Anvisa apura denúncias de frascos de vacina com doses a menos
Suspeita de que lotes da vacina contra a covid-19 Coronavac entregues com quantidade inferior
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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está apurando a suspeita de que lotes da vacina contra a covid-19 Coronavac tenham sido entregues entre março e abril com quantidade inferior à informada.
Quase a totalidade das denúncias se refere ao imunizante fornecido pelo Instituto Butantan, mas também há relatos envolvendo o imunizante desenvolvido pela Universida de Oxford com a Astrazeneca. A situação foi relatada por governos, prefeituras e conselhos de secretarias de Saúde de ao menos 15 Estados e do Distrito Federal. Ela também é investigada pelo Ministério Público do Paraná, embora o Instituto Butantan negue falhas no envasamento da vacina e atribua o problema à extração incorreta do conteúdo antes da aplicação.
Os relatos são de frascos com menos do que as 10 doses previstas, de 0,5 ml cada. Alguns municípios chegaram a informar ter recebido ampolas com material suficiente para apenas sete aplicações, o que gerou até mesmo a suspensão parcial de campanhas de vacinação. Os possíveis motivos apontados por Estados são a autorização do uso de ampolas de 5,7 ml, em vez das de 6,2 ml, em março, diminuindo a quantia excedente de “segurança”, e a dificuldade de acesso a seringas de “alta performance”, a fim de reduzir as perdas.
Na terça-feira, 13, o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) divulgou ter procurado a Procuradoria Geral da República para solicitar a abertura de um inquérito para apurar a situação. “É preciso investigar! Cada dose de vacina é importante”, disse em rede social. O Estadão não obteve retorno da instituição até o fechamento desta reportagem.
Em nota, a Anvisa apontou ter observado um “aumento de queixas técnicas relacionadas à redução de volume nas ampolas”, o que está sendo investigado “com prioridade” pela área de fiscalização. Também disse que “todas as hipóteses estão sendo avaliadas” e que a situação é considerada de “baixo risco”, “por não haver risco de óbito, de causar agravo permanente e nem temporário”.
Na Bahia, por exemplo, o governo diz ter recebido 96 reclamações do tipo desde 19 de março, de 31 cidades. Do total, 84 foram referentes à Coronavac e as demais, à vacina criada pela Universidade de Oxford com a Astrazeneca – que afirma oferecer em cada frasco o chamado ‘overfill’. Entre os municípios, estão Salvador, Governador Mangabeira, Serrinha e Caetanos. Antes da data, o Estado havia sido notificado apenas duas outras vezes.
“Tem acontecido por erro do envasador, do Butantan, vários frascos virem com menos de 10 doses”, disse o secretário estadual da saúde, Fábio Vilas-Boas, em áudio divulgado pelo governo. A ideia por enquanto é repassar parte da reserva de segurança do Estado para os municípios, enquanto se está “cobrando do Ministério da Saúde a reposição”.
No Rio Grande do Norte, o governo alega ter recebido relatos do tipo de 76 municípios, como Natal, Mossoró, Parnamirim, São Miguel do Gostoso e outros, totalizando 3.284 doses a menos. “A Sesap (Secretaria de Saúde Pública) estará fazendo a reposição dessas doses por meio da reserva técnica, juntamente com a próxima remessa de imunizantes”, informou.
Já o Espírito Santo diz ter sido informado por “alguns municípios” sobre o problema. A secretaria da Saúde argumenta que os frascos precisam ter em torno de 6 ml para garantir a aplicação de 10 doses, pois as seringas disponíveis no mercado brasileiro geram uma “perda técnica”. “De nada adiantará o Instituto Butantan colocar em bula que deve ser utilizada seringa de alta performance, pois não haverá disponibilidade no mercado do quantitativo necessário”, frisou.
No Paraná, relatos de algumas prefeituras levaram a Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública, do Ministério Público estadual, a instaurar uma “notícia de fato” para apurar doses menores do que as informadas em duas remessas. Em nota, a instituição disse que, se comprovada a falha, ela “prejudicaria o cumprimento do calendário municipal de imunização elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba”.
Também em nota, Pernambuco afirmou já ter realizado “comunicação oficial do Estado ao órgão federal sobre esse tipo de ocorrência”, sem disponibilizar detalhes. A secretaria da Saúde do Tocantins igualmente confirmou ter recebido relatos de “alguns municípios” sobre a situação.
O Maranhão e o Rio Grande do Sul assentiram ter constatado o problema em alguns frascos de um lote recente da Coronavac. Entre os municípios gaúchos, está Imbé, no litoral, que calcula ter recebido 197 doses a menos do que o prometido.
