*Diego Ferreira é um nome fictício, criado para não expor o personagem dessa reportagem e atendendo a uma diretriz do AA

Involuntariamente as lágrimas surgem nos olhos de Diego Ferreira* à medida que resgata memórias de uma década em que esteve refém do alcoolismo. Embora jurasse para si mesmo que tudo estava sob controle, o vício lhe tirou casa, um casamento de anos, o convívio com a família e a dignidade em .

“Eu me enganava e acreditava que conseguia controlar. A arrogância, típica de quem tem a doença, me fazia pensar que eu tinha família, emprego e estava bebendo com meu próprio dinheiro, mas, com o passar do tempo, dilapidei meu patrimônio, saúde e minhas relações”, afirma.

Diego conta que o contato com a bebida veio ainda na adolescência, quando morava na área rural de uma cidade do interior de Mato Grosso do Sul. “Minha família tinha o hábito de beber em eventos e lembro de ter alguns episódios de embriaguez, entre os 15 e 17 anos. Mas nunca considerei isso um problema”, detalha.

Já na fase adulta, por volta dos 25 anos, beber tornou-se algo esporádico. Empregado em uma empresa multinacional, o happy hour com colegas de serviço às sextas-feiras era uma forma de aliviar o stress e se sentir aceito entre os parceiros da firma. “Sem ver eu passei a beber cada vez mais. O que antes era só na sexta-feira passou também a acontecer no sábado, depois para comemorar o futebol de quarta-feira e assim por diante. Sempre havia uma justificativa para consumir”, relembra.

Enquanto os dias e doses aumentavam, mudanças na personalidade começaram a aparecer, entre elas, intolerância elevada, irritabilidade e ego inflado. Com isso, o convívio com a família ficou complicado e, pouco a pouco, o afastamento da sociedade. No emprego, atrasos, sono incontrolável e baixo rendimento. Repetidos episódios que terminaram em demissão. “Perdi o emprego dos meus sonhos, onde ganhava bem e tinha status”, relata.

A próxima fase rumo ao abismo, foi o fim do casamento de 6 anos. “Não houve violência, mas havia desrespeito e desvalorização da minha parte. Eu sempre queria impor minha vontade”, relembra.

Há 50 anos em Mato Grosso do Sul, Alcoólicos Anônimos já ajudou centenas de pessoas a se libertar do vício. (Foto: Marcos Ermínio)

Já sem a esposa, no mesmo ano, Diego se desfez da casa própria para sustentar o vício. “Fui morar de aluguel na casa que era minha. Mas não pagava direito e o novo dono mandou eu sair. Enquanto isso, continuava bebendo e me envolvendo com pessoas erradas porque aquilo camuflava tudo o que estava acontecendo”, explica.

Os meses que se passaram foram degradantes. O homem que antes era bem-sucedido se afastou totalmente da família para que a não o visse na situação de completa entrega ao alcoolismo. Não bastasse o álcool, passou a usar drogas ilícitas e ficava dias na rua. Por fim, se envolveu com o crime, chegou a ser preso e passou a desafiar a vida.

“Já saí de carro do distrito de e simplesmente não me lembro. Acordei no canteiro de uma avenida de e mesmo assim continuei viagem até Campo Grande. Depois, tive outro e quando acordei outra vez já estava no portão de casa sem me lembrar de nada”, revela.

Nesse meio tempo, Diego teve uma filha, fruto do relacionamento com uma mulher que também enfrentava a mesma doença que ele. Acontecimento que, 3 anos mais tarde, seria o “start” para que ele olhasse para si mesmo e entendesse que a morte se aproximava cada vez mais. “Eu estava morrendo e tinha medo da morte. Isso me fez reconhecer que se não pedisse ajuda, iria morrer. Não queria que minha filha crescesse sem um pai”, narra.

Luta pela vida

Afundado no vício, sem bens materiais e com a saúde comprometida, Diego decidiu que teria de se internar em uma clínica, antes disso, recebeu orientação para procurar um grupo do Alcoólicos Anônimos em Campo Grande. “Resolvi experimentar e fui disposto. Pela primeira vez fui procurar ajuda querendo ser ajudado”, conta.

No encontro, uma grata surpresa. A discrição, carinho e empatia com que foi recebido foi impulso para decidir mudar de vida. “Segui as sugestões e me agarrei com unhas e dentes ao programa, da mesma forma que alguém que está morrendo se agarra a um bote salva-vidas”, explica.

Entre os tantos ensinamentos que aprendeu, Diego se afastou de lugares e pessoas com quem bebia e empenhou todo o controle que lhe restava para seguir um dos primeiros passos e talvez mais importantes passos. “Evitar o primeiro gole a qualquer custo e se não conseguir, entrar em contato com os padrinhos. Percebi que a coisa mais importante era salvar minha vida”, resume.

No A.A. encontros são reservados e discrição é exigência entre quem participa. (Foto: Ilustrativa)

Após três meses sóbrio, Diego vivenciou o que há uma década não sentia, no entanto, ao se afastar do grupo teve uma recaída. “Achei que estava curado como numa fórmula mágica e não precisava mais me submeter ao que aprendi. O resultado foi voltar ao uso”, relembra.

Para eles, o período de três semanas de recaída trouxe uma revelação. “Entendi que o alcoolismo é uma doença e que eu não teria o controle fácil assim. Sabendo disso, voltei ao grupo”, explica.

Desde então, Diego está há 6 anos sem beber e, hoje, compartilha a experiência de vida com quem busca ajuda nos Alcoólicos Anônimos.

Nesta quarta-feira (24), o Alcoólicos Ânimos completa 50 anos de atuação em Mato Grosso do Sul, sendo ponte para que centenas de pessoas se libertassem do vício e conseguissem ter vida plena.

Junto do A.A., no Estado também são feitas reuniões do Al-Anon, grupo que atende as famílias de pessoas dependentes do álcool.

“A família precisa entender que a pessoa alcoólatra não tem capacidade de vencer sozinha e qualquer conselho faz com que se afaste ainda mais. Frequentar esse grupo ajuda familiares a aprender a conviver com o alcoólatra e saber como ajudar”, finaliza.

Hoje, o Alcoólicos Anônimos está em 14 pontos de Campo Grande. O escritório central fica no 12ª andar do Conjunto Nacional, que fica na Rua Dom Aquino, 1354. Os telefones são: (67) 3383-1854 e o WhatsApp (67) 99606-8215.