Autoridade em saúde, Mariana Croda ainda precisa trabalhar o dobro para ser ouvida

Infectologista fala sobre desafio de conciliar maternidade com o trabalho de destaque na saúde pública

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Ilustração de Mariana Croda (Por Madu Livramento)

Por trás de estudos e decisões estratégicas para evitar o caos que a covid-19 poderia causar em Mato Grosso do Sul, estavam os esforços e profundo conhecimento em saúde pública que vinha de uma mulher: Mariana Croda. Neste Dia Internacional da Mulher, o Jornal Midiamax traz mais uma história feminina que orgulha as sul-mato-grossenses.

A médica tem um extenso currículo e conquistas na carreira. A maior delas, e que ela fala repetidas vezes durante a entrevista à reportagem, é a conciliação entre ser mãe de três filhos – uma delas bebê de apenas nove meses – e o trabalho na saúde pública. São mais de 20 anos de atuação na área.

Médica, infectologista, professora universitária, diretora do HU-UFGD (Hospital Universitário da Grande Dourados), doutoranda em Saúde Pública na Fiocruz, voluntária nos estudos da vacina Sinovac, diretora de Atenção à Saúde de MS e membro da COE-MS (Centro de Operações de Emergência). É tarefa difícil enumerar todos os trabalhos que a profissional já concluiu.

Apesar do extenso currículo, Mariana não escapa da ‘maldição cultural’ imposta pelo machismo, que obriga mulheres a mostrar pelo menos o dobro de eficiência de um homem no mesmo posto para ser ouvida e, muitas vezes, respeitada.

“Mariana Croda é médica, mulher, sobretudo mãe, que vem de uma longa história, mais de 20 anos atuando, uma mato-grossense, cuiabana que já ganhou o mundo, saiu de Cuiabá e nunca mais voltou e que conseguiu a duras penas se estabelecer na profissão. Consegui conciliar a vida pessoal e profissão. Me declaro uma vencedora no que me pretendia a fazer ao longo da vida”, se autobiografa.

‘Parem as máquinas’

Foi necessária uma escalada de degrau em degrau para Mariana chegar a um cargo de alta posição, que colabora para tomadas de decisões convictas na saúde pública. O maior exemplo da atuação da médica foi a determinação de restrições que reduziram a mortalidade pelo coronavírus, antes mesmo de surgir o primeiro caso confirmado em solo sul-mato-grossense, em 2020.

“Coloco como marco temporal quando nos reunimos com o secretário de saúde, na governadoria, para dizer que a coisa era séria. Era próximo do Carnaval, em fevereiro. Foi um grupo de profissionais especialistas para falar que a pandemia chegaria [em MS], que a governança precisava aderir medidas. Fizemos [a reunião] de livre e espontânea vontade, ninguém ocupava cargo naquele momento. Colocamos nossa vida à disposição dizendo: parem as máquinas e vamos focar em proteger as pessoas”, relembra.

Talvez por mera modéstia, a médica não reconhece a grandiosidade do trabalho no enfrentamento à doença ou aos anos de carreira traçados. Cita a fatídica reunião quando passou a ter notoriedade, a partir de todas as notificações de casos da doença, em que os boletins eram ansiosamente aguardamos para atualizar sobre os números de moradores infectados. Para se ter uma ideia, o Estado se classificou em primeiro do Brasil em ranking de transparência em medidas de enfrentamento, divulgação de dados e monitoramento da doença.

“Não consigo me entender como ‘grande’, mas me sinto assim quando consigo enxergar que dou conta de fazer muita coisa, de ser acadêmica, estou terminando meu doutorado que demorei 11 anos, fiz dentro das minhas possibilidades. Ter três filhas, sendo uma de 9 meses; na minha profissão, acho que foi uma decisão acertada, quando tive que conciliar assistência à saúde, que é aquela coisa que a gente já aprendeu a fazer e faz instintivamente para ir para gestão de saúde; quando aceitei o primeiro desafio de ser diretora de um grande hospital o Hospital Universitário da Grande Dourados, e me vi envolvida, entendi como funcionavam, se não estive junto das pessoas que tomam decisões, a gente não iria mudar muita coisa”.

Sonho da Medicina veio de desejo em ajudar

Para Mariana, a medicina não era um desejo que rondava os sonhos da infância, mas quando a médica assistia uma série sobre a saúde voluntária, a partir daí começou a trabalhar com povos em situação vulnerável. Por nove anos, Croda atuou na proteção de indígenas sul-mato-grossenses.

“O episódio da série na época, mostrava a personagem que ia para África e vacina, conseguiu vacina para milhares de pessoas e falava ‘quantas vezes você salvou milhares de pessoas num dia? Me motivou. Nunca saí desse foco, sempre fui da saúde pública, não tive a vida de médico de filme, aquela que tem consultório, sempre estive ligada na saúde pública e trabalhando com a população em situação vulnerável. Desejei ir para o Médico Sem Fronteiras, vim para o Estado trabalhar com população de situação vulnerável, indígenas. Agora meu foco é a população privada de liberdade, desde 2010. A covid-19 veio para mostrar que a gente pode fazer muito, quando comecei a entender que além da assistência direta, se pode fazer muito com tem uma caneta, que foi quando comecei a me envolver com gestão em saúde”.

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São 20 anos de atuação em Saúde Pública (Foto: SES)

Trabalhar duas vezes mais

Durante anos, infectologistas eram ignorados pelo poder público, em relação ao fato de medidas consideradas fúteis para combate de doença. Mas e quando se é mulher e profissional da saúde, será que a luta é maior?

“A gente sempre vai estar discutindo isso, você não faz essa pergunta para um homem, a mulher sempre terá a dúvida: será que estou sendo ouvida? Que o fato de eu ser mulher me faz ser menos enxergada? A gente vive isso em qualquer estado da nossa vida, pessoal ou profissional, o fato de ser mulher vai sempre nos acompanhar. O que acredito é que se preciso trabalhar duas vezes mais para conseguir meu objetivo, ser ouvida, vou ter que estar preparada. A sensação é que sempre terá que fazer esforço maior do que um homem para conseguir atingir seu objetivo”, relata.

Apesar da questão cultural entranhada, Mariana Croda finaliza a entrevista reforçando que quando uma mulher sobe em uma posição de liderança, há um ‘tijolinho’ colocado na construção dos degraus da escada contra a desigualdade. Na pandemia, principalmente, a condição era utilizada em tentativas de cancelar a afirmativa.

“Vejo que as pessoas utilizavam de vários subterfúgios para tentar fazer que sua narrativa fosse aceita, principalmente no negacionismo, o fato de eu ser mulher foi usado para que essas pessoas usassem essa narrativa. Durante esses anos de pandemia, tivemos que nos reinventar, acredito que as pessoas ainda não pararam para entender o que esses anos podem ter trazido de alguma forma”, finaliza.

Confira aqui as outras reportagens da série do Dia da Mulher

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