Arqueologia conduziu pesquisadora de Mato Grosso do Sul pelo mundo e até a entrevista com Jô Soares
Arqueóloga Lia Gasques conta aventuras e dificuldades da profissão que estuda os vestígios da humanidade
Thalya Godoy –
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Observar a avó materna Elza visitar antiquários e guardar objetos antigos, quadros e recortes de jornal, ainda durante a infância da arqueóloga Lia Raquel Toledo Brambilla Gasques, fez com que a paulista de coração sul-mato-grossense cultivasse uma paixão por explorar o passado.
O hábito da avó foi transmitido para a neta e Lia ficou responsável por guardar as memórias da família. “O meu pai brincava que eu era guardiã do passado”, relembra Lia aos risos.
A arqueóloga recorda que já na adolescência, por volta dos 13 anos, gostava de explorar o passado também na literatura, lendo cantigas de trovadores, cartas de jesuítas e diários de navegação.
Essa paixão por olhar como foi a humanidade séculos atrás fez com que Lia sonhasse em ser arqueóloga, profissão celebrada nesta quarta-feira (26), graças à Lei 3.924 de 26 de julho de 1961, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos.
Contudo, Lia Gasques, atualmente com 45 anos, precisou adiar o sonho de ser arqueóloga quando era jovem porque não tinha muitas faculdades na área no Brasil. Decidiu cursar letras/espanhol e se formou em 2003 na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
Lia nasceu em Campinas (SP), mudou-se ainda para Campo Grande aos 13 anos e dez anos depois foi morar no Maranhão com o marido devido ao trabalho. Por lá, deu aulas como professora, mas nunca deixou de cultivar a paixão pela arqueologia.
“Lá no Maranhão eu visitava três prédios que eram museus de história do Brasil. Eu adorava ir nesses museus e encontrei um quarto lá com materiais arqueológicos que ninguém tinha mexido e isso mexeu em mim, na vontade de fazer mestrado em arqueologia”, recorda.
Em 2010, Lia e o marido embarcaram para a Espanha para fazer o sonhado mestrado que a permitiria trabalhar com a profissão que sonhava desde a infância.
Após terminar a especialização, ela voltou ao Brasil e começou o estágio no Museu de Arqueologia da UFMS, sob a supervisão do professor Gilson Martins.
Em 2016, decidiu voltar a estudar e ingressou no doutorado-sanduíche também na UAB (Universidade Autônoma de Barcelona), ou seja, morava no Brasil, mas ia algumas vezes no semestre para a Espanha para dar aulas e apresentar trabalhos.
Depois do estágio, Lia foi efetivada no Museu de Arqueologia da UFMS e, desde 2021, tornou-se diretora de popularização da ciência na universidade.
Escavações pelo mundo
Antes de falar do trabalho de Lia, é válido fazer a diferenciação entre arqueologia e paleontologia.
A arqueologia estuda os vestígios da humanidade, enquanto o paleontólogo tem o objetivo de estudar os fósseis de plantas e animais.
É justamente encontrar indícios de como foi a vida de uma população que faz Lia adorar a profissão, mesmo as dificuldades do trabalho e do mercado de trabalho.
Quem quer trabalhar na área no Brasil, geralmente, precisa recorrer a universidades ou a trabalhos temporários em empresas privadas.
“O Indiana Jones é aventura, mas a profissão é de muita dureza. Eu brinco que é serviço de pedreiro porque carrega balde, tira pedra, mas é extremamente gratificante analisar como as pessoas viviam no passado para entender como vivemos hoje e não errar no futuro. É uma profissão linda, não tem uma pessoa que não fique fascinada quando a gente mostra um vestígio”, ela conta.
Enquanto estava na Europa, Lia teve a oportunidade de participar de escavações na Espanha e na Escócia. No país hispânico, ela chegou a encontrar uma colher de madeira e uma espécie de botão em um sítio arqueológico na região de Girona, no Nordeste da Espanha.
“Sabe quando você se sente o herói do dia? Cada caquinho, seja desenhado ou liso, ele tem sua importância e conta muito”, conta a pesquisadora.
