Boletos chegam e uso precisa ser comprovado todo ano

As instituições religiosas de Campo Grande têm imunidade tributária quando comprovam que os imóveis são usados para celebrações religiosas. Mas, mesmo prevista pela Constituição Federal, a maioria das igrejas e centros continuam recebendo da Prefeitura os boletos de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). A reclamação dos representantes é que todo ano é preciso entrar com ação judicial.

De acordo com o advogado especializado em causas fiscais e tributárias, Vladimir Rossi Lourenço, os templos são imunes a qualquer imposto. “Não pode ter incidência de IPTU, assim como IPVA sobre os carros dos templos. Mas, é preciso comprovação, enviar um requerimento, explicando que o lugar é usado para aquele fim”, explica.

“A gente é imune, mas todo ano tem que entrar com ação. O boleto chega, tem que buscar o jurídico para ir atrás com ação. Teria que ter um dispositivo que não precisasse de carnê comunicando que o bem é da igreja e que está a serviço dela, não está sendo usado para fins lucrativos”, disse o pastor Jorcelino Pereira Nantes da Assembleia de Deus em Mato Grosso do Sul, que tem mais de 150 congregações na Capital.

Segundo a advogada Janaína Marfisa Melo Godoeng Costa, a Igreja Católica tem várias ações contra a Prefeitura sobre descumprimento de imunidade no IPTU. “Nós temos imunidade na igreja, na casa do padre, no seminário, mas todo ano precisamos entrar com ação judicial. A Igreja contesta para então conseguir anular os lançamentos e os débitos”, disse. A última ação no Tribunal de Justiça Estadual referente ao IPTU da Arquidiocese da Capital foi em 11 de dezembro do ano passado, no valor de R$ 2,5 milhões.

Para o advogado Vladimir Rossi, é “um equívoco mandar um novo carnê. A lei municipal não pode criar obstáculos, apenas estabelecer as regras. Eu considero correto renovar o pedido anualmente, porque é uma forma de controle. As igrejas precisam reafirmar a condição de imunes para continuar ficando naquele imóvel. Mas, essa renovação precisa ser feita bem antes do fechamento do IPTU, afinal, eles usam para fins religiosos, só precisa comprovar”, explica.

Lei municipal

Em Campo Grande, segundo a Lei nº 5.514, de 20 de janeiro de 2015, a isenção é requerida por processo administrativo, no qual a instituição deve comprovar que o imóvel é utilizado para o fim da entidade.

Os requisitos para a imunidade tributária em Campo Grande são: a) comprovação da locação, comodato ou arrendamento e cópia do instrumento de constituição jurídica da Instituição Religiosa (Estatuto), comprovando pleno funcionamento há no mínimo um ano. Documentos como inscrição no Cadastro de Atividade Econômica, matrícula atualizada do imóvel, cartão de inscrição no CNPJ também são exigidos. Quando há locação, também é exigida a cópia dos documentos pessoais do locador e do locatário. Segundo a lei, o requerimento da renovação da isenção do imóvel é anual.

A lei municipal, que impõe regras sobre a imunidade tributária, sancionada pelo ex-prefeito Gilmar Olarte (PP) foi estabelecida depois de audiências realizadas no Ministério Público, entre representantes das religiões e autoridades municipais. “A Prefeitura durante muito tempo tinha dificuldades de resolver essas questões. Nós fizemos, junto com a Promotoria, avançamos e hoje basta entrar com requerimento para que a Prefeitura fiscalize, verifique a procedência, e reconheça como instituição. O que nós fizemos foi ajudar nisso, foi achar caminhos para dar essa garantia”, afirmou a vereadora Luiza Ribeiro (PPS), autora da proposta do projeto de lei. 

A equipe de reportagem do Jornal Midiamax entrou em contato com a Prefeitura para saber quantas instituições recebem a isenção e como funciona o benefício atualmente, mas não recebeu retorno. 

Anexos dos templos

Anexos de congregações nem sempre estão dentro da isenção. “Temos imunidade nos locais que são destinados a cultos. Mas, na verdade, a imunidade fica apenas para o templo, nos anexos e estacionamentos nós continuamos pagando o IPTU”, disse o pastor Emerson de Souza da Assembleia de Deus Missões, que conta com 170 congregações na Capital.

Mesmo com lei, templos de Campo Grande ainda ‘brigam’ por isenção do IPTUO Centro Espírita de Campo Grande também recebe imunidade apenas nos locais onde ocorre o culto religioso. Segundo a presidente da Federação, Darlene Cavalcante, são 90 centros na cidade e 200 no Estado com imunidade apenas no local onde ocorre o culto. “E mesmo quem paga aluguel, recebe imunidade se comprovar. O problema é que todo ano a Prefeitura tributa, a gente recebe o carnê e tem que ir entrar contra”.

Para o advogado Vladimir Rossi, anexos devem estar isentos. “Se é usado para finalidade do tempo também é abrangente da imunidade”, pontua.

A Igreja Católica e a Assembleia de Deus de Campo Grande recebe imunidade no total, tanto no templo, como nos anexos, mas os boletos para pagamento chegam todo ano.

‘Dois pesos, duas medidas’

Para os terreiros de Candomblé e Umbandá, a condição é um pouco diferente. “O centro até consegue a isenção com facilidade, mas é preciso estar filiado a Fecams (Federação dos Cultos Afro-brasileiros e Ameríndios de MS)”, de acordo com o presidente da Fecams, sacerdote de Umbandá, Irbs Santos.

Mãe Zilá tem registro da Casa Ilê Dará, e CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) desde 1989, mas não é filiada a Fecams. “Eu pago IPTU e minha casa está aberta há 30 anos. Funcionamos para atender a todos, inclusive a população carente. Ajudar o próximo e ainda ter que pagar? É complicado”, cita. Ela não concorda com as regras e procedimentos do município. “Tem que entrar com processo para receber os impostos. tem terreiros que já tentaram e não conseguiram até agora pela burocracia”, reclama. 

Segundo ela, a casa se mantém com ajuda dos fiéis. “Nós, dirigentes, temos que arcar com as despesas se queremos ficar abertos. Na verdade, quem paga mesmo são os fiéis. A contribuição deles que paga nossa água, luz e IPTU”, finaliza.

As imunidades tributárias estão previstas na Constituição de 1988, que prevê, em seu artigo 150: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto”.

O plenário do Senado aprovou no dia 22 de março, em segundo turno, a PEC 133/2015 (Proposta de Emenda à Constituição), que isenta as igrejas e templos religiosos em imóveis alugados de pagar o IPTU. Embora a Constituição estabeleça que os templos não devam pagar o imposto, ainda havia divergência se, em casos de imóveis alugados, quando os locatários são responsáveis pelo pagamento do IPTU, a regra também era válida. O texto seguirá agora para a Câmara dos Deputados, onde ainda precisa ser votado em dois turnos.