Aumento da pobreza em MS foi marcado por soro vendido como leite e alimentos mais caros em 2022

Retrospectiva mostra que em Mato Grosso do Sul 628 mil pessoas são afetadas

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Famílias em situação de pobreza aumentaram em todas as cidades do Estado. (Foto: Marcos Ermínio)

A pandemia contribuiu para um aumento exponencial da pobreza no Brasil e, desde então, a fome e a miséria voltaram às manchetes. Em 2022, o cenário não foi diferente. Além do aumento da pobreza, que hoje afeta 628 mil pessoas em Mato Grosso do Sul, vimos a continuidade de um processo de empobrecimento dos alimentos.

Nas prateleiras dos supermercados é fácil comprar soro de leite no lugar do leite, e com preço pouca coisa diferente. O mesmo acontece com outros produtos, como o leite condensado fake, também conhecido como mistura láctea, e o queijo processado sabor requeijão.

Olhando com atenção às embalagens, não reconhecemos mais os produtos que são vendidos a preço de ouro. Na prática, o preço alto e a baixa qualidade impactam diretamente o brasileiro de baixa renda, que agora se alimenta menos e pior. 

Segunda cesta básica mais cara do Brasil

Entre janeiro e novembro de 2022, a cesta básica de Campo Grande ficou R$ 78,48 mais cara. Os dados do Dieese/MS mostram ainda que os 15,15% de aumento nos onze meses de 2022 representam a segunda maior alta do país.

Se olharmos para 2020, veremos que em menos de três anos, o trabalhador de Campo Grande precisou desembolsar R$ 280,53 a mais para comprar os mesmos produtos que em janeiro de 2020 custavam R$ 458 e hoje passam de R$ 730.

Atualmente, a cesta de alimentos básicos compromete bem mais da metade de um salário mínimo de R$ 1.212 vigente em 2022. O resultado é que de 2020 para cá, a população mais pobre passou a ter menos acesso aos alimentos básicos para a sobrevivência humana. 

Estado com alto índice de insegurança alimentar

A alta nos preços é responsável pelo maior número de pessoas em insegurança alimentar, ou seja, não sabem como e quando será a próxima refeição. Pesquisa divulgada em setembro, colocou Mato Grosso do Sul como o estado da região Centro-Oeste com o maior número de domicílios com algum grau de insegurança alimentar. 

No Estado, 65% das residências se encontram sem acesso a alimentos suficientes. Entre os que têm renda de meio a um salário mínimo, a segurança alimentar está em 40,9% das residências, enquanto a fome está em 21,4% das casas, em níveis de moderado a grave.

O Auxílio Brasil, programa federal de transferência de renda, se tornou para muitos a única renda do mês. Em 2022, o benefício, que era de R$ 200, passou para R$ 400 e para R$ 600 no período eleitoral. Valor inferior ao preço da cesta básica de Campo Grande.

Em novembro de 2022, receberam o benefício 211.693 pessoas de Mato Grosso do Sul. Ao longo do ano, 39.877 pessoas do Estado passaram a receber o auxílio, que em janeiro deste ano era pago a apenas 171,8 mil famílias. 

Mais gente precisando de ajuda em MS

De acordo com a Cufa/MS (Central Única das Favelas de MS), em 2022 aumentou muito o número de pessoas passando fome em Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, o número de famílias atendidas por mês saltou de 300, antes de 2020, para 1.500 este ano.

Em Três Lagoas, o número de atendimentos mensais dobrou, passando de 150 para 300 famílias. Em Corumbá, o aumento foi ainda maior, saindo de 150 para 400 famílias mensalmente. E, em Ivinhema, o crescimento foi de 80 para 220 famílias.

Coordenadora da Cufa/MS, Livia Lopes Correa, afirma que se de um lado aumentou muito o número de pedidos de ajuda, de outro as doações diminuíram consideravelmente. “Itens como leite, fralda, kits de higiene, mistura (proteínas) são mais difíceis, quase ninguém doa e a necessidade é grande. Às vezes, a gente doa uma cesta básica, mas a pessoa não tem gás. A necessidade não é mais só de cesta básica”.

Ela complementa ao dizer que nunca viu tanto desespero por alimentos e itens básicos, como atualmente. “Dia desses teve uma pessoa que estava há três dias sem comer e quando a gente foi entregar a cesta básica ela estava tremendo de fome. A gente está vendo esse desespero, um absurdo e a gente como instituição às vezes não tem como atender”. 

Essa crise vai passar?

Campo Grande é historicamente uma cidade rica. Sua origem, marcada por grandes famílias e militares de alta patente, rendeu o título de Capital sem favelas por anos. Marco este que ficou para trás, já que atualmente são mais de 30 favelas espalhadas pela cidade.

Professor, pesquisador e escritor, Eronildo Barbosa conta que na década de 90, houve um incremento de populações rurais que vieram para Campo Grande. Foi quando os problemas sociais começaram a aparecer, visto que o Estado não estava preparado para o aumento populacional.

“Governos tentaram acabar com as favelas que começaram a se formar nas periferias, mas a partir de 2012 voltou com força. A partir de 2014, o Brasil e o MS perderam densidade econômica, os últimos governos não geraram emprego e aí veio a pandemia, que piorou a situação econômica da população”, explica Eronildo.

Mato Grosso do Sul segue sendo um Estado rico, mas com bolsões de miséria. Para o historiador, parte desse cenário se deve ao tipo de emprego comum na região. “O estado gera muito emprego no comércio, serviços e agronegócio, mas falta emprego em indústria, emprego com carteira assinada e benefícios, que dão dignidade à população”, diz.

Apesar do cenário atual, Eronildo é otimista. “Acredito que é conjuntural, uma fase miserável. É sim uma crise, mas vai passar. Nesse período é sim necessário o sentimento de solidariedade, de auxílio mútuo”. 

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