Aprendizados
Já a ida à Escócia surgiu durante as aulas na Espanha. Procuraram por voluntários e, mesmo sem saber falar inglês, o que era um requisito obrigatório, Lia levantou a mão e embarcou para ficar um mês nas escavações no outro país.
O “perrengue” chique da arqueóloga começou já na alfândega quando imaginou que precisaria falar inglês e se enrolaria para explicar o motivo de estar no país. Contudo, a sorte sorriu para Lia e a pessoa que a atendeu era uma brasileira que queria “praticar o português” e conseguiu escapar.
A arqueóloga não desanimou e passou dez dias na escavação na Escócia fingindo que entendia inglês, até que um professor percebeu a dificuldade e passou a dar as orientações em espanhol também.
“Tem uma coisa que o professor Gilson sempre diz que ‘a ordem é avançar’ e eu levo isso para a vida”, ela conta sobre a coragem de ter ido para a Escócia mesmo sem saber o inglês.
Mesmo com as várias aventuras na Europa, Lia conta que os maiores aprendizados foram no Museu de Arqueologia da UFMS sob a supervisão dos professores, aposentados atualmente, Gilson Martins e Emília Kashimoto.
“Apesar de difícil, é um emprego que te realiza muito. Cada caquinho, cada pedacinho que remete a uma civilização, é um tesouro”, acrescenta a pesquisadora.
Um dos aprendizados mais interessantes, na avaliação de Lia, foi obter informações a partir de dentes de dois corpos encontrados em Mato Grosso do Sul. Um de Ivinhema com 600 e outro de Corumbá com cerca de 1.400 anos guardavam informações precisas sobre essas civilizações.
“Fazendo a análise nós descobrimos as coisas que eles comiam, como vegetais. Até na sujeira do dente tem informações do passado”, afirma a arqueóloga.
Outro destaque da pesquisadora é a participação do mapeamento da Trilha Rupestre em 14 cidades. O projeto reúne 25 professores da UFMS de diferentes áreas que estudam sítios que possuem registros de pinturas e gravuras de arte rupestre na região norte de Mato Grosso do Sul.
“Mato Grosso do Sul tem um potencial enorme, temos muita história para contar e colaborar sobre como as pessoas chegaram às Américas. Mato Grosso do Sul é uma chave muito importante no quebra-cabeça”, afirma Lia.
Programa do Jô
A arqueologia permitiu que Lia explorasse outros países e rendeu histórias que chegaram até ao “Programa do Jô” Soares.
Antes da atração terminar em 2016, a arqueóloga campo-grandense, em junho de 2011, teve a oportunidade de sentar ao lado do apresentador e contar as histórias que aconteceram sobre a escavação na Europa.
“Eu tinha acabado de chegar do mestrado e feito essa escavação na Escócia e tinha acontecido um monte de coisa curiosa. Eu escrevi para o programa e uma semana depois a produção me ligou que o Jô tinha aprovado a minha história”, ela se recorda.
Com isso, Lia viajou para São Paulo com tudo pago e se lembra de ter ficado apreensiva devido à timidez para falar em público, mesmo com os anos de carreira como professora.
“Eu fiquei bem nervosa, mas o Jô ficou tranquilo, pegou na minha mão e disse ‘você é uma gracinha’”, ela se recorda.
Lia também lembra que havia um roteiro para seguir passado pela produção, mas Jô Soares conduziu o programa de maneira própria, com piadas e comentários. “Acabou que nem falei das minhas pesquisas, mas ficou engraçado”, ela se recorda.
Exposição aberta para o público
O MuArq (Museu de Arqueologia) da UFMS conta com uma exposição aberta ao público. O museu está localizado no 1º andar do Memorial da Cultura e Cidadania Apolônio de Carvalho, na avenida Fernando Corrêa da Costa, número 559.
O funcionamento ocorre de segunda a sexta-feira, das 8h às 11h e das 13h às 17h. Grupos maiores de 10 pessoas precisam fazer agendamento. Os contatos são o telefone (67) 3321-5751 ou e-mail searq.proece@ufms.br.
Acesse o site do MuArq clicando aqui.
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