Considerada a ‘carteira de identidade’ do Estado, a Constituição de Mato Grosso do Sul chega aos 40 anos em 2019. Com o desenvolvimento das últimas quatro décadas, várias mudanças precisaram ser feitas na lei maior que guia a nossa federação. O Jornal Midiamax fez um levantamento sobre as alterações propostas e colocadas em prática na Constituição nos últimos 40 anos quando o assunto é Saúde, Educação e Segurança.

Em outubro de 1977, o então presidente do Brasil, Ernesto Geisel, assinou a Lei Complementar 31, que desmembrou Mato Grosso do Sul do vizinho Mato Grosso. Enquanto o novo Governo do recém-criado Estado não era definido, uma Constituinte composta por deputados foi definida a partir da eleição de 18 nomes em novembro de 1978. A Assembleia Constituinte teve início em janeiro de 1979.

Em março de 1979, o engenheiro Harry Amorim Costa foi nomeado governador de Mato Grosso do Sul e meses depois a primeira Constituição Estadual foi promulgada, em 13 de junho de 1979, dois anos depois da divisão. Em 1989, uma segunda Carta Magna estadual foi promulgada em consequência do processo de redemocratização do Brasil, oficializado nacionalmente um ano antes.

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Placas relembram personagens que participaram da promulgação da Constituição de MS (Foto: Leonardo de França/Midiamax)

Saúde

Começando pela Saúde, ao todo, oito artigos definem quais são os direitos dos sul-mato-grossenses e os deveres do Poder Público para garantir que todos tenham acesso aos serviços. Desde a criação da Constituição, em 1979, três emendas à Constituição foram aprovadas, mas duas delas acabaram perdendo o efeito este ano.

A primeira alteração ocorreu em 1999 no texto dos parágrafos 2º e 3º do Artigo 173. Os textos detalham que portadores de doenças como hanseníase, câncer e renais crônicos que sejam comprovadamente carentes têm transporte público gratuito garantido pelo Estado e Município. A gratuidade prevista pela Constituição seria intermunicipal ou municipal.

Na emenda publicada em julho de 1999, definiu-se que o transporte público só seria intermunicipal e garantido pelo Estado, excluindo, dessa forma, a obrigação dos municípios com o custeio. A mudança ficou em vigor por quase 20 anos, mas em abril de 2019 o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a mudança inconstitucional e, desde então, os custos, pelo menos na teoria, são de responsabilidade novamente do Estado e das prefeituras.

Outra mudança na Constituição aprovada e promulgada é de 2007 e está em vigor até hoje. Um terceiro parágrafo foi incluído no mesmo artigo que trata sobre a gratuidade do transporte dos doentes. O Estado adicionou trecho que prevê gratuidade do transporte também para terapias complementares, além do tratamento em si. 

Se antes os sul-mato-grossenses só tinham passagem gratuita para o tratamento da doença, essa alteração na Constituição permitiu que o benefício fosse estendido também para deslocamentos até sessões de fisioterapias e assistência psicológica, por exemplo. 

Florêncio Escobar, presidente Conselho Estadual de Saúde – uma das entidades que acompanha e fiscaliza a aplicação das políticas públicos no setor – afirma que nas últimas décadas a evolução foi considerável na prática das leis na saúde, no entanto, ainda há muito o que avançar. 

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Presidente do Conselho Estadual de Saúde, Florêncio Escobar (Foto: Arquivo Pessoal)

“Nós participamos das discussões e somos um conselho deliberativo, sendo assim, podemos definir diretrizes que serão executadas pelo Poder Público. Muito se avançou nesses últimos 40 anos, mas temos que continuar cobrando e fiscalizando”, explica Florêncio.

Segundo o presidente do Conselho, a organização popular para acompanhar se tudo que consta na Lei Maior do Estado é cumprido faz toda a diferença para que a saúde seja eficaz para os sul-mato-grossenses.

Educação 

Nas leis que tratam sobre a Educação dos sul-mato-grossenses, três emendas constitucionais foram aprovadas nos anos de 1997 e 2011. A primeira mudança foi no texto do Artigo 198, que definiu, a partir de 1997 que “a manutenção e o desenvolvimento do ensino do Estado far-se-á mediante a aplicação dos dispositivos contidos na Constituição Federal”. 

A alteração, na época, aconteceu porque deputados identificaram que uma série de mudanças, em relação ao orçamento destinado para a Educação, ocorriam na Constituição Federal e, por isso, o Estado deveria estar “ajustado” aos parâmetros federais.

