Da crise à especulação imobiliária: vazios urbanos fomentam ‘periferização’ e ‘favelização’ da Capital
Bem na região central de Campo Grande, na Avenida Fernando Correia da Costa, uma grande área entre as Ruas Rui Barbosa e Pedro Celestino não tem edificações, apesar de todo seu entorno dispor da infraestrutura básica, como água, esgoto, energia elétrica, transporte público e demais serviços. A área representa o que urbanistas chamam de “vazio […]
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Bem na região central de Campo Grande, na Avenida Fernando Correia da Costa, uma grande área entre as Ruas Rui Barbosa e Pedro Celestino não tem edificações, apesar de todo seu entorno dispor da infraestrutura básica, como água, esgoto, energia elétrica, transporte público e demais serviços. A área representa o que urbanistas chamam de “vazio urbano ou subutilizada”, um desafio a ser enfrentado por cidades como Campo Grande.
Isso porque estes espaços sem nada construído não cumprem qualquer função social. Pior que isso: elas atrasam o desenvolvimento, já que é comum que estes terrenos sigam intocáveis até que a valorização do espaço possibilite mais lucro com a venda.
É bem aí onde mora o perigo. Uma cidade com grandes áreas de vazios urbanos acaba sofrendo outro fenômeno – a “periferização”, ou seja, a expansão das cidade para regiões sem infraestrutura. Foi o que correu em basicamente todos os bairros da cidade, a um custo muito alto.
Dos 35 mil hectares de área, cerca de 18 mil eram espaços vazios pelo menos até 2016, segundo apontou, na época, a promotora de justiça Andréia Cristina Peres, titular da 42ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, durante uma das audiências públicas para instituir o Plano Diretor da cidade. Segundo ela, os problemas decorrentes dos vazios resultam na falta de acesso a serviços.
“Por sermos um município muito grande, a infraestrutura não chega a todos os lugares. Determinados serviços básicos como coleta de lixo, correios, entre outros, tem bairro que não tem”, apontou.
A expansão dos limites urbanos sem o adensamento das regiões centrais encarece tudo, já que fica a cargo do município levar a infraestrutura já disponível no centro para as demais regiões. Implantação de redes de esgoto e de fornecimento de água, torres de transmissão de energia, redes de drenagem de chuva, asfalto, além de escolas e postos de saúde e atendimento de linhas de transporte público tornam-se necessários para desenvolver as regiões.
“No Centro já tem tudo isso, mas por ali ainda há muitos vazios, que ficam ao léu enquanto eles estão sendo valorizados no mercado. Só que todo mundo paga essa conta, já que o espaço está vazio e que só o proprietário é quem lucra, na hora de venda do imóvel. Sem ocupar os vazios, as pessoas acabam sendo empurradas para loteamentos na periferia, que ainda não dispõem de infraestrutura”, aponta a arquiteta e urbanita Neila Janes Viana Vieira, da Central de Projetos da Prefeitura.
Casa própria, mas longe do Centro
Moradora do Rita Vieira há 30 anos, a aposentada Dalva Fátima Cerqueira, de 67 anos, viu no loteamento a possibilidade de realizar o sonho de sair do aluguel. “Era meio difícil a gente chegar aqui. Não tinha asfalto, era tudo estrada de terra, não tinha nada que tem no Centro”, comenta. “Nosso maior sonho é o asfalto, né? Quando eu cheguei aqui a gente não tinha praticamente nada, só energia e água em algumas ruas. Isso já chegou, só que até uns anos atrás também não tinha internet. Era uma dificuldade só”, acrescenta.
O Rita Vieira é uma das aplicações do que é a periferização: mais de três décadas após o surgimento do loteamento, porém, continua sem o sonhado asfalto, apesar de haver sinalização para a implantação de pavimentação. Enquanto isso, o número de construções no bairro só aumentou – a região considerada promissora e atrai empreendimentos de alto padrão. Ainda assim, a região é carente de infraestrutura.
O mesmo processo ocorreu em outras áreas com densidade ainda maior, como as Moreninhas e o Aero Rancho – segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os bairros tem as maiores populações de Campo Grande e estão localizados nos extremos. E também seguem em expansão, já que também são áreas que atraem a construção de novas casas e prédios a preço mais em conta e inseridos em programas habitacionais.
Enquanto isso, o Centro parece ter abraçado seus vazios, sendo cada vez mais comum ver áreas abandonadas ou sem construções.
