Ice, GHB e poppers desafiam o combate ao tráfico, que ainda se sustenta com maconha e cocaína
Drogas sintéticas dominam a noite de Campo Grande e exigem trabalho constante da polícia
Anna Gomes –
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Combater um vício não é uma tarefa fácil. Uma pessoa que é viciada em drogas tem dependência física e psicológica que causa danos à saúde e pode afastar um dependente químico de seu convívio social. Em Campo Grande, a maconha e cocaína ainda dominam as apreensões, mas as drogas sintéticas vêm tomando espaço e desafiam o trabalho de repressão da polícia.
Para tentar barrar a facilidade no acesso aos entorpecentes, a Denar (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfico) realiza um trabalho constante tentando impedir o tráfico em Campo Grande. Segundo o delegado titular Hoffman D’Avila Candido, os entorpecentes mais consumidos e sucessivamente mais apreendidos em Campo Grande são a maconha e a cocaína.
As drogas sintéticas, que o Jornal Midiamax mostrou na primeira reportagem da série sobre o ciclo do vício da droga, circulam cada vez mais nas baladas da Capital. O entorpecente é produzido em laboratórios clandestinos a partir de uma ou várias substâncias químicas.
O delegado explica que em 2022 o número de apreensões de maconha triplicou em relação ao mesmo período de 2021 em Campo Grande. E a cocaína também multiplicou as apreensões. Só nos primeiros 20 dias do mês de janeiro deste ano, também houve mais cocaína apreendida que todo o ano passado em Campo Grande.
“O que é mais comum em Campo Grande é a maconha. O número de apreensões dessa droga triplicou. A cocaína também teve aumento significativo nas apreensões e prisões de traficantes. Também estamos realizando apreensões das drogas sintéticas, mesmo em número menor, elas estão circulando pela Capital”, disse.
LSD, GHB e poppers: as drogas sintéticas
Siglas, nomes em inglês ou apelidos dominam o vocabulário quando o assunto são as drogas sintéticas. Entre as identificadas em Campo Grande estão LSD, GHB, ecstasy, anabolizantes, ice, quetamina, inalantes, efedrina, poppers.
Diferente da maconha e cocaína, que é distribuída por traficantes e geralmente em grandes quantidades, os entorpecentes sintéticos que dominam cada vez mais as baladas se destacam pelo processo de distribuição diferente, que desafia a polícia.
O titular da Denar explica que os traficantes especializados na droga sintética buscam evitar aglomeração em residências e bocas de fumo e, por isso, criam canais de comunicação para facilitar a venda.
“Esse fato atrapalha um pouco o trabalho realizado pela polícia, pois demanda de uma investigação de inteligência de campo para juntar elementos necessários para realizar uma busca e uma prisão. Não é um ponto comum que conseguimos fazer um trabalho de campana ou que recebemos denúncias”, destacou.
Pasta-base, a droga que definha o usuário
Maconha, cocaína, sintéticas… além de todas essas drogas, a pasta-base é um dos entorpecentes que ainda desafia o poder público porque circula em locais de alta vulnerabilidade social e literalmente definha o dependente.
A pasta-base é feita com restos do refino da cocaína e durante seu preparo os traficantes chegam a usar até solução de bateria de carro para fazer “render” a droga no menor custo possível.
O delegado Hoffman também faz um alerta para a droga que é uma das mais viciantes e perigosas.
“A pasta-base é um derivado da cocaína e demora segundos para a pessoa sentir efeito. Ela tem uma mistura de muita química e é viciante. O usuário vai definhando, não come, não dorme e fica igual um andarilho. É uma droga bem complicada, pois as pessoas roubam a própria família para sustentar o vício”, alertou.
Drogas em números
Em 2021, a Denar apreendeu 8 toneladas de maconha. No ano seguinte, o número quase triplicou e chegou a mais de 22 mil toneladas. Só nos primeiros dias de janeiro de 2023, a Capital já soma 500 kg.
A segunda droga mais apreendida, a cocaína, também teve aumento. Em 2021, foram 488 kg apreendidos. Em 2022, o número caiu para 300 kg. O mês de janeiro de 2023 totaliza um número maior que todo o ano passado. Até o dia 20, a Denar apreendeu 370 kg do entorpecente.