Outra emenda à Constituição foi aprovada em 2011 e mudou trecho de oito artigos que tratam sobre educação. No Artigo 189, a mudança foi passar de 7 para 6 anos o início obrigatório das crianças nas escolas de nível fundamental. A mudança seguiu normas do MEC (Ministério da Educação) e também passou a valer para todo o país, após decisão do STF, no ano passado.

Vários trechos do artigo 190, que trata sobre as obrigações do Estado em relação à Educação, também foram alterados por conta da mesma mudança de 2011. Limitar a faixa etária de 4 a 17 anos para educação básica obrigatória, por exemplo, foi uma delas. Anteriormente, a idade não era citada na constituição. 

Idade também foi assunto da mudança sobre atendimento de crianças em creches e pré-escolas. Há 40 anos, a idade limite para permanência das crianças nessas unidades era 6 anos, desde 2011 a idade máxima ficou em 5 anos. 

Houve também inclusão de outros três parágrafos no mesmo artigo. Os textos detalham, entre outras coisas, a oferta de EJA (Educação para Jovens e Adultos), vagas em escola da educação infantil ou ensino fundamental mais próximas da casa do aluno e obrigação de pais ou responsáveis fazerem matrículas de crianças a partir dos 6 anos no ensino fundamental.

A terceira emenda constitucional sobre Educação foi publicada em 2014 e também incluiu parágrafo no Artigo 190. Na época, ficou definido que o ensino em tempo integral para alunos do ensino fundamental começaria a ser oferecido de forma progressiva. Até o início de 2019, conforme a SED (Secretaria Estadual de Educação), 57 escolas ofereciam ensino de tempo integral em Mato Grosso do Sul. 

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Pesquisadora em Gestão da Educação, professora fala sobre impactos das mudanças (Foto: Reprodução/Youtube)

Professora doutora visitante na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e vice-presidente da região Centro-Oeste da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), Maria Dilnéia Espíndola Fernandes explica que as emendas constitucionais relacionadas à Educação no Estado são resultado, em sua maioria, de mudanças no cenário nacional e até internacional.

“Elas resultam de grandes articulações internacionais por diversos agentes, instituições, entidades e sujeitos que objetivam ampliar o direito à Educação, tendo como centro a Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

Para a professora que tem como objeto de pesquisa a gestão e também o financiamento da Educação básica, as mudanças na Constituição impactam em políticas públicas que, no fim do ciclo, “materializam o direito à Educação, que tem como palco a escola, as salas de aula”.

Condições socioeconômicas das famílias e aspectos regionais, por exemplo, também são levados em conta nas discussões e tratativas até internacionais que provocam as propostas que podem, ou não, culminar em uma mudança na Lei Maior do Estado.

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Governador Harry Amorim empossado meses antes da promulgação da Constituição da MS (Foto: ALEMS)

Segurança 

Sobre a segurança pública, assunto cada vez mais no topo da preocupação dos sul-mato-grossenses, foram três emendas constitucionais aprovadas nos últimos 40 anos. A primeira delas, publicada em 2012, alterou um parágrafo e acrescentou outro no Artigo 44.

A alteração foi no trecho que define as atribuições de delegados de polícia, até 2012, era estabelecido que os delegados seriam integrantes da Carreira do funcionalismo conforme previsto pelo Artigo 241 da Constituição Federal. Este último trecho que trata sobre o artigo da Constituição federal, no entanto, foi retirado no novo texto da Constituição do Estado. A mudança aconteceu aqui no Estado porque o artigo da Constituição Federal também sofreu alterações. Outro parágrafo incluído por força da mesma emenda definiu que o cargo de delegado de polícia passou a integrar “as carreiras jurídicas do Estado”.

Em 2014, outra mudança no setor da Segurança foi colocada em prática após publicação de Emenda à Constituição. Foi acrescentado parágrafo único no Artigo 41 que garantiu a policiais civis, militares e do Corpo de Bombeiros cobertura integral de despesas hospitalares e tratamento médico em caso de acidente ocorrido durante a atividade profissional. Nesta alteração, foi incluído o custeio integral das despesas em caso de acidentes em confronto e até em treinamentos feitos pelos militares.

A última emenda constitucional sobre o tema se deu em 2015 e alterou trecho do artigo 47 que define as atribuições de policiais militares. Até então, a guarda externa de presídios era de função exclusiva, conforme a Constituição, de PMs. Com a mudança, o trabalho de guarda externa passou a ser legal também para agentes penitenciários estaduais. 

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Edgar Marcon é especialista em segurança (Foto: Arquivo Pessoal)

Ex-superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, Edgar Marcon é especialista em segurança e ressalta a importância de políticas públicas, que precisam seguir à risca a Legislação prevista na Constituição Estadual para garantir que os cidadãos vivam em um Estado mais seguro possível.

