Enquanto uma carteira de cigarro Marlboro custa R$ 8,50 no comércio legal, uma de Fox, cigarro “made in Paraguai”, custa R$ 3 nas banquinhas espalhadas pelas ruas de Campo Grande. Em alguns comércios, esse valor é mais alto do que o encontrado há algumas semanas, antes da deflagração da Operação Oiketicus, que 21 prendeu policiais militares envolvidos na “Máfia dos Cigarreiros”.

Se para muitas pessoas o envolvimento de policiais militares, principalmente, os de alta patente no esquema foi uma surpresa, para quem vende o cigarro ilegal, a participação de policiais era algo certo. E, não somente no recebimento de propina para a liberação das carretas carregadas de contrabando nas estradas e rodovias do Estado.

Na época em que a “Máfia dos Cigarreiros” ganhou notoriedade, em dezembro do ano passado, sete policiais militares foram presos por, supostamente, cobrarem propina de R$ 150 mil para a liberação de caminhões com carga ilegal. Na data, ainda não era citada a participação de oficiais diretamente ligados ao contrabando de cigarro, que entraram na mira das autoridades, após investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado).

“Eu já sabia”

Alguns vendedores contam que a participação dos policiais corruptos no comando da “Máfia dos Cigarreiros” era certa e dizem que os policiais cigarreiros até mesmo “derrubavam” concorrentes.

Os rivais seriam pessoas que atravessavam a fronteira e voltam com o carro cheio de caixas de cigarros para revender. Eles eram “derrubados” pelos policiais na fronteira, que apreendiam as cargas, que estavam longe de ser as que mais abasteciam o comércio ilegal.

Ou seja, a repressão ao delito só funcionava para alguns. Os vendedores apontam ainda que muitas vezes a polícia divulgava aos jornais a apreensão de pequenas cargas para disfarçar e aparentar fiscalização operante nas fronteiras.

Economia: a formação do preço do cigarro ilegal

Uma vendedora diz que aumentou o preço da carteira de Fox para R$ 3 há poucos dias. “Esse rapaz mesmo, que veio comprar agora, não comprava há dias porque aumentei o preço. Mas, não tem o que fazer. Tinha gente vendendo mais barato ainda, pois, tinha estoque antigo, mas, agora, que todo mundo aumentou, eles [cliente] veem que não podemos fazer nada e voltam a comprar”, diz.

Segundo a comerciante, os preços são influenciados por uma série de fatores. O pacote de cigarros, com dez carteiras chega para ela, com valores entre R$ 16 e R$ 18.

“Toda vez que [a polícia] começa a apreender muito, o valor sobe, como aconteceu agora. O dólar também influencia. Se o dólar aumenta, eles [fornecedores] também aumentam o preço para a gente. Às vezes, o preço ainda nem aumentou para eles [para quem fornece], eles já vendem mais caro para a gente”.

A comerciante diz que para vender cigarros brasileiros precisaria de CNPJ e que o lucro para ela, seria de menos de 10%. Com os cigarros “made in Paraguai”, é possível o lucro de até 40% no comércio.

Em outra banca, em um local bem movimentado da Capital, o vendedor diz acreditar que os comerciantes são a terceiro ou quarto nível do esquema.

“A gente não tem contato com quem está lá em cima. Somos o terceiro o quarto na hierarquia. Pegamos dos “caras de moto”, que pegam de outros e de outros.

Para ele, o pacote de cigarros, com dez carteiras, chega custando R$ 14. Na banca, o pacote inteiro é vendido ao consumidor final por R$ 18, sendo que cada maço individual custa R$ 2,50. “Para o cara que puxa custa uns R$ 9 cada pacote e ele vende para mim por R$ 14”.

“É muito caro [o cigarro legal]. É muito imposto, é gasolina cara. O pessoal prefere comprar esse. Não tem um tipo não, todo mundo compra. Tenho clientes que são até policiais”.

Outro vendedor diz que não esperava que policiais militares de alta patente estivessem envolvidos no esquema da venda de cigarros estrangeiros.

“A gente sabe que tem policial envolvido, porque, para passar [pela fronteira], tem que ter uma facilidade. Mas, eu não imaginava que um ‘cara’ desses [oficial] estivesse envolvido. O ‘cara’ estudou, fez cursos, está com a vida garantida na polícia e vai se envolver com isso, com uma coisa ilegal. Acho que não vale a pena. Ficou queimado para sempre”.

Cigarros são fabricados pelo presidente do Paraguai

Nas ruas de Campo Grande, as principais marcas de cigarros ilegais são o Fox e o Eight. O segundo é hoje a marca de cigarro mais vendida no Brasil e é fabricada pela Tabacalera del Este, empresa de propriedade do presidente paraguaio Horacio Manuel Cartes Jara, do partido Colorado.

O setor de cigarros possui uma das maiores cargas tributárias do País. Os impostos do setor chegam a representar 80% do valor de um maço de cigarros, enquanto que no Paraguai, os impostos pagos pelos fabricantes de cigarros são de apenas 16%.

​Mato Grosso do Sul, que faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai, é um dos maiores ‘corredores’ de entrada e distribuição de cigarros, eletrônicos, medicamentos, além de drogas e armas, que seguem para outros estados.

“Máfia dos Cigarreiros”

Em dezembro de 2017, sete policiais militares foram presos suspeitos de participação no esquema de cobrança de propina no esquema dos cigarreiros. Dois policiais militares, um sargento e um cabo, foram presos suspeitos de cobrança de R$ 150 mil para liberar um caminhão.

Cinco dias depois, outros cinco policiais militares entraram na mira da Corregedoria da PM por cobrança de propina de “cigarreiros” e tiveram os mandados de prisão expedidos e cumpridos. Os militares passaram por audiência de custódia no dia seguinte e a Justiça Federal impôs fiança milionária.

Operação Oiketicus

O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) voltou as ruas na manhã desta quarta-feira (23) em continuação a Operação Oiketicus que é deflagrada em Campo Grande. Na primeira fase 21 militares foram presos, dentre oficiais e praças.

A investigação teve início em abril do ano passado, quando a corregedoria da Polícia Militar repassou aos promotores denúncias sobre “rede de policiais militares, maioria da fronteira, possivelmente envolvidos em crime de corrupção e organização criminosa”. Os promotores reforçam que militares de diferentes patentes e regiões do Estado se associaram para facilitar o contrabando.

Em troca, os militares recebiam altas quantias em dinheiro para fazer “vista grossa” e até repassar informações sigilosas aos contrabandistas. Em alguns casos, os PMs sequer iam para a rodovia fazer a fiscalização, evitando, assim, contato com as cargas de cigar

Os mandados tiveram como alvo residências e locais de trabalhos dos investigados, distribuídos nos municípios de Campo Grande, Dourados, Jardim, Bela Vista, Bonito, Naviraí, Maracaju, Três Lagoas, Brasilândia, Mundo Novo, Nova Andradina, Boqueirão, Japorã, Guia Lopes, Ponta Porã e Corumbá.

Todas as cidades fazem parte da chamada ‘rota cigarreira’, que integra rodovias, estradas e cabriteiras usadas para transportar cigarros produzidos no Paraguai e vendidos ilegalmente nas ruas de cidades brasileiras a preços bem menores que os oficiais, por não pagar impostos.