O que a comunidade científica sabe, até o momento, é que o organismo de crianças apresenta “resposta imunológica rápida e eficaz” quando entra em contato com o vírus da covid e, por isso, elas não seriam tão afetadas. Só que agora, em meio à campanha de vacinação infantil, pouco se discute sobre o psicológico delas: o quanto sofreram neste período de pandemia, como lidaram com as mortes e quais as sequelas, mesmo sem o contágio, que tiveram e terão no retorno ao ambiente escolar. 

Entre avaliações em escolas, palestras e atendimento particular, a psicopedagoga Carla Pacheco, de 54 anos, que também é especialista em estimulação cognitiva e expansão de consciência, ressalta que as crianças são menos afetadas no contágio e, quando atingidas pela covid, apresentam fadiga, desânimo e alguns sintomas respiratórios, mas, a atenção também deve se voltar para as crianças que não tiveram a doença. 

“Eu coloco estas crianças no grupo daqueles sequelados não contaminados, ou seja, apresentam sequelas importantes e não menos graves, voltadas para o cunho emocional, para a parte psicológica e comportamental, então, as crianças são as sequeladas que não foram contaminadas pelo vírus”, ressaltou Pacheco. 

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Pais e filhos em local de vacinação. Crédito: Graziela Rezende

Conforme a psicopedagoga, dentre as sequelas estão a ansiedade, a depressão, o medo da morte e o pânico. Além disso, outras crianças estão apresentando sintomas físicos, como problemas na visão, além do excesso de peso, questões de postura e dificuldades de aprendizagem. 

“Essas questões físicas seriam por conta de tanto tempo diante do computador. São crianças com 8 a 10 anos, que não desenvolviam miopia, é algo que não está dentro da normalidade e acontecia mais com o público adolescente. Os médicos falam inclusive que estão com graus importantes em relação à miopia. E as outras questões também ficaram gritantes neste período”, avaliou Carla. 

Presente em muitas famílias, o luto da covid também afetou as crianças. “Para elas é algo muito mais subjetivo e que os adultos acabam levando muito para a questão fantasiosa, então, dependendo da idade, temos que ser os mais sinceros possíveis, não de uma forma rude, tem que ser de uma forma acolhedora, de uma forma de deixar a criança lidar com a tristeza, lidar com o choro, mostrar para ela que isso é normal e que passa”, argumentou a psicopedagoga.

Adultos se esquecem de conversar, diz profissional

De alguma maneira, Carla fala que os adultos também enfrentam dificuldades em passar por este período e se esquecem de conversar, de dividir o momento com as crianças. “Os adultos estão com dificuldades de transmitir este momento para as crianças, principalmente porque eles estão tão sofridos que nem conseguem passar essa tranquilidade ou essa leveza, de que a morte é algo natural”, disse. 

É neste momento que, segundo Pacheco, as crianças podem estar “carregadas de emoções desconhecidas”. “É aí que entra o pânico, o medo, tudo isso, então, muitas vezes essa criança precisa de um acompanhamento especial”, disse. 

Já no ambiente escolar, a dificuldade de aprendizagem pode ser uma sequela. “Lá no início, houve a falta de preparo. E é lógico, a pandemia pegou todo mundo desprevenido. Houve falta de preparo das escolas, dos professores e dos pais em lidar com esta situação em que a criança deixa de ter o prazer de estudar. Esse prazer deve começar no momento em que a criança vai para escola, porque senão vira algo monótono”, ressaltou. 

No caso da modalidade remota, em que as crianças ficaram em casa, as aulas muitas vezes se tornaram apenas “uma transmissão de conteúdo fria”. “A criança ficou ali, sem companhia, sem a emoção da sala de aula, em que um colega faz uma brincadeira, aí o outro colega faz um comentário e o professor se engaja nessa brincadeira, vamos dizer, de dar aula”, argumentou. 

Por conta disso, neste momento, Pacheco diz que a aprendizagem deve estar presente, mas, as crianças precisam de uma atenção especial para reaprenderem a conviver socialmente. “Essa etapa da infância, tanto da educação infantil quanto do ensino fundamental, é um desenvolvimento social diferente a cada semestre, a cada ano e muito disso essas crianças perderam. É por isso que o retorno às aulas presenciais precisa de muita atenção”, afirmou.

Mudanças de comportamento

Neste caso, a psicopedagoga diz que as mudanças de comportamento devem ser observadas no retorno das crianças ao convívio escolar. “Vejo que, neste momento, as mudanças de comportamento devem ser tão bem observadas quanto o próprio conteúdo. É claro que os profissionais estão preocupados em transmitir o conhecimento, que é o que a escola propõe, mas, neste momento pós-pandemia, agora temos uma nova carga de preocupação e isso tudo é passado para as crianças”, ponderou. 

Em sala de aula, Carla fala que uma criança “roendo as unhas” ou então apertando as mãos o tempo inteiro, muito quietinha ou mexendo no cabelo sem parar, por exemplo, podem demonstrar que algo errado está acontecendo com ela. 

“São sinais de ansiedade que o professor tem que estar alerta, os pais têm que estar alerta também para poder ajudar essa criança. Somente desta forma é que teremos uma criança saudável emocionalmente e psicologicamente, com condições de aprender muito melhor”, finalizou.