“Quanto mais a política e o planejamento do Governo nessas áreas for feito, melhor será para os cidadãos. A insegurança tem vários fatores, e todos eles passam pela necessidade da população. Nós temos em nosso meio social criminosos habituais e um criminoso eventual, às vezes um crime de trânsito, por exemplo, ocorre quando o Estado não está presente”, afirma Marcon.

Em relação às alterações feitas na Constituição nos últimos anos, o especialista afirma que é fundamental o aprimoramento do Estado para combater a violência. “Quando um policial vai para rua trabalhar, por exemplo, ele precisa ter a tranquilidade e um arcabouço jurídico por trás que tanto o resguarde em caso de uma ação legítima, quanto o reprima em caso de uma atitude que venha a ser apurada”, comenta Marcon sobre a mudança na Constituição citada pela reportagem sobre a cobertura integral de tratamento aos policiais em caso de acidente durante o trabalho. 

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Sistema permite consulta de emendas de 40 anos atrás até hoje (Foto: Reprodução/ALEMS)

Mudanças transparentes

Desde a publicação da Constituição Estadual em 1979 até este mês de outubro de 2019, 160 Projetos de Emenda Constitucional foram protocolados na Assembleia Legislativa. Os dados constam no Sistema Gestor de Processo Legislativo da Casa.

Entre as propostas, há projetos protocolados pelo Executivo e por vários deputados que passaram pela Casa de Leis nas últimas quatro décadas. A primeira proposta de alteração na Constituição foi protocolada meses após a publicação da “carteira de identidade” do Estado.

Em novembro de 1979, o então deputado Onevan de Matos propôs que o Artigo 14 da Constituição fosse alterado. O texto da mudança estabelecia que as datas para reunião anual na Assembleia Legislativa ocorressem de março a junho e de agosto a dezembro. O texto original da Constituição prevê até hoje a reunião anual iniciando em fevereiro de cada ano. O primeiro pedido de alteração acabou arquivado no fim do mês de novembro daquele ano.

Do início de 2019 até agora, conforme o sistema de busca de projetos, seis Projetos de Emenda Constitucional foram protocolados pelos deputados. Destas, quatro estão tramitando, uma foi arquivada e a sexta foi rejeitada pelo plenário.

A consulta de todos projetos, incluindo as propostas de emenda à Constituição Estadual, pode ser feita por qualquer cidadão neste link. Nele é possível pesquisar toda atuação dos deputados que inclui ofícios, emendas, projetos de lei, requerimento, moções e outros atos. 

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Foto: Leonardo de França, Midiamax

O caminho da emenda

Conforme o regimento interno da Assembleia Legislativa, as emendas podem ser propostas por três agentes: o governador do Estado, um terço dos deputados e também por mais da metade das Câmaras Municipais. Nesse último caso, inédito em Mato Grosso do Sul, cada Câmara precisaria ter a maioria de votos favoráveis à emenda para que o texto seguisse para apreciação dos deputados. 

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Depois de protocolada, a proposta é discutida e votada em dois turnos, a aprovação só é considerada caso haja dois terços dos votos dos parlamentares nas duas votações. Após a aprovação, a proposta é publicada no Diário Legislativo e em 48 horas uma Comissão Especial de Reforma Constitucional composta por cinco membros é instaurada.

Após a publicação oficial, a emenda permanece aberta para receber sugestões dos deputados durante 10 sessões ordinárias. As propostas podem ter, ou não, relação com o assunto principal proposto no texto inicial.

Na sequência, após o fim do prazo das 10 sessões, o presidente da Assembleia anuncia quais sugestões foram feitas para serem incluídas na proposta de emenda e o texto final segue para análise da CCJR (Comissão de Constituição, Justiça e Redação), que em 10 dias dá parecer sobre a proposta.  

Com o parecer da CCJR, a proposta passa a ser apreciada em plenário em primeira e segunda votações. Os deputados precisam votar nominalmente contrários ou favoráveis ao texto final da emenda. Com a aprovação, o projeto volta para análise da Comissão Especial de Reforma Constitucional que tem 10 dias para emitir parecer sobre o texto. Após o parecer da comissão, a proposta volta para segunda votação no plenário da Assembleia. 

Nesta segunda votação, a análise dos deputados é feita artigo a artigo. Se for aprovado, o projeto volta para a Comissão Especial que redige o texto final da emenda em até 48 horas. Com aprovação publicada em diário oficial, a emenda começa a valer. Todos projetos de emenda à Constituição são analisados pela SALJ (Secretaria de Assuntos Legislativos e Jurídicos).

Quer acessar a íntegra da Constituição de Mato Grosso do Sul atualizada com todas as emendas aprovadas até hoje? O documento está disponível neste link.