Professor de Medicina deu aula para Gabriela

Gabriela Araújo Munhoz, 31, formou-se em medicina na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) em 2009, realizou especializações, uma delas em reumatologia, outra na área de cardiologia, e trabalhava no Hospital Síro Libanês, em São Paulo – local que é referência na América Latina -. Foi ali, durante esta semana, que Gabriela cometeu um erro que marca, a partir de agora, sua carreira. A médica divulgou dados sigilosos sobre a esposa do ex-presidente Lula, Letícia, em um grupo de Whatsapp que participa junto com os colegas da turma em que se formou. As informações sobre o estado de saúde da paciente viraram motivo de piada entre o grupo. Os comentários, que acabaram ‘vazados' na internet, culminaram com a demissão da médica.

Diretor da Famed (Faculdade de medicina) da UFMS, o médico ginecologista e obstetra Wilson Ayach foi professor de Gabriela e afirmou que o ato foi “desprezível” e “lamentável”. Com o Jornal Midiamax, ele discutiu a formação dos alunos, a importância da ética enquanto disciplina e enquanto perspectiva em todo o curso, e declara que o principal desafio para a Universidade é, hoje, a humanização dos profissionais.

“Eu acho lamentável que informações de um paciente tenham sido divulgadas em mídia eletrônica, ainda mais se foram utilizados termos pejorativos, independentemente de quem seja o paciente, é realmente lamentável e aí cabe avaliação mais criteriosa, apurar o que aconteceu e tomar as medidas cabíveis. Agora, a Universidade, o curso de medicina aborda isso. Tanto no curso de graduação quanto no de pós-graduação, é obrigatório. Agora, nós vivemos no Brasil, a idoneidade das pessoas não depende só da Universidade. Na verdade aquilo que a gente passa aqui, a pessoa vai usar da maneira como ela achar, eu pelo menos tento usar para o bem, mas a Universidade não tem controle”, declarou.

“A gente fica muito chateado quando a gente ouve essas notícias de ex-alunos nossos, porque não é esse o objetivo da nossa instituição, não é esse o objetivo da UFMS. Na UFMS tenho certeza que, independente do curso, a ética é um princípio de todos”, complementou.

O tratamento e relação “de forma ética” é palavra constante em todas as disciplinas do curso, conforme consta no site da Famed, no projeto pedagógico. A reportagem do jornal Midiamax ligou para a Universidade e foi informada de que há, na disciplina de Bioética, um professor voluntário.

“Nós temos a disciplina de ética, bioética e isso é discutido em todas as disciplinas também. A ética é um eixo do curso. Independente de como é a organização curricular das disciplinas, a ética é um eixo fundamental do curso, tudo que é conversado com o aluno, todas as disciplinas abordam, todos os temas são abordados sob a ótica da ética. Não creio que falta investimento. Não creio que isso aconteça na medicina, honestamente não creio. Eu acho que é uma disciplina bem estruturada”, declarou.

Sobre a importância de disciplinas ligadas à área de humanidades, o diretor afirmou que, para ele, “medicina é uma ciência humana, ela não é uma ciência biológica”.

“A gente usa a biologia como ferramenta para atender pessoas. Olha, a gente luta pra isso [passar para os alunos], discute isso com o aluno, tenta mostrar a importância de ver a pessoa como um todo, não só aquele órgão, aquele sistema que está doente. Muito mais do que a doença existe uma pessoa que tem todo o seu universo particular e social. Agora, nós somos eficazes 100% das vezes? Lógico que não”, explica.

Humanização do profissional e discurso de ódio

Outro médico do grupo, Richam Faissal Ellakkis, também comentou o quadro de Marisa. “Esses fdp (sic) vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento, daí já abre pupila e o capeta abraça ela”, escreveu ele. Para o professor, que está na UFMS desde 1993, a humanização da profissão é o principal desafio. Sobre o episódio, ele pensa que vai além da relação entre médico e paciente e afirma que simboliza a polarização e o discurso de ódio presente no país.

“É uma angústia de todos, a academia está muito preocupada com isso. A gente vê que as pessoas estão preocupadas com essa mudança de perfil. Nesse momento mesmo, o próprio curso da UFMS tem trabalhado, trabalhamos o ano passado inteiro nesse processo de discussão curricular, tentar aproximar a formação desse médico de uma formação mais humanista. Não é uma tarefa fácil. Não é uma tarefa isenta de embates. Independente do projeto pedagógico você tende a favorecer ou desfavorecer um profissional com essas características.Isso vai além da relação médico paciente. É uma questão política partidária envolvida nesse processo e até numa quantidade de ódio que se criou no país, numa polarização”, afirmou Wilson Ayach.

Agora, de acordo com ele, os cursos de medicina em todo o país enfrentam o desafio de mudar e construír a formação dos alunos, de um ponto de vista mais humano, e de colocar os profissionais em uma relação mais horizontal, e menos superior, com os pacientes.

“Eu acho que o Brasil tem um movimento de mudança curricular. Os cursos tem sofrido transformação no seu processo pedagógico no sentido de aproximar o profissional que se forma do que a sociedade deseja e precisa. Isso tem ocorrido, não é um processo fácil, você não transforma um projeto que vem de mais de 500 anos em seis meses, um ano. É uma cultura arraigada no mundo, não é só no Brasil, e é um processo de transformação lenta. Mas a gente já enxerga mudanças no sentido de ter uma aproximação do perfil desse profissional que as faculdades estão tentando formar, daquele que a sociedade atual precisa. Ter um profissional mais capaz de dialogar, ouvir. Existe um esforço das instituições de ensino. Essa é uma questão que se discute muito nas escolas”, explicou.

No currículo de Gabriela disponível na internet, há a informação de que ela fez curso de ética médica no mesmo ano em que se formou, 2009.