Há relatos também na Grande Porto Alegre. Em São Leopoldo, por exemplo, a situação foi identificada em dois lotes, recebidos em 17 e 22 de março, cujos frascos permitiam a vacinação de oito pessoas, em média. “O que gerou uma defasagem de 1.986 doses em relação ao quantitativo informado”, destacou.
A situação se repete no Distrito Federal. “Em relação a todas as vacinas que têm chegado, principalmente de Coronavac, isso foi muito bem observado por todos os nossos vacinadores, é que, em determinados frascos, na sua grande maioria, temos conseguido apenas nove doses”, declarou o secretário de Saúde, Osnei Okumoto em coletiva de imprensa na segunda-feira, 12.
Em Goiás, o Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems/GO) informou ter sido procurado por “muitos municípios” sobre o problema. “Muitos gestores relataram que receberam frascos com entre nove e sete doses”, divulgou. Em Aparecida de Goiânia, por exemplo, a prefeitura comentou que as ampolas eram suficientes para cerca de 7,8 a 9 doses, o que resultou na suspensão parcial da campanha de imunização.
Já o Cosems do Mato Grosso, juntamente com a Associação Mato-Grossense dos Municípios (AMM), publicou uma carta sobre o tema. “O último lote recebido não garante a vacinação de 10 doses, sendo possível realizar somente 9 doses”, diz um trecho.
“Já existe uma preocupação em relação ao impacto que essa perda técnica poderá causar nos números apresentados diante dos sistemas de informações oficiais, o que causa transtorno e desconforto no trabalho das equipes e dos gestores”, complementa
Entre os relatos, está o do município Lucas do Rio Verde, que notou a situação nos lotes recebidos desde 27 de fevereiro. “Em alguns frascos, nem sempre é possível atingir as 10 doses de 0,5 ml, ficando um restante que varia de 0,1 a 0,4 ml”, explica.
Procurado, o governo do Rio de Janeiro não se pronunciou, mas a situação é relatada em cidades fluminenses. Um exemplo é Araruama, cujo problema foi com os lotes recebidos entre 23 de março e 12 abril, em 234 ampolas. O resultando foram “perdas significativas”, totalizando 281 doses a menos do que o esperado
Os casos também foram divulgados por prefeituras. Em João Pessoa, na Paraíba, por exemplo, o número menor de doses foi o motivo da suspensão por tempo indeterminado da aplicação da primeira dose. “O município deixou de contar com um quantitativo de doses em torno de 10%, limitando o atendimento à demanda de reforço, já definida em calendário”, disse em comunicado veiculado na terça-feira, 13.
Em São Paulo, a situação também é relatada por municípios da região metropolitana, como São Bernardo do Campo, e do interior, como Caraguatatuba. Em Ilhabela, o prefeito chegou a divulgar ter registrado um boletim de ocorrência por causa da situação. Segundo o município, oito frascos recebidos estavam com oito ou nove doses.
Relato semelhante foi veiculado por Santos Dumont, no interior de Minas Gerais, que chegou a paralisar a vacinação por um dia. “Para resolver o problema, além das 210 doses recebidas hoje de forma emergencial, novas doses ainda serão encaminhadas ao município que irão recompor o quantitativo correto, na qual Santos Dumont tem direito.”
Penedo, no Alagoas, também suspendeu a aplicação da segunda dose na quarta-feira, 14, por vacinas insuficientes. “Dois lotes da vacina Coronavac enviadas para Penedo apresentam ampolas com quantidade abaixo do volume correto”, justificou em comunicado.
Procurados pelo Estadão, os Estados de Roraima, Pará, Santa Catarina e Amazonas falaram não ter recebido relatos de municípios dessa natureza, enquanto os demais não citados nesta reportagem não responderam. Esse tipo de queixa não precisa ser direcionada aos governos locais, mas precisa de registro no sistema nacional NotiVisa.
Em nota, o Ministério da Saúde apenas reiterou orientar o registro no “formulário técnico quando não for possível aspirar o total de doses declaradas nos rótulos das vacinas”. “A análise dessas ocorrências será conduzida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, completou.
Além disso, uma nota técnica da pasta de fevereiro aponta que os frascos das vacinas produzidas tanto pelo Butantan quanto pela Fiocruz devem ter cerca de 5 ml, com recomendação de que cheguem a 5,3 ml, para ter uma margem de segurança e garantir a aplicação de 10 doses de 0,5 ml. “A mistura de vacina de frascos-ampola diferentes para completar uma dose é rigorosamente contra indicado, uma vez que as vacinas estão sujeitas à contaminação”, destaca.
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