Os processos por dano moral viraram um problema para o sistema Judiciário de Mato Grosso do Sul nos últimos tempos. Em sua maioria, as ações são relacionadas aos empréstimos consignados e estão sobrecarregando os tribunais, gerando um alerta.

De acordo com o desembargador Luiz Tadeu Barbosa da Silva, o sistema financeiro perdeu o controle nos contratos dos empréstimos consignados e isso gera falha na prestação do serviço facilitando a chamada indústria do dano moral.

“Os bancos muitas vezes não têm o contrato do serviço, nem comprovante do depósito feito na conta do aposentado, e isso é um problema. Nos últimos 15 anos o pais tem fomentado o empréstimo consignado e isso virou mina de ouro para os agentes financeiros”, contou.

Com o excesso de bancos para financiamento, criou-se um sistema de agentes financeiros, já que a maioria não tem nem sede própria. Esses agentes de alguma forma conseguem os dados dos aposentados diretamente no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), com esses dados eles dão início ao contrato que, muitas vezes, por se tratarem de indígenas e idosos, são assinados apenas com a digital sem nem saber do que se trata.

Com os dados, e a assinatura, a contratação se torna legitima, claro, se houve o depósito do valor na conta do aposentado contratante.

Mas o que acontece é que as financeiras perderam o controle, principalmente por fazer uso desses agenciadores, que muitas vezes provocam fraude, falsificando inclusive assinaturas. “Na maioria dos casos, não existe nem mesmo o contrato que comprove a contratação do serviço. E nesses casos há sim o dano, principalmente se o depósito não foi feito na conta do contratante”, disse o magistrado.

Ele ainda conta que quando a ação a pessoa entrava apenas com uma ação, o tribunal concedia até R$ 10 mil por conta do dano. “O valor era fixado para que o banco acordasse. Era um alerta de olha vocês estão cometendo um erro. Está tendo falha no serviço. O aposentado, que é o alvo principal dos consignados vive daquele valor X de aposentadoria, então fica difícil quando começa a descontar sem ele ter contratado o serviço. Mas o que acontece é que agora existem 20, 30, 40 demandas da mesma pessoa e pelo mesmo motivo, isso gera, além de uma sobrecarga no judiciário, uma indústria de danos morais. Virou a ação da moda”.

O magistrado ainda alerta “graças ao sistema pernicioso, em que não há fiscalização por parte das financeiras, o indígena e os outros aposentados estão sendo usados”.

“O que acontece é que muitas vezes a pessoa também não está atenta às suas contas. É preciso um cuidado aí, se o banco apresenta o contrato e comprova que o valor foi depositado na conta do cliente, isso não configura dano. Mas muitas vezes essas pessoas não guardam seus contratos e não prestam atenção às suas contas, então a culpa também é dela”.

Suposta máfia

Luiz Tadeu, explicou que quando uma pessoa entra com uma ação por danos morais, o advogado tem um ganho de 20% sobre o valor. O que significa que se uma pessoa entra com 20 ações, e ganha todas, a defesa terá a porcentagem de cada uma delas. Mas que a suposta máfia viria de agentes financeiros fraudadores.

“Se ele entra com uma ação, e recebe indenização de R$ 5 mil, R$ 1 mil é do advogado. Então se ela entra com mais ações, imagina o ganho? São poucos escritórios que cuidam disso, levando em conta que no estado existem cerca de 80 mil demandas desse tipo, cada escritório ficaria com 15, 20 mil ações. Só no município de Iguatemi são 4 mil ações, pensa uma cidade de 14 mil habitantes ter esse tanto de demanda por dano moral, é absurdo. Mas o advogado está fazendo o trabalho dele. Se existe a demanda, é porque a fraude está acontecendo”, disse.

Na aldeia, o indígena muitas vezes é levado por um chamado ‘Capitão da Aldeia’, até esses escritórios, lá ele faz uma procuração para esse advogado e o mesmo entra com a ação. “Já existe uma investigação sobre esses casos, um deles chegou a confessar que recebia R$ 100 por clientes, então a coisa é muito maior do que aparenta”.

Impunidade

Quando o banco comprova que houve legalidade no empréstimo, através do contrato ou do comprovante do depósito, o juiz pode condenar o requerente da ação em litigância de má fé, impondo a ele o pagamento de multa de 5% da causa. Mas mesmo assim há impunidade.

“A justiça impõe essa multa, mas por ser contratante da justiça gratuita, essa pessoa se enquadra na miserabilidade jurídica, ou seja, entende-se que ela não tem condições para pagar, e acaba ficando elas por elas”, explicou o desembargador.

Indústria do dano moral

Depois de 36 ações por danos morais, de uma mesma pessoa em Miranda, a 200 quilômetros da Capital, o desembargador Luiz Tadeu decidiu reduzir o valor da indenização de R$ 5 mil para R$ 500. 

O magistrado alegou que embora exista a responsabilidade civil, a situação da autora seria de deslumbramento, motivo pelo qual reduziu a reparação moral, sob pena de enriquecimento sem causa da autora, que já totaliza mais de R$ 100 mil com as ações julgadas, e não descarta que novas ações sejam ajuizadas.

Na ocasião ele afirmou ainda, segundo o TJMS, que não se pode estimular a indústria do dano moral.