‘Máfia dos cigarreiros’ usa MS como corredor e tem 48% do mercado
Reportagem levantou números baseados em dados de empresa legal
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Reportagem levantou números baseados em dados de empresa legal
Um esquema milionário que supostamente opera ilegal e livremente todos os dias nas rodovias e estradas de Mato Grosso do Sul é responsável pelo abastecimento de quase a metade do mercado brasileiro de cigarros. Mesmo com o recorde de apreensões em 2017, e escândalo envolvendo a prisão de policiais militares de MS suspeitos de cobrar propina em uma carga, o contrabando é o terceiro maior fornecedor do produto no Brasil.
A reportagem considerou as 15 fabricantes autorizadas e listadas pela Receita Federal a operarem no país e a concorrência desleal contra as duas maiores. Marcas ilegais já atingem 48% do mercado nacional, conforme dados do ETCO (Instituto Brasileiro da Ética Concorrencial) e FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade).
Mato Grosso do Sul, que faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai, é um dos maiores ‘corredores’ de entrada e distribuição de cigarros, eletrônicos, medicamentos, além de drogas e armas, que seguem para outros estados e em muitos casos para conexões internacionais.
Na base da propina
A base para manter um esquema gigantesco em funcionamento é a corrupção de agentes públicos. No dia 6 de dezembro, por exemplo, o DOF (Departamento de Operação de Fronteira) interceptou uma carga de 410 mil pacotes de cigarros, divididos em 8 carretas.
A quantidade, avaliada em R$ 10 milhões, foi considerada a maior apreensão no Estado em 2017. Os policiais também encontraram quase R$ 33 mil, em dinheiro, com os motoristas presos, que possivelmente seriam destinados ao pagamento de propinas durante o trajeto da carga em estradas e rodovias sul-mato-grossense. Cinco condutores abandonaram as cargas e conseguiram fugir.
A apreensão elevou, consideravelmente, o resultado do balanço das apreensões de todo o ano, que subiu de 458.162 no ano de 2016 para 1.222.824 pacotes em 2017, um aumento de 166,90%, segundo o Departamento.
O ETCO e FNCP apontam que, diante da crise no país e aumento de impostos, o cigarro ilegal é com um substituto do cigarro legal, pois quando o preço do produto autorizado sobe, o contrabandeado supre a demanda com cigarros mais baratos. Grande parte do cigarro ilegal que entra no Brasil é produzida no Paraguai, onde o próprio presidente, Horácio Cartes, é dono da maior fábrica.
Lá, a tributação sobre os fabricantes é de apenas 16%, distante dos mais de 80% que são cobrados no Brasil. Esta diferença tributária é o que garante aos produtos ilegais preços inferiores aos dos produtos legais. Cigarro paraguaios, por exemplo, custam em média R$ 3 e R$ 4, enquanto os brasileiros variam entre R$ 8 e R$ 15.
O presidente do ETCO e FNCP, Edson Vismona, ressalta que o déficit causado pelos baixos preços do cigarro ilegal impede investimentos. “O déficit causado pelo contrabando é altíssimo. A indústria legal é penalizada e o país deixa de arrecadar recursos que poderiam ser investidos em outras áreas, inclusive na segurança”, explicou Vismona.
Autorizadas, concorrente desleal e perigo à saúde
A Receita Federal atualizou em 2016, uma lista com 15 empresas fabricantes autorizadas a operar no país, sendo as três primeiras: Souza Cruz S/A, Philip Morris Brasil Indústria e Comércio Ltda e Golden Leaf Tobacco Ltda.
O FNCP estima, que atualmente, 48% do mercado nacional de cigarros é dominado por marcas ilegais. Existem 510 mil varejos que comercializam cigarros no país. Destes, 108 mil varejos só comercializam produtos ilegais (21%). Outros 235 mil varejos comercializam produtos legais e ilegais (46%).
Indagada sobre o aumento deste tipo de crime, a empresa Souza Cruz S/A garantiu ao Jornal Midiamax que uma das maiores concorrências não são empresas, mas o contrabando.
Ao Jornal Midiamax, a empresa reiterou que o desequilíbrio tributário entre Brasil e Paraguai é a principal causa para o aumento deste tipo de crime, mas defende que o problema pode ter solução com maior fiscalização das fronteiras. “Além de aumentar o controle das fronteiras, com o investimento e modernização no controle de fronteiras e adoção de leis efetivas que combatam o crime organizado, é necessária uma revisão no modelo tributário, possibilitando uma concorrência legal e ética”, defende a companhia.
Ainda segundo a fabricante, com sede no Rio de Janeiro, os efeitos do mercado ilegal recaem sobre a sociedade com o aumento da violência, baixa arrecadação de impostos, perda de competitividade entre indústrias, maior taxa de desemprego, além da saúde do consumidor que é posta em risco ao consumir produtos sem controle de qualidade, pois não passam pelas rigorosas exigências da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Em seu posicionamento, o FNCP pontuou o estudo realizado na Universidade Estadual de Ponta Grossa pelo Grupo de Pesquisa em Química Analítica Ambiental e Sanitária, que analisou 18 marcas de cigarros contrabandeadas, e concluiu a existência de concentrações dos íons metálicos (Cu, Mn, Zn, Fe, Pb, Cr, Co, Ag, Ni e Cd), com valores 11 vezes superiores aos encontrados em cigarros legais brasileiros.
O estudo encontrou no interior desses cigarros contrabandeados, fragmentos, de insetos, plástico, tecido, entre outros componentes prejudiciais à saúde e que terminam por infringir os direitos fundamentais dos consumidores.
Fragilidade na fronteira
O Brasil tem 24.253 quilômetros de fronteiras, sendo 7.367 quilômetros marítimos e 16.886 quilômetros terrestres que dão acesso a praticamente todo território nacional e aos países vizinhos. E, em meio ao clima tenso, a segurança nas fronteiras é colocada para jogo.
O déficit de fiscalização na fronteira é apontado como uma das causas para o aumento dos crimes, devido a carência de agentes e estrutura oferecida aos policiais, e o secretário de segurança pública de Mato Grosso do Sul José Carlos Barbosa admite a problemática. Barbosinha pontua que sem o esforço da polícia, ‘viveríamos em um caos’.
“Há um esforço integrado de todas as forças, mas, principalmente das nossas polícias de fronteira para o combate do narcotráfico e crime tributários e patrimoniais, como o contrabando de cigarros. Mas, todo esse esforço e recorde em apreensões, não mexe com a sensibilidade do governo federal. Não há investimentos. O efetivo da polícia federal atual é igual ao de quando o Brasil tinha metade da população. Se não fosse a ação das policiais estaríamos vivendo um caos”, disse o secretário da Sejusp.
O secretário assemelha o momento ao vivido nos anos 80, quando as faixas de fronteiras foram dominadas pelo contrabando de café. Barbosinha, reitera que além da questão tributária, que deixa de arrecadar milhões aos cofres públicos, há o impacto na saúde pública brasileira.
“Estamos revivendo a época do café, isso lá nos anos 80, o forte da fronteira era o crime de contrabando do café, o 334, e hoje é cigarro. Vimos a última apreensão do DOF, que foi um recorde do ano. Temos o prejuízo econômico, mas temos o prejuízo da saúde. Esse cigarro paraguaio não tem controle nenhum, o nosso cigarro já é problemático, mas o do Paraguai é mais cancerígeno ainda”, finalizou.
Máfia do Cigarro
Paralelo ao aumento da criminalidade proporcionada pelos ‘cigarreiros’, está o crescente envolvimento de policiais com a ‘máfia do cigarro’. Desde o início de dezembro, sete policiais militares foram presos suspeitos de participação no esquema de cobrança de propina.
Na madrugada do dia 2 de dezembro, após denúncia recebida pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) dois policiais militares, um sargento e um cabo, foram presos suspeitos de cobrança de R$ 150 mil para liberar um caminhão. Eles devem responder por corrupção passiva.
Cinco dias depois, outros cinco policiais militares entraram na mira da Corregedoria da PM por cobrança de propina de “cigarreiros” e tiveram os mandados de prisão expedidos e cumpridos. Os militares passaram por audiência de custódia no dia seguinte e a Justiça Federal impôs fiança milionária.
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