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Cotidiano

Além do remédio: Tratamento para dependência química exige acolhimento familiar

Tratamento inicial para dependentes químicos pode ser feito pelo SUS em qualquer unidade básica de saúde ou no Caps, onde há atendimento especializado
Priscilla Peres - Publicado em
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Acolhimento pode ser afago para quem busca por um ente querido (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

O vício em drogas é considerado uma doença, porém o tratamento é bem mais complexo do que aqueles que exigem apenas medicamentos ou internação. Basicamente porque não resolve tratar apenas as consequências físicas da doença, é necessário olhar também para os danos mentais e emocionais deixados pelo vício. 

É por isso que muito além de tomar remédio, ficar internado e evitar as drogas, o tratamento para dependência química envolve questões de saúde mental. É necessário acolhimento, escuta, autoestima, envolvimento da família, além de persistência e paciência no tratamento do vício em drogas.

O uso prolongado de drogas afeta não só o corpo físico do usuário, mas também o raciocínio e as emoções. Especialistas afirmam que a saúde mental e emocional são aspectos que dificultam a saída completa do usuário do mundo das drogas. Isso porque, mais que o vício, a fuga de sentimentos e situações acaba mantendo pessoas no consumo. 

Confira no decorrer desta semana a série de reportagens do Jornal Midiamax sobre o ciclo das drogas em Campo Grande, do uso recreativo nas festas, o combate ao tráfico, tratamento, recaídas e até o fundo do poço onde vivem aqueles que não conseguem se livrar do vício e perdem tudo.

Existe tratamento pelo SUS?

O SUS (Sistema Único de Saúde) oferece tratamento para dependência química para usuários por meio do Caps (Centros de Atenção Psicossocial) álcool e drogas. Em Campo Grande, existe uma unidade, localizada na rua Theotonio Rosa Pires, 19, região central

A unidade oferece atendimento ‘porta aberta’, o que significa que fica aberta 24 horas e disponível para receber pacientes. Coordenador de saúde mental de Campo Grande, o médico psiquiatra Eduardo Gomes explica que, além do Caps, a busca por tratamento para dependência química também pode ser feita em qualquer unidade básica de saúde. “Em qualquer unidade o dependente vai ser acolhido e encaminhado para tratamento”, explica.

Em Campo Grande, existem em torno de 40 leitos para internação de pacientes em tratamento para dependência química, sendo 20 no Caps AD e outros 20 na unidade de urgência de saúde mental, localizada na Santa Casa. A oferta de leitos está bem aquém da demanda de pacientes, visto a taxa de ocupação sempre acima dos 90%.

Caps está localizado na região central de Campo Grande. (Foto: Nathália Alcântara/Midiamax)

Tratamento no Caps passa por acolhimento do paciente

Lembrando o conceito ‘porta aberta’, o paciente pode chegar ao Caps a qualquer momento do dia, onde será acolhido por meio de uma escuta qualificada com um profissional da equipe multidisciplinar. Em seguida, profissionais se reúnem para decidir, em conjunto, o encaminhamento.

“Às vezes aquele paciente precisa ser internado imediatamente, às vezes ele não tem noção da gravidade em que ele se encontra e do risco que corre, já que dependendo do estado de psicose, ele pode sair e cometer suicídio ou se envolver em alguma briga. Muitas vezes precisamos proteger o paciente dele mesmo”, explica a gerente do Caps, Vania Ramos. 

Para internação, há o tratamento voluntário, quando a pessoa está consciente e quer se tratar, o involuntário, quando o paciente “não responde mais por si” e a definição é feita por laudo médico. E o tratamento compulsório, que exige uma determinação judicial para internação do paciente.

No caso do tratamento involuntário, Vania explica que é necessário em alguns casos e pode auxiliar na melhora do paciente. “A gente precisa retirar a droga dele, para que esse paciente possa se conscientizar do tratamento. Entender a situação em que está, porque a gente precisa da ajuda dele”, diz. 

droga sintética
As ‘balas’ são algumas das drogas que circulam nas baladas (Foto: Reprodução, ChromaTox)

Apoio da família faz parte do tratamento

Experiente no assunto, a gerente Vania explica que o tratamento do paciente dependente químico não se reduz às paredes do Caps. O sucesso dos atendimentos está atrelado ao acolhimento, mas também às parcerias com todos os órgãos competentes da rede de apoio. 

E mais do que profissionais, a família do paciente tem papel fundamental no sucesso do tratamento para dependência química. “A partir do momento que esse paciente começa a fazer o tratamento aqui, é preciso retomar a vinculação familiar. E a gente tem casos de muito sucesso”, diz.

Dentro do dispositivo de saúde mental, há, além do Caps, consultório na rua, grupos de atendimento e uma busca ativa em cenas de uso. Na prática, significa que a equipe do Caps vai até os locais de consumo de droga na rua, para ver onde e em qual situação os pacientes estão. 

Pessoas em situação de rua também podem ser acolhidas nas quatro residências terapêuticas municipais, onde, além do tratamento, tem moradia, alimentação e afins. As comunidades terapêuticas, que são entidades ligadas a igrejas, também oferecem tratamento para dependentes, porém sem vinculação com os métodos do Ministério da Saúde e sem registro no Estado e município.

Falar sem julgamento auxilia no tratamento

No Caps álcool e droga são atendidas 15 pessoas por dia, número que somou 30 mil atendimentos em apenas quatro meses de 2022. A alta demanda ganhou ainda mais força com a pandemia de Covid-19, quando medo, isolamento social, luto e outros fatores levaram ainda mais gente às drogas.

Remédios, internação, família são pontos fundamentais do tratamento, mas não excluem a necessidade de psicoterapia. A psicóloga Eliane Aigner Coro explica que a terapia com um psicólogo oferece espaço seguro para o paciente poder falar sem receio de julgamento, possibilitando que ele se abra e fale de seus sentimentos e emoções.

Sessões de terapia em grupo também são válidas e importantes para o paciente poder se conectar com outras pessoas e compartilhar experiências com quem passou por situações parecidas.

“Uma pessoa pode inicialmente experimentar substâncias psicoativas de forma recreativa. Mas, posteriormente, ele usa como um alívio para as angústias que tem e não consegue lidar”, explica a psicóloga. O uso prolongado da droga ainda desconecta a pessoa da realidade e de seus afetos.

“Com a situação mais grave, o paciente geralmente entra em um círculo de vergonha, culpa, angústia e começa a viver só em função disso. A psicoterapia é essencial para ajudar a pessoa a se reconectar com os outros, com os afetos e isso vai fortalecer ela ao tratamento”, destaca a psicóloga.

Confira as matérias do Midiamax da série sobre o ciclo das drogas

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