Com cinco cidades em situação de emergência, Pantanal pode ter novo desastre ambiental em 2023
A intensa onda de calor aliada aos baixos índices de umidade do ar tem intensificado os focos de incêndio em Mato Grosso do Sul
Lethycia Anjos –
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Os incêndios que assolam a região do Pantanal têm gerado preocupações entre autoridades e entidades ambientais, que temem um novo desastre, semelhante ao ocorrido em 2020, quando 26% de seu território foi consumido pelas chamas. Na terça-feira (14), o governo de Mato Grosso do Sul decretou estado de emergência em cinco municípios do Estado.
Conforme o decreto publicado no DOE (Diário Oficial do Estado), as cidades de Corumbá, Ladário, Miranda, Aquidauana e Porto Murtinho encontram-se em situação de emergência por 90 dias devido aos incêndios florestais que atingem parques, áreas de proteção ambiental e áreas de preservação permanente.
Dados do Lasa/UFRJ (Laboratório de Aplicações de Satélites da Universidade Federal do Rio de Janeiro) apontam que até a segunda-feira (13), o fogo havia consumido 489.950 hectares do bioma em Mato Grosso do Sul, cerca de 6,7% do território.
A intensa onda de calor registrada em Mato Grosso do Sul, com temperaturas entre 38°C e 43°C, aliada aos baixos índices de umidade relativa do ar, entre 10% e 30%, tem contribuído para a propagação dos focos de incêndio. Segundo o Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul), essas condições são intensificadas pelo El Niño.
Biólogo e diretor do Instituto SOS Pantanal, Gustavo Figueiroa destaca que o decreto de situação de emergência é essencial para a implementação de medidas efetivas no combate ao fogo, visto que o Estado pode vivenciar um novo desastre ambiental de grandes proporções.
“Se a situação não for controlada, pode ocorrer o mesmo que em 2020 ou até pior. Esses incêndios estão se espalhando, e a situação é muito crítica, com tendência de piorar. Temos que unir forças entre todas as instituições para enfrentar esse novo desafio que o Pantanal está vivenciando”, explica.
Em 2020, os incêndios florestais ocasionaram danos catastróficos em toda a Rede Amolar. Corredor de biodiversidade, o território é formado por Reservas Particulares de Patrimônio Natural e pelo Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, área de Patrimônio Natural da Humanidade.
Considerada a maior tragédia ambiental do Pantanal, os incêndios florestais registrados em 2020 resultaram na perda de 26% do bioma, uma área equivalente a 4 milhões de hectares. Somente na região da Serra do Amolar, 97% da área foi queimada.
Danos irreparáveis
Presidente do Instituto Homem Pantaneiro, Coronel Ângelo Rabelo destaca que ainda não foi contabilizada a dimensão exata da área afetada, mas alguns locais tiveram perda total da biodiversidade.
“É difícil avaliar a dimensão do que representa esse fogo sequenciado de 2019 e 2020, mas algumas perdas são irreparáveis. Em alguns lugares, há uma dificuldade de restauração e até a perda total da capacidade de resiliência”, explica.
Um vídeo, registrado na noite desta terça-feira (14), chama atenção pela intensidade das chamas. Nas imagens é possível observar que o fogo na BR-262, próximo ao Buraco das Piranhas, em Corumbá, ameaçava motoristas e causava sérios danos à vegetação.
Conforme Rabelo, essa região do Pantanal está seriamente afetada pelo fogo. “A situação está em estado de calamidade; o fogo segue sem controle e deve ter atingido mais de meio milhão de hectares. São muitas frentes de combate, mas as cenas são assustadoras”, ressalta.
Confira o vídeo:
Em um ano, área queimada subiu 95% no Pantanal
Dados do boletim de monitoramento de incêndios florestais de Mato Grosso do Sul, elaborado pelo Cemtec, indicam que, no período de 1º de janeiro a 12 de novembro de 2023, houve uma redução de 8,7% na área queimada do bioma Cerrado em território sul-mato-grossense, enquanto o bioma Pantanal registrou um aumento de 95,8% em comparação ao ano de 2022.
Entre os municípios com os maiores focos de calor no Pantanal, destacam-se Corumbá (74,8%), Aquidauana (12,8%) e Porto Murtinho (10%), conforme dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
“A região de Miranda foi muito impactada, abrangendo toda a área próxima ao Parque Estadual do Rio Negro, fazendas no entorno e BR-262. O cenário é bastante crítico para Mato Grosso do Sul”, enfatiza Gustavo Figueiroa.
