O longo caminho da cura: usuários de pasta base são maioria nas clínicas de reabilitação

Vencer a dependência química em pasta base é uma tarefa árdua e uma missão impossível para muitos doentes. Droga mais barata das ruas, o “lixo da cocaína” vicia facilmente e arrasta o usuário para o fundo do poço. Nas clínicas de reabilitação de Campo Grande, os viciados em base já são a maioria entre os…

Arquivo – 26/07/2018 – 18:10

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Vencer a dependência química em pasta base é uma tarefa árdua e uma missão impossível para muitos doentes. Droga mais barata das ruas, o “lixo da cocaína” vicia facilmente e arrasta o usuário para o fundo do poço. Nas clínicas de reabilitação de Campo Grande, os viciados em base já são a maioria entre os internos.

Na quarta reportagem da série especial sobre a pasta base de cocaína, o Jornal Midiamax conversou com clínicas e centros terapêuticos que oferecem reabilitação.

“É uma missão de Deus”, define Marli Mattos, de 53 anos, que atualmente trabalha como presidente do Cadri (Centro de Apoio a Dependentes em Recuperação) e deixou para trás o trabalho como corretora de imóveis para dedicar a vida à recuperação de usuários de drogas.

O centro conta com 20 ‘acolhidos’, termo que a representante do Cadri prefere que defina os homens que se recuperam.

“É muito difícil não ser usuário de pasta base. A maioria deles é usuário porque a pasta base é o carro-chefe de Mato Grosso do Sul”, disse Marli sobre os usuários que buscam a recuperação.

Na Clínica Carandá, unidade que conta com 30 pacientes em processo de recuperação, a maioria é usuária da pasta base. “Dá para afirmar que 80% dos rapazes que tratamos eram usuários da pasta base”, relatou Evandro da Cunha, que dedica seu tempo em trabalho na clínica há 13 anos e hoje atua como assistente e coordenador do local.

Também ocupando um posto na coordenação do ‘Esquadrão da Vida’, centro terapêutico especializado na recuperação de mulheres, Gisele Ribeiro, de 35 anos, foi usuária de pasta base e hoje vive para ajudar outras vítimas dessa droga.

“A maioria aqui eram usuária de pasta base. Das 21 meninas, 18 usavam e vieram da rua”, pontuou Gisele, que está ‘limpa’ há 2 anos. A história da ex-moradora de rua você vai ler nesta sexta-feira (26) em nova reportagem do Jornal Midiamax da série sobre pasta base.

Longe da ‘cidade grande’

O longo caminho da cura: usuários de pasta base são maioria nas clínicas de reabilitação
Acolhidos se reúnem durante a tarde | Foto: Marcos Ermínio

Procurando por ajuda, os dependentes que saem inclusive do interior e vêm até a Capital, permanecem nas unidades por livre e espontânea vontade. Longe de qualquer perturbação, os acolhidos repousam e refletem sobre a vida em lugares longe do transtorno da cidade.

Como o ‘Esquadrão da Vida’, que fica localizado em um sítio na Chácara dos Poderes. Por lá, as acolhidas aproveitam a tranquilidade do lugar para ensinar novas rotinas às meninas. “Aqui temos horários para tudo, para levantar, temos horários de estudos, reuniões com as famílias, cronologias, etc’, contou Gisele, que atua como coordenadora de estudos.

A reportagem visitou o Cadri, que atualmente está localizado em uma chácara distante do centro da Capital, localizada às margens da MS-040. Em um lugar onde o sossego prevalece, os acolhidos desfrutam de pequenas rotinas para dar continuidade ao tratamento.

“Aqui ninguém obriga eles a ficar, é um tratamento voluntário. Eles só permanecem na chácara até quando eles quiserem. A cerca é de arame liso, a porteira é sempre aberta, então eles têm essa liberdade”, explicou Marli.

Vulneráveis à abstinência

O longo caminho da cura: usuários de pasta base são maioria nas clínicas de reabilitação
Foto: Marcos Ermínio

Nas três clínicas e centro terapêuticos ouvidos pelo Jornal Midiamax, a dificuldade apontada durante o tratamento dos pacientes foi a mesma: abstinência da droga. Nos primeiros meses do tratamento os usuários precisam tirar forças até de onde não têm para poder resistir e concluir a reabilitação.

Marli, que trabalha há 13 anos na recuperação de pessoas viciadas, detalha que a desistência dos acolhidos é comum, pois a abstinência da pasta base costuma, por muitas vezes, ser mais forte que a vontade de se recuperar.

“Já teve pacientes que tiveram recaídas e se ele não se fortalece espiritualmente, ele não aguenta. Costumamos orientar para que eles se afastem daqueles ‘amigos’, procurar evitar ao máximo certos tipos de lugares”, disse.

Fora do mundo das drogas e dedicando o seu tempo na recuperação de outras pessoas, Gisele comenta que, na primeira vez que se internou para se livrar do vício da pasta base, não resistiu e retornou às ruas.

“A abstinência é o maior desafio. Quando procurei ajuda eu fiquei por três meses e fugi para a rua. Só depois de uns meses que fui resgatada e voltei. Então, é bem difícil, tem que ser forte”, revelou Gisele.

Na Clínica Carandá os casos de desistência durante o tratamento também acontecem, pois, assim como nas demais unidade, a internação é voluntária. “As fissuras são as abstinências. Eles não conseguem lidar com algumas frustrações, por isso ocorrem as recaídas”, contou Evandro.

Papel profissional e familiar

Nas clínicas e centros terapêuticos as presenças de profissionais são fundamentais para evitar que as recaídas dos pacientes aconteçam durante o tratamento. Enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, médicos, nutricionistas, terapeutas, ajudam diariamente na luta para o combate do vício da pasta base.

O auxílio da parte profissional é essencial na recuperação e socialização dos pacientes, mas a forma indispensável, sem dúvidas, é a participação da família.

“A presença da família é essencial na recuperação deles. Lá [no Cadri] abrimos uma visita por mês e deixamos disponível duas ligações por semana para que eles possam falar com os familiares”, explicou Marli.

Além dessa abertura dos acolhidos para os familiares, o Cadri tem uma ação dentro do programa de recuperação, que se chama “Amor persistente”, que é quando integrantes da família são convidados a irem até a chácara participar de uma reunião de orientação.

“As famílias precisam ter conhecimento do tratamento e como lidar com o parente no pós reabilitação, por isso oferecemos essa aproximação”, afirmou.

A recuperação dos pacientes ou acolhidos, é relativo, dependendo de cada clínica ou centro terapêutico. Variando de 6 a 9 meses, ou até um ano, os locais são o porto seguro de quem busca se reerguer e superar a dependência química.

“Ninguém acredita nos usuários, ninguém acredita no ‘noiado’ que está na rua. E as pessoas têm que entender que isso é uma doença e tem cura”, finalizou Gisele.

Confira as reportagens da série especial sobre pasta base de cocaína

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