As micro e pequenas empresas, como instrumento de Políticas Públicas, na lei nº 14.133/21
*Fernando Baraúna 1. Introdução A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, incluiu integralmente a Seção I, do Capítulo V, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, alterada pela Lei Complementar nº 147/2014, que trata das aquisições públicas. Com o reconhecimento do tratamento […]
Conteúdo de Marca –
Notícias mais buscadas agora. Saiba mais
*Fernando Baraúna
1. Introdução
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, incluiu integralmente a Seção I, do Capítulo V, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, alterada pela Lei Complementar nº 147/2014, que trata das aquisições públicas.
Com o reconhecimento do tratamento privilegiado às microempresas e empresas de pequeno porte, definido no art. 4º, da Lei nº 14.133/21, o Legislador utiliza das licitações públicas para implementar políticas públicas relevantes e voltadas aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, garantindo, com isso, o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e regionais, como determina o art. 3º, II e III, da Constituição Federal de 1988.
O Constituinte Originário de 1988, por sua vez, entendeu, desde o princípio, que as microempresas e as empresas de pequeno porte são peças fundamentais para o desenvolvimento nacional e vetores para a redução das desigualdades sociais e regionais, uma vez que constitucionalizou, como um dos princípios gerais da atividade econômica, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, insculpido no art. 170, IX, da Constituição Federal de 1988.
Embora o tratamento privilegiado para as microempresas e empresas de pequeno porte seja constitucional, como descrito anteriormente, Joel De Menezes Niebuhr (2022) entende que o tratamento diferenciado e simplificado concedido às pequenas empresas em licitações e contratos administrativos (licitações exclusivas, subcontratação compulsória e cotas reservadas), descrito no artigo 48, I, II e III, é dissonante com os preceitos Constitucionais de 1988, uma vez que, nas Licitações Públicas, a isonomia, art. 5º, caput, a eficiência e economicidade, art. 37, capute inciso XXI, e a livre concorrência, art. 170, todos da Constituição Federal, são pilares indeléveis para a Administração Pública, quando se refere as aquisiçõesPúblicas.
Nesse sentido, o mesmo autor, que ressalta a inconstitucionalidade do art. 48, I, II e III, da Lei Complementar nº 123/06, reconhece, em primeiro momento, o caráter relevante do art. 4º, da Lei nº 14.133/21, como o mais relevante instrumento de promoção de políticas públicas:
Esses benefícios são altamente impactantes para o regime das licitações e contratos administrativos, com aplicação cotidiana por parte da Administração Pública já por mais de década. Pode-se dizer que, sem dúvida, trata-se da política pública mais relevante em matéria de licitações e contratos administrativos. (NIEBUHR, 2022, p. 351).
Assim, entender a Constitucionalidade do art. 48, I, II e III, da Lei Complementar nº 123/06 é consolidar o art. 4º, caput, da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/21, como mecanismo qualificado de promoção de políticas públicas, que visa atender, com as microempresas e empresas de pequeno porte, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no que se apreende por desenvolvimento nacional com redução das desigualdades sociais e regionais, como bem disciplina o art. 3º, II e III, da Constituição Federal de 1988.
2. A Constitucionalidade do art. 48, I, II e III, da Lei Complementar nº 123/06, e o art. 4º da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/21, como instrumento de políticas públicas
O Brasil é um pais de pequenos Municípios, isto quer dizer, cidades com menos de 50.000 hab. (cinquenta mil habitantes), o que significa que quase 5.000 (cinco mil) municípios de um total de 5.570 (cinco mil quinhentos e setenta) municípios no território brasileiro são formados por pequenas Comunidades. (IBGE, 2020)
Por isso, alegar a inconstitucionalidade de medidas e iniciativas que visem a redução das desigualdades sociais e regionais em um universo de pequenas comunidades, onde o poder público (União, Estados e Municípios) é o maior empregador e consumidor é impossibilitar que o comércio, a indústria e os serviços locais, que são formados por pequenas empresas, possam sobreviver, desenvolver e criar emprego e renda.
Assim, quando a Constituição Federal de 1988 define que os objetivos da República Federativa do Brasil, materializados no art. 3º, são os de garantir o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e regionais, vinculou o Estado brasileiro a implementar políticas púbicas capazes de atender aos objetivos do Estado Social, que naquele momento se (re)fundava, e assegurar uma modernidade nacional, mesmo que tardia, como definem os professores LênioLuiz Streck e José Luis Bolzan de Morais:
Nitidamente, a Constituição brasileira aponta para a construção de um Estado Social de índole intervencionista, que deve pautar-se por políticas distributivistas, questão que exsurge claramente da dicção do art. 3º do texto magno. Desse modo, a noção de Constituição que se pretende preservar, nesta quadra da história, é aquