Além do remédio: Tratamento para dependência química exige acolhimento familiar

O vício em drogas é considerado uma doença, porém o tratamento é bem mais complexo do que aqueles que exigem apenas medicamentos ou internação. Basicamente porque não resolve tratar apenas as consequências físicas da doença, é necessário olhar também para os danos mentais e emocionais deixados pelo vício.
É por isso que muito além de tomar remédio, ficar internado e evitar as drogas, o tratamento para dependência química envolve questões de saúde mental. É necessário acolhimento, escuta, autoestima, envolvimento da família, além de persistência e paciência no tratamento do vício em drogas.
O uso prolongado de drogas afeta não só o corpo físico do usuário, mas também o raciocínio e as emoções. Especialistas afirmam que a saúde mental e emocional são aspectos que dificultam a saída completa do usuário do mundo das drogas. Isso porque, mais que o vício, a fuga de sentimentos e situações acaba mantendo pessoas no consumo.
Confira no decorrer desta semana a série de reportagens do Jornal Midiamax sobre o ciclo das drogas em Campo Grande, do uso recreativo nas festas, o combate ao tráfico, tratamento, recaídas e até o fundo do poço onde vivem aqueles que não conseguem se livrar do vício e perdem tudo.
Existe tratamento pelo SUS?
O SUS (Sistema Único de Saúde) oferece tratamento para dependência química para usuários por meio do Caps (Centros de Atenção Psicossocial) álcool e drogas. Em Campo Grande, existe uma unidade, localizada na rua Theotonio Rosa Pires, 19, região central.
A unidade oferece atendimento ‘porta aberta’, o que significa que fica aberta 24 horas e disponível para receber pacientes. Coordenador de saúde mental de Campo Grande, o médico psiquiatra Eduardo Gomes explica que, além do Caps, a busca por tratamento para dependência química também pode ser feita em qualquer unidade básica de saúde. “Em qualquer unidade o dependente vai ser acolhido e encaminhado para tratamento”, explica.
Em Campo Grande, existem em torno de 40 leitos para internação de pacientes em tratamento para dependência química, sendo 20 no Caps AD e outros 20 na unidade de urgência de saúde mental, localizada na Santa Casa. A oferta de leitos está bem aquém da demanda de pacientes, visto a taxa de ocupação sempre acima dos 90%.

Tratamento no Caps passa por acolhimento do paciente
Lembrando o conceito ‘porta aberta’, o paciente pode chegar ao Caps a qualquer momento do dia, onde será acolhido por meio de uma escuta qualificada com um profissional da equipe multidisciplinar. Em seguida, profissionais se reúnem para decidir, em conjunto, o encaminhamento.
“Às vezes aquele paciente precisa ser internado imediatamente, às vezes ele não tem noção da gravidade em que ele se encontra e do risco que corre, já que dependendo do estado de psicose, ele pode sair e cometer suicídio ou se envolver em alguma briga. Muitas vezes precisamos proteger o paciente dele mesmo”, explica a gerente do Caps, Vania Ramos.
Para internação, há o tratamento voluntário, quando a pessoa está consciente e quer se tratar, o involuntário, quando o paciente “não responde mais por si” e a definição é feita por laudo médico. E o tratamento compulsório, que exige uma determinação judicial para internação do paciente.
No caso do tratamento involuntário, Vania explica que é necessário em alguns casos e pode auxiliar na melhora do paciente. “A gente precisa retirar a droga dele, para que esse paciente possa se conscientizar do tratamento. Entender a situação em que está, porque a gente precisa da ajuda dele”, diz.

Apoio da família faz parte do tratamento
Experiente no assunto, a gerente Vania explica que o tratamento do paciente dependente químico não se reduz às paredes do Caps. O sucesso dos atendimentos está atrelado ao acolhimento, mas também às parcerias com todos os órgãos competentes da rede de apoio.
E mais do que profissionais, a família do paciente tem papel fundamental no sucesso do tratamento para dependência química. “A partir do momento que esse paciente começa a fazer o tratamento aqui, é preciso retomar a vinculação familiar. E a gente tem casos de muito sucesso”, diz.
Dentro do dispositivo de saúde mental, há, além do Caps, consultório na rua, grupos de atendimento e uma busca ativa em cenas de uso. Na prática, significa que a equipe do Caps vai até os locais de consumo de droga na rua, para ver onde e em qual situação os pacientes estão.
Pessoas em situação de rua também podem ser acolhidas nas quatro residências terapêuticas municipais, onde, além do tratamento, tem moradia, alimentação e afins. As comunidades terapêuticas, que são entidades ligadas a igrejas, também oferecem tratamento para dependentes, porém sem vinculação com os métodos do Ministério da Saúde e sem registro no Estado e município.
Falar sem julgamento auxilia no tratamento
No Caps álcool e droga são atendidas 15 pessoas por dia, número que somou 30 mil atendimentos em apenas quatro meses de 2022. A alta demanda ganhou ainda mais força com a pandemia de Covid-19, quando medo, isolamento social, luto e outros fatores levaram ainda mais gente às drogas.
Remédios, internação, família são pontos fundamentais do tratamento, mas não excluem a necessidade de psicoterapia. A psicóloga Eliane Aigner Coro explica que a terapia com um psicólogo oferece espaço seguro para o paciente poder falar sem receio de julgamento, possibilitando que ele se abra e fale de seus sentimentos e emoções.
Sessões de terapia em grupo também são válidas e importantes para o paciente poder se conectar com outras pessoas e compartilhar experiências com quem passou por situações parecidas.
“Uma pessoa pode inicialmente experimentar substâncias psicoativas de forma recreativa. Mas, posteriormente, ele usa como um alívio para as angústias que tem e não consegue lidar”, explica a psicóloga. O uso prolongado da droga ainda desconecta a pessoa da realidade e de seus afetos.
“Com a situação mais grave, o paciente geralmente entra em um círculo de vergonha, culpa, angústia e começa a viver só em função disso. A psicoterapia é essencial para ajudar a pessoa a se reconectar com os outros, com os afetos e isso vai fortalecer ela ao tratamento”, destaca a psicóloga.