A rotina de quem mora na região norte da cidade, nas proximidades de vias como Coronel Antonino e Cônsul Assaf Trad, é marcada pela deficiência no atendimento das linhas de ônibus. A situação não é novidade, já que são frequentes os relatos de atrasos de linhas que conectam, por exemplo, os terminais General Osório e Nova e que atendem os bairros vizinhos.

A redução da frota que atende a região era perceptível pelos usuários antes mesmo da pandemia. Porém, no contexto atual, a situação se agravou e usuários enfrentam espera de horas e irregularidade nos horários de circulação, em pelo menos 13 linhas atendidas pela Viação São Francisco. São elas: 205, 224, 215, 237, 209, 229, 225, 206, 223, 207, 204, 210 e 214.

Há cerca de duas semanas, o analista de sistemas Giovanne Batista, de 25 anos, transmitiu ao vivo nas redes sociais o descaso praticado contra passageiros da linha 214, que atende bairros da região norte. Na publicação, disponibilizada na página do Facebook Segredos do Busão, ele relata que a linha parou de circular antes das 20h, ainda com previsão de três voltas, conforme o cronograma disponibilizado pela empresa (veja o vídeo abaixo).

Ônibus Recolhendo Antes do Horário.

Posted by Segredos do Busão – Campo Grande on Saturday, May 9, 2020

 

“Eu percebi isso naquela ocasião, há duas semanas, mas são muitos relatos de que isso acontece há muito mais tempo. Naquele dia precisei ir ao Assaí e pra voltar tive que pegar um , porque não passou mais ônibus. Até chegou um, mas ele já estava com o aviso de ‘recolhe' [estava encerrando o turno]. Pelo que a gente levantou, não houve autorização da Prefeitura para a redução do horário. Ninguém foi informado. Nem mesmo outros motoristas souberam explicar o que estava acontecendo. A empresa largou a gente no terminal, mesmo com passageiro na plataforma de embarque”, conta o analista.

Consórcio Guaicurus encerra linhas mais cedo e deixa passageiros da região norte sem ônibus para voltar após trabalho
Pelo menos 13 linhas tiveram horário reduzido, sem justificativa. Clique na imagem para ver ampliado | Reprodução | Ligados no Transporte

O mesmo problema foi confirmado por outro passageiro, o vendedor Eduardo Galino, de 31 anos. Com as lojas do centro da cidade funcionando até às 21h, ele também enfrentou dificuldade para voltar para casa, no bairro Estrela do Sul, com linha operada pela mesma empresa, a Viação São Francisco.

“Eram 20h40 no General Osório e tinha umas 7 pessoas pra embarcar na plataforma, mas o ônibus não passou mais. Precisei pegar outra linha e caminhar cerca de 3 km para chegar em casa. Não sei o que os outros fizeram, mas isso segue acontecendo”, conta o vendedor.

A precarização do funcionamento das linhas da região foi confirmado com base em uma tabela de motoristas obtida pelo site Ligados no Transporte, que aponta determinação de recolhimento de veículos até três horas antes do final da operação, de pelo menos 13 linhas – o que deixou a vida de quem mora na região basicamente caótica.

O documento traz, na segunda coluna, o número das linhas e, na quinta, o horário que foi recolhido – o que comprova que a redução dos horários não foi mero acaso. (Colaborou Gabriel Santos, do Ligados no Transporte)

Plano emergencial-financeiro

No final de abril deste ano, o Consórcio Guaicurus havia ingressado com ação judicial pedindo que a Prefeitura de a elaboração e implementação de um plano emergencial-financeiro, por alegação de perdas financeiras devido a queda de usuários no transporte público devido aos decretos municipais que estipularam restrições para embarque de passageiros durante a pandemia.

O pedido inicial era referente à concessão de liminar para que a Prefeitura de Campo Grande colocasse em prática o plano emergencial financeiro das quatro empresas que compõem o consórcio, sob alegação de que a limitação do número de passageiros nas linhas de ônibus da Capital – em decorrência da pandemia do novo – prejudicou o fluxo de caixa das empresas. Na peça, o Consórcio pontuou que o número de passageiros sofreu queda de 67%, com queda diária de quase 80 mil passageiros, após as restrições de transporte impostas pela Prefeitura de Campo Grande, o que teria afetado o fluxo de caixa das empresas.

O Consórcio também argumentou que, em 17 de abril, apresentou à Prefeitura ofício no qual destacou a necessidade da adoção de medidas urgentes pelo executivo municipal, do qual não teria obtido resposta. Assim, na ação, o consórcio alegou que, caso um plano emergencial financeiro não fosse apresentado pelo pelo município em cinco dias, o Consórcio paralisaria o serviço de transporte público, sem precisar data.

Porém, o juiz titular da 2ª Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos de Campo Grande, Ricardo Galbiati, manifestou-se em decisão interlocutória negando o recurso, considerando que “não cabe ao juízo determinar que o ente municipal elabore e coloque em prática um plano emergencial-financeiro, que em princípio depende de ato discricionário do Executivo Municipal com amparo do Legislativo, em sede de cognição incompleta e sem ter acesso às informações do impetrado”.

O Consórcio Guaicurus, representado pelo advogado André Borges, recorreu da decisão no 2º grau, mas sofreu nova derrota, quando o juiz de direito substituto em segundo grau, Luiz Antonio Cavassa de Almeida, considerou que o recurso “não se amolda a nenhuma das hipóteses de julgamento monocrático” e não concedeu a tutela antecipada.

“Inexiste nos autos qualquer informação em que consistem as medidas emergenciais e urgentes para beneficiá-la em razão de suposta queda de sua receita e situação financeira negativa, neste período de aproximadamente apenas 40 (quarenta) dias em razão do isolamento social, que ocasionou a redução de passageiros nos ônibus”, trouxe decisão monocrática assinada por Almeida.

Posteriormente, no início do mês, o Consórcio desistiu da ação sem julgamento do mérito, tanto no primeiro como no segundo graus. Vale lembrar que, diante da ameaça de suspender o serviço,  o prefeito Marquinhos Trad (PSD) pontuou que cumpre todas as determinações firmadas no contrato de concessão de serviço, assinado em 2012, e destacou que pelo contrato não é possível suspender unilateralmente a execução do serviço. “É obrigação do Consórcio Guaicurus. Estamos cumprindo tudo aquilo que o contrato determina pra gente”, concluiu.

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