Para combater as chamas, o CBMMS (Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul) está atuando na região desde 17 de maio de 2023, mobilizando 296 bombeiros e bombeiras militares nas ações de prevenção, preparação e combate aos incêndios florestais nessas regiões.
Ações de Combate
Para definir as medidas necessárias do poder público estadual e dos proprietários rurais nos municípios pantaneiros atingidos pelo fogo, a Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação) promoveu uma reunião na última segunda-feira (13).
Secretário da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), Antonio Carlos Videira destaca que serão utilizadas aeronaves do CBMMS e também do CGPA da Polícia Militar para o deslocamento de militares até os pontos críticos.
“Com a publicação do decreto de situação de emergência, o Governo pode dispor dos recursos necessários para as ações de combate aos incêndios florestais, como a aquisição de combustível para automóveis e aeronaves, diárias, alimentação, EPIs e outras necessidades do Corpo de Bombeiros”, afirmou.
Na região do Paiaguás (norte), duas guarnições de especialistas atuam no combate aos incêndios florestais. De acordo com o Governo do Estado, outras duas guarnições foram deslocadas com a aeronave para outro foco também ao norte de MS. O remanejamento só é possível de ser realizado por meio aéreo, pois não existem estradas no local.
Em Rio Negro, três guarnições combatem o incêndio de grandes proporções, que ainda apresenta agravantes como altas temperaturas e velocidade do vento. Entre domingo (12) e segunda-feira (13), a frente de fogo avançou aproximadamente 20 km devido às condições climáticas adversas.
Próximo ao município de Corumbá, dois focos menores são combatidos pelas equipes dos bombeiros, um na região de Monjolinho e outro na região do Buraco das Piranhas.
Também foi empenhado o avião de combate Air Tractor para combater o fogo na região do Rio Negro. Na segunda-feira (13), cinco viaturas com kits pick-up – que realizam a captação de água – e demais equipamentos de combate, além de um efetivo de 24 militares, foram deslocados para reforçar o combate aos focos na região do Rio Negro e Paiaguás.
Presidente do Instituto Homem Pantaneiro, Rabelo afirma que o maior desafio no combate às chamas é a questão logística. Segundo ele, o tempo de resposta após a notificação de um incêndio ainda é muito aquém do ideal.
“Além da capacitação dos brigadistas e da compra de equipamentos adequados, existe um grande desafio logístico, e para isso, só com helicópteros e aviões com capacidade de transporte de tropas e operação em pistas curtas”, destaca.
‘Não dá mais para gastar recursos com combate’
Gustavo Figueiroa destaca que os incêndios no Pantanal são recorrentes e impactam milhares de espécies da biodiversidade local todos os anos. Segundo o biólogo, a solução para o problema seria investir em medidas de prevenção.
“Enfrentar esse problema exigirá muito apoio e recursos, mas a tendência é que isso continue nos próximos anos. A solução seria investir no manejo integrado do fogo; é urgente que o Estado trabalhe com a prevenção, pois não podemos mais gastar recursos apenas no combate, pois é pouco efetivo”, afirma.
Para Ângelo Rabelo, antes de pensar nas medidas de prevenção e combate, é preciso analisar as causas e ‘dar o nome’ aos responsáveis.
“É preciso ter a humildade de admitir falhas, verificar os acertos e somar esforços. Não existe caminho sem uma ação integrada. Não é responsabilidade apenas do governo; é uma ação dos proprietários rurais e dos responsáveis pelas áreas protegidas”, disse.
O biólogo explica que o manejo integrado do fogo envolve estudar e desenvolver diversas estratégias de prevenção para evitar novos desastres ambientais.
“É necessário investir no planejamento do território para a queima prescrita, queimando áreas estratégicas na época certa do ano para controlar a biomassa, criar estradas emergenciais para facilitar o acesso ao combate, estabelecer pontos de coleta de água e capacitar brigadas em vários pontos do território”, ressalta o diretor do SOS Pantanal.
Sifau
Para prevenir novos desastres, uma das medidas implementadas pelo governo do Estado foi a plataforma Sifau (Sistema de Inteligência do Fogo em Áreas Úmidas), que poderá antecipar em até cinco dias os riscos de queimadas descontroladas em regiões como o Pantanal.
O sistema poderá tanto gerenciar a emissão de licenças de queimada controlada com mais eficiência como terá condições de melhor planejar intervenções em incêndios de grandes proporções. É o que ocorre em diferentes regiões do Pantanal nesta época do ano, por exemplo. Com os dados em mãos, será possível definir com antecipação a mobilização de aparato para enfrentar as chamas.
O Sifau foi criado em parceria com o Imasul (Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) e a Wetlands International.
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