Nos anos anteriores, a Denar apreendeu grande quantidade de micropontos de LSD. O número de comprimidos de ecstasy apreendidos apresentou queda. Em 2021, foram 488, sendo 193 no ano passado.
Trabalho preventivo faz a diferença
Quando uma pessoa sofre com um vício, é comum que ela consuma a substância com uma frequência exagerada, podendo ser todos os dias ou até mesmo mais de uma vez por dia. Quando o efeito da droga passa, o corpo sente a falta da substância e surge uma série de efeitos colaterais que fazem com que a pessoa volte a consumir a droga. É a chamada abstinência.
Contudo, se a pessoa conseguir se manter afastada da substância por tempo o suficiente, a abstinência tende a passar. Isso significa que o organismo não está mais sentindo a falta da droga. Ainda assim, a pessoa pode sentir uma vontade quase incontrolável de usar o entorpecente. Essa vontade é popularmente conhecida como “fissura”. Quando isso acontece, estamos falando de uma dependência psicológica.
Enquanto a abstinência é facilmente tratada pela abstenção da droga, a dependência psicológica é mais difícil de lidar. É preciso tratamento adequado com uma equipe multidisciplinar, incluindo profissionais da saúde mental como psicólogos e psiquiatras.
Eduardo Gomes é psiquiatra e coordenador da saúde metal da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde). Ele diz que é necessário não fazer uma diferenciação entre drogas lícitas e ilícitas. Realizar um trabalho preventivo faz toda a diferença na sociedade.
“É uma diferenciação política e até moral que as pessoas fazem. O álcool, por exemplo, tem uma questão social e é algo naturalizado na sociedade. Criam a ideia que sem álcool não tem festa, mas a gente percebe que além de ser uma porta para outros entorpecentes, ele também ajuda no aumento de acidentes e homicídios. Se conversar com quem usa cocaína, a pessoa vai responder que sente mais vontade de usar o entorpecente após o uso do álcool”.
Propícias ao vício
Concordando com o posicionamento do delegado, o psiquiatra também aponta a pasta-base como uma droga que é necessária maior atenção, já que é extremamente viciante. Ele também destaca que existem pessoas mais propícias ao vício.
“Geralmente as pessoas começaram usando cocaína, mas por ser uma droga cara, elas começam a usar a pasta-base, fator que causa um quadro de dependência muito grande. Existem pessoas mais predispostas ao vício. É como se o funcionamento cerebral fosse mais sensível”.
Além do álcool, Eduardo também faz um alerta para o cigarro, o qual tem um alto potencial de dependência. Os cigarros eletrônicos fizeram o número de dependentes voltar a subir nos últimos anos.
“No Brasil nas décadas de 70 e 80 existia um grande número de fumantes. Depois começaram medidas obrigatórias nas embalagens relatando sobre os riscos e tivemos uma queda no uso. Agora com os cigarros eletrônicos já estamos percebendo um aumento significativo no vício. É muito prejudicial, pois pode não só deixar o indivíduo com dependência, mas também problemas pulmonares e outras enfermidades”, explicou.
O psiquiatra ainda faz um alerta para os jovens para que não entrem no ‘mundo das drogas’, pois, inicialmente, o uso de entorpecentes provoca bem-estar e felicidade, o que faz com que a pessoa sinta vontade de usá-lo novamente. Entretanto, o consumo repetitivo e a longo prazo dessas substâncias pode causar efeitos bastante nocivos à saúde e vida do usuário como um todo.
Em relação à saúde, neurônios que garantem um bom funcionamento da atividade cerebral podem sofrer lesões irreversíveis, diminuindo a capacidade de pensar e raciocinar. Além disso, outros transtornos mentais podem surgir como depressão, Síndrome do Pânico e esquizofrenia.
Confira no decorrer desta semana a série de reportagens do Jornal Midiamax sobre o ciclo das drogas em Campo Grande, do uso recreativo nas festas até o fundo do poço onde vivem aqueles que não conseguem se livrar do vício e perdem tudo.
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