em 1976. O nome do terminal rodoviário “Heitor Eduardo Laburu” foi uma homenagem a um dos irmãos Laburu que morreu antes da inauguração da rodoviária em um acidente durante uma viagem.
Antes do prédio inaugurado na década de 70, a rodoviária de Campo Grande funcionava na Avenida Calógeras, ao lado do Hotel Gaspar e próximo à Estação Ferroviária. O local era o ponto de parada dos ônibus intermunicipais e interestaduais. Parte da estrutura do Hotel Gaspar era usada pela rodoviária, como os banheiros e o térreo para embarque e desembarque e a venda de bilhetes.
“Mas aí, nos anos 1960, os irmãos Laburu fizeram esse projeto, um projeto imenso, numa grande escala, com uma área superior usada pelas empresas para fazer o bilhetamento. Embaixo ficava embarque e desembarque, parada de ônibus, subida e descida”, recorda o urbanista.
O local, que chegou a abrigar cinema e órgãos públicos, atualmente está fechado para uma reforma que tinha previsão inicial de ser finalizada em junho deste ano, mas que ainda não foi concluída. O arquiteto elogia o estilo modernista do prédio com abas de concreto aparente, mas lamenta o envelhecimento e a atual situação.
“Hoje é um espaço que está mal resolvido porque tem muitos donos e muitas ideias, mas pouca ação. Então é um cartão-postal da cidade esquecido também”, ele diz.
Os anos áureos da região do Terminal Rodoviário “Heitor Eduardo Laburu” deram lugar a um espaço predominado por usuários de drogas. Aldino Pereira Lima, de 74 anos, mudou-se de Fátima do Sul para Campo Grande em 1974 e trabalha na região da Antiga Rodoviária há 37 anos. Ele lamenta a atual situação da área, mas torce para que melhore após a entrega da revitalização.
“Hoje eu vejo com tristeza, tinha boas lembranças. A gente sempre fica meio assustado [com os usuários de drogas] do jeito que você está vendo, agora mesmo eles estavam se rolando no tapa”, ele conta.
Morada dos Baís
O grande casarão amarelo na Avenida Afonso Pena encanta pela imponência e arquitetura. A jovem Vitória Ártemis Rosa Rodrigues, de 21 anos, conta que a Morada dos Baís sempre lhe chamou a atenção, mas que nunca teve a oportunidade de conhecê-la por dentro. O local está fechado desde 2021.
A jovem, que mora no bairro Nova Lima, diz que gostaria de conhecer a Morada dos Baís, visto que atualmente trabalha na região central. “Se estivesse aberta seria bom, eu que não conheço ia arranjar pelo menos um tempo porque trabalho aqui perto e ir lá”, conta.
O historiador João Santos relembra que a construção da Morada dos Baís foi feita em etapas, entre 1913 e 1918, com a maioria dos materiais importados da Itália. A edificação foi o primeiro sobrado em alvenaria de tijolos de Campo Grande, construída pelo comerciante Bernardo Franco Baís.
“Existia uma vontade do Bernardo Franco em morar próximo à ferrovia, então ele teria escolhido o lote bem na frente da ferrovia e, justamente por destino, ele é atropelado por uma locomotiva”, relata João Santos.
O historiador elogia a arquitetura vinculada ao ecletismo, em que busca na história da arquitetura referências. Nas ornamentações e decorações da edificação, nota-se uma influência da arquitetura neoclássica, como as vergas de portas e janelas em arcos completos.
Contudo, ele exalta a importância da artista plástica Lídia Baís, filha de Bernardo Baís, pela rebeldia, criatividade e feminismo, sobretudo por ainda se tratar do início do século XX.
“O fato das obras da Lídia estarem nas paredes e na história daquela edificação deixa o prédio com um valor simbólico ainda maior. Principalmente quando nela a gente tem o exemplar magnífico da Santa Ceia da Lídia Baís. Ela teve uma sacada gigante quando fez o autorretrato na Santa Ceia, cuja obra original é uma das imagens ocidentais mais ventiladas no mundo inteiro. E é uma imagem formada por homens e, geralmente, representada por homens brancos”, ele exemplifica.
Mercadão
A história do Mercado Municipal Antônio Valente, inaugurado em 1959, começa com as feiras livres na década de 1920 no espaço onde é o estacionamento do Mercadão, em frente ao Colégio Oswaldo Cruz.
João Santos aponta que a intenção, na época, era acabar com as feiras livres, mas alguns feirantes se recusaram a ir para o Mercadão. O resultado foi que a feira se transferiu para a Rua Sete de Setembro e, posteriormente, para a Rua Antônio Maria Coelho.
Por fim, a feira se estabeleceu por 40 anos na Rua Abrão Júlio Rahe até a concretização da Feira Central, na Rua 14 de Julho.
“A arquitetura do Mercadão é única, a gente tem uma cobertura que é em arco e em madeira. Estruturas em arco e madeira são muito difíceis de se encontrar. Eu mesmo não me recordo de nenhuma outra em Campo Grande. A nossa maior questão é que essas madeiras estão pintadas com uma cor alaranjada, com uma tinta a óleo que não deixa a madeira se sobressair […] por ser um material tão nobre, a beleza dela está justamente em visualizar os veios da madeira, o envelhecimento natural, o que careceria no máximo um verniz e não uma pintura com uma tinta”, sugere.
O Mercadão Municipal é um ponto querido de campo-grandenses e turistas que vão até o centro comercial em busca de ervas naturais, compotas, doces, grãos, um bom pastel, entre outros itens que marcam a cultura sul-mato-grossense.
Avenida Afonso Pena
A Avenida Afonso Pena é uma das vias mais conhecidas de Campo Grande e abriga vários cartões postais, como o Santuário Perpétuo Socorro, Praça Ary Coelho, Praça do Rádio Clube, Parque das Nações Indígenas e, o mais recente, Bioparque Pantanal.
Entre os pontos preferidos dos campo-grandenses estão os Altos da Avenida Afonso Pena que, frequentemente, oferecem um pôr do sol deslumbrante.
Conforme relembra o urbanista Ângelo Arruda, que esteve à frente do Instituto de Planejamento Urbano de Campo Grande na década de 1980, a Avenida Afonso Pena terminava na Avenida Ceará. Com a construção do shopping, anos depois, foi feito o prolongamento da Afonso Pena em direção ao Parque dos Poderes.
Antes, o acesso à região em que estão os prédios do poder público estadual era feito somente pela Avenida Mato Grosso. O prolongamento da Avenida Afonso Pena na década de 1980 deixou uma grande área do lado esquerdo composta de chácaras e locais para festas.
“Nós estávamos fazendo o Plano Diretor e a Lei de Uso dos Solos em que surgiu a ideia de transformar essa área em Parque do Prosa por conta do córrego Prosa. A gente criou os mecanismos em 1987 e foi aprovado em 1988 […] em 1989 o ex-governador Pedro Pedrossian desapropriou todas as chácaras dessa área e contratou vários projetos arquitetônicos que estão lá de pé. É o nosso maior cartão-postal, o Parque das Nações Indígenas”, relembra.
A jovem Anabela Teodoro dos Santos, de 21 anos, já visitou o Parque das Nações Indígenas e esperava antes da entrevista o passeio no Bioparque Pantanal. Ela relembra que a região dos Altos da Afonso Pena era um pouco abandonada e agora tem sido valorizada.
“As expectativas são boas, as culturas do nosso Pantanal, do nosso Estado, um pouco de cada”, ela espera sobre a visita ao Bioparque.
O maior aquário de água doce do mundo, localizado na Avenida Afonso Pena, levou 11 anos para ser concluído, em março de 2022. Foi projetado por Ruy Ohtake, um dos maiores arquitetos brasileiros.
Jailson Diniz Pereira, de 38 anos, relembra que essa região da Avenida Afonso Pena tinha poucas opções de lazer uma década atrás e que o cenário melhorou nos últimos anos, como a implementação de academia ao ar livre.
“Olha, lembro que hoje está muito mais conservado, muito mais bonito, mais verde. Está cada vez melhor”, ele elogia.
Aeroporto
Um dos passeios dos campo-grandenses, após a ampliação da Avenida Duque de Caxias, é andar pelo calçadão e observar do mirante os voos que partem do Aeroporto Internacional de Campo Grande ou da Base Aérea.
Vilson dos Santos, de 50 anos, conta que frequentemente aproveita a folga no serviço para dar um pulo no calçadão. Ele elogia a transformação do espaço, mas diz que falta manutenção e aponta para parte do piso com buracos e galhos de podas de árvores que ainda não foram recolhidos.
“Esses galhos já tem mais de semanas que estão aí. Com certeza vão tirar, mas demora muito […]. Às vezes eu tenho duas horas de almoço e venho para cá, é um lugar muito interessante, muito bonito”, conta.
Ângelo Arruda conta que antes da Avenida Duque de Caxias, o Aeroporto de Campo Grande ficava no bairro de Santo Amaro, perto da Base Aérea. O novo endereço chegou na década de 1960 e quase teve a assinatura de Oscar Niemeyer, mas, devido a alguns problemas do escritório com o governo, o projeto não seguiu em frente.
“A partir da duplicação da Avenida Duque de Caxias e da urbanização, o mirante passou a ser mais utilizado, mas esse mirante é uma simplicidade. As pessoas ficam ali tomando tereré e pra se divertir, isso é muito comum em cidades interioranas. A gente precisa mesmo de um mirante do outro lado que não impedisse o tráfego aéreo, mas que possibilitasse às pessoas observarem a chegada e descida do avião, que é uma diversão”, ele avalia.
Orla Morena
A estrutura para passeio da Orla Morena que se vê atualmente na região do Cabreúva e Vila Planalto foi inaugurada em 2010. No entanto, a história da região iniciou décadas atrás, quando os trens ainda funcionavam e a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil vivia anos de glória.
O espanhol Ismael Ele Fernandes, de 79 anos, desembarcou no Brasil quando tinha 16 anos e já é morador da região da Orla Morena há 55 anos. Ele conta que na época chegaram até a chamá-lo de tolo por ter investido em uma casa perto dos trilhos dos trens e do córrego que corta a Avenida Ernesto Geisel.
“Aí eu falei ‘E agora Meu Deus?’ Eu vi uma placa de venda e procurei saber o preço, que estava ótimo. Aqui não tinha asfalto, era depósito de lixo […] estou aqui até hoje, refizeram o córrego e retiraram os trilhos”, ele relembra.
Contudo, o espanhol lamenta a desativação dos trens e assegura que o barulho das locomotivas não o incomodavam.
“Aqui não dava para andar, era só barro. Para sair tinha que subir no trilho e acompanhar os pedriscos, a pedra britada, até a Rua Antônio Maria Coelho e lá já tinha um pouco de asfalto”, finaliza.
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