Da periferização à favelização
Relacionado ao fenômeno da periferização, está a favelização, que é o surgimento de ocupações irregulares, em áreas sem nenhuma infraestrutura. Tanto a crise econômica, desemprego, especulação imobiliária ao alto preço de aluguel influenciam nisso.
“Com essas condições desfavoráveis, as pessoas acabam ficando sem condição de adimplir com suas obrigações e acabam criando esses núcleos informais”, aponta Enéas Netto, diretor-presidente da Emha (Agência Municipal de Habitação de Campo Grande).
Segundo ele, a Capital tem pelo menos 10 ocupações irregulares que podem ser chamadas de favelas. Só de 2017 para cá, mais de 150 focos de invasões foram efetivamente combatidas pela agência e o déficit habitacional é de pelo menos 42 mil pessoas, conforme o banco de dados da Emha.
“Uma coisa que está relacionada a isso é que há alguns interesses políticos em fomentar essas ocupações. Nas áreas públicas, temos tido sucesso. Com forças-tarefas que reuniram várias pastas, cumprimos as determinações do MPMS (Ministério Público Estadual), na parte do Patrimônio Público, de impedir as ocupações irregulares. Mas, elas também ocorrem em terrenos particulares”, detalha Enéas.
Em Campo Grande, a propósito, as duas principais favelas estão em áreas particulares: a Samambaia, no Jardim Los Angeles, e a Homex, no Paulo Coelho Machado – ambas surgidas no segundo semestre de 2016. Neste segundo, mandado de reintegração de posse já foi expedido, aguardando o cumprimento.
A solução possível para atender a esse déficit é a construção de unidades habitacionais de cunho social, que atualmente depende de subsídio federal. Porém, mesmo quando os projetos saem do papel e tornam-se centenas de casas, ainda há outro desafio a ser superado: a corrupção dentro dos empreendimentos.
“Existe a cultura da venda das casas e é algo muito grave. Mas, qualquer agência habitacional fica engessada no processo de adotar medidas. Se nós conseguimos, por exemplo, coibir invasões. Mas, não temos como adotar medidas para impedir a venda das moradias de interesse social. Simplesmente porque essa fiscalização cabe ao órgão financiador”, detalha Enéas Netto.
O que ocorre, segundo ele, é que os bancos, como a Caixa Econômica Federal, não têm eficiência para tanto. “O que a gente acaba vendo é que as pessoas vendem e já há muitos casos em que a justiça deu ganho de causa a quem comprou, porque aos olhos da Justiça aquela pessoa conseguiu comprovar que era necessitada. A única maneira de impedir esses atos, a princípio, seria se a fiscalização dessas cartas habitacionais fossem feitas pelos municípios. Infelizmente, estamos engessados em relação a isso”, conclui.
Aluguel Social
Uma perspectiva do município é a adoção de estratégias ainda inéditas em Campo Grande, como o aluguel social. A modalidade consiste no pagamento de valor simbólico e subsidiado em moradias, preferencialmente nas regiões mais adensadas, como o Centro. O morador adquire o direito de habitar o imóvel, que é da prefeitura, como um locatário, pelo menos até que ele mude de perfil.
“Esta estratégia, além de ser mais engajada e sustentável, ela combate a periferização e da favelização. As fraudes que ocorrem com a venda de imóveis também tendem a acabar, já que a pessoa não poderá vender o local que aluga. A economia proporciona, por exemplo, que ela junte recurso para comprar uma casa. É algo que pode ser muito aperfeiçoado. É uma tendência mundial que vamos trazer a Campo Grande”, aponta Eneas.
Alguns exemplos desse “combo” eclodiram na última semana, com o anuncio da intenção do município de transformar o antigo Hotel Campo Grande, no Centro, em 119 moradias populares de até 30 m², em modalidade de aluguel social. Além desse, a Vila dos Idosos, próximo ao Horto Florestal, terá 40 apartamentos – também como aluguel social – voltado a idosos e já está com a licitação prestes e a ser lançada.
A propósito: o terreno citado no começo da reportagem, na Avenida Fernando Correia da Costa, já foi desapropriado pela Prefeitura. A intenção é que seja destinado para moradia, pela iniciativa privada, mas com mais uma unidade de Vila dos Idosos. “A Emha quer construir no Centro, ou possibilitar isso. É algo que está no Estatuto das Cidades, no nosso Plano Diretor, e que deveremos seguir”, conclui Enéas Netto.
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