Ricardo Trad deixou pronto livro sobre trajetória de quase 50 anos nos tribunais
Criminalista morto em janeiro produziu a obra nos últimos 5 anos
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Criminalista morto em janeiro produziu a obra nos últimos 5 anos
Um dos mais reputados criminalistas de Mato Grosso do Sul, Ricardo Trad, morto 12 dias atrás, em 31 de janeiro, aos 74 anos de idade, vítima de aneurisma abdominal, deixou 100% pronto um livro, já revisado pelo Instituto Histórico e Geográfico estadual, que narra as principais causas defendidas pelo especialista, na ativa desde 1968. A notícia foi assegurada ao jornal Midiamax por José Belga Assis Trad, um dos cinco filhos de Ricardo, todos advogados.
“Estamos à procura de uma conceituada editora para publicá-lo. Eu posso dizer que ele passou os últimos cinco anos da vida trabalhando em cima deste livro, cuja obra é um retrato da vida inteira dele como advogado”, disse José Trad.
O livro vai detalhar casos metafóricos defendidos por Trad pai, como o de um homem que matou a mulher com um tiro e, ainda assim, conseguiu sair livre do julgamento.
O episódio em questão, que virou página inteira do Le Monde, principal jornal da França, ocorreu há quase quatro décadas, numa casa construída no nobre bairro Jardim dos Estados, em Campo Grande.
João Francisco Marcondes Fernandes de Deus matou a mulher, a ex-miss da cidade, Gleide Dutra de Deus. Depois do crime, o homem, que sustentou em juízo que o tiro havia disparado acidentalmente, ficou internado num sanatório por um período. O processo se arrastou por dez anos, até que, em 1990, a Justiça o culpou por homicídio culposo (sem intenção), mas o crime já tinha prescrito e o réu ficou livre.
O detalhe deste crime é que o Tribunal do Júri levou em conta uma carta psicografada por Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, um dos mais importantes, à época, do Espiritismo. O defensor do réu, Ricardo Trad, explorou a situação, em que a mulher, mesmo morta, favoreceu o marido, que foi inocentado.
“Ele [Ricardo Trad] usa bastante fotografia e dá ênfase ao caso da carta psicografada do Chico Xavier. Aliás, eu gerenciava os e-mails do escritório e todo semestre recebíamos pedidos de acadêmicos de todo o Brasil, em busca de informações sobre esse caso, para a realização de trabalhos de conclusão de curso. Eu repassava ao meu pai e ele respondia todos, com muita satisfação”, disse José Trad.
A obra de Ricardo Trad mostra também outro caso que atraiu a atenção do país, quando mostrado em cadeia nacional, pela Rede Globo, no extinto programa “Linha Direta”. O criminalista defendeu o filho de um pecuarista que, em outubro de 1996, matou a tiros um rapaz de 19 anos de idade, na área central de Aquidauana.
Depois de exibido o programa, o réu foi preso no Texas, Estados Unidos da América e trazido para o Brasil. Este caso é recheado minúcia. Antes de Ricardo Trad assumir o caso, um parente do réu teria subornado o juiz para favorecer o filho. Há também a história de um pecuarista que teria mandado matar um promotor de Justiça.
A obra vai destacar também o julgamento que tratou do assassinato de Levi Campanhã, assessor do então governador de MS, Garcia Neto, em 1982. Defendeu o réu Ricardo Trad e o também criminalista Josephino Ujacov. “Ele [Trad] era um expoente máximo da advocacia, orador de largos recursos, eletrizava com sua palavra fácil, com sua oratória de empolgante eloquência”, disse Ujacov.
FORMAÇÃO
Ricardo Trad, formado por faculdade do Rio de Janeiro, foi atraído pelo Tribunal do Júri, assistindo defesas de advogados que também fizeram histórias aqui em Campo Grande.
“Meu pai conta que era estagiário na prefeitura de Campo Grande e, salvo engano, os prédios eram contíguos. Então, ele dizia que nos intervalos assistia aos júris, presenciando grandes atuações do Nelson Trad [foi deputado federal], irmão dele, do Plínio Barbosa Martins [ex-prefeito de Campo Grande], do Carlos Stephanini [desembargador] e de outros advogados da época, deixando-se contagiar, como se contagiou uma legião de advogados vendo ele próprio atuando tempos depois”, recordou o filho José Trad, que acrescentou:
“Meu pai era um homem que não media esforços para ajudar as pessoas que lhe eram próximas e também aquelas que batiam à sua porta em busca de algum socorro. “Ele não se preocupava com ele, não tinha vaidade e nem apego ao dinheiro”.
ÚLTIMO ROMÂNTICO E CARREIRA
Para André Borges, advogado, doutor em direito constitucional, amigo e vizinho de escritório, “Ricardo Trad era o último dos românticos do Tribunal do Júri, advogado notável e de inteligência rara e brilhante, que deixa um importante legado a ser seguido por filhos, parentes e muitos amigos”.
Ao longo da carreira, que durou quase meio século, Ricardo Trad não concordava com derrotas nos tribunais.
“Meu pai era um homem que não se conformava com as injustiças. Então, quando ele experimentava um resultado injusto no júri, passava noites sem dormir, pensando na melhor solução para combater a sentença. Ele não se dava por vencido e percorria todas as instâncias para reverter as condenações com as quais ele não se conformava. Foi assim, clamando sem cessar, que ele conseguiu muitas vitórias no Supremo Tribunal Federal [instância máxima do país].
José Belga Trad recorda ainda o último júri de Ricardo Trad, em que ele atuou ao lado do pai.
“Também fiz com ele o último júri da sua vida profissional, em São Paulo. Ele tinha um cliente de lá, que já tinha sido julgado e condenado em 2005 por homicídio triplamente qualificado. Porém, ele conseguiu anular a condenação no Tribunal de Justiça de São Paulo. Então, o cliente foi submetido a novo júri em julho de 2016 e nós conseguimos afastar duas qualificadoras. Eu me impressionei com a disposição dele, porque o promotor pediu a réplica. Nessa oportunidade, meu pai disse: “filho, seu pai está cansado, não vou conseguir falar na tréplica, se prepare para falar todo o tempo”. Eu me preparei. Enquanto eu estava fazendo minha exposição aos jurados, ele me chamou, dizendo: “eu quero falar”. Eu deixei os trinta minutos finais para ele. Não sei de onde vinha tanta energia. Ele se impunha gravemente perante os jurados, com a voz forte e a gesticulação de um atleta. Parecia um leão. Foi maravilhoso presenciar aquela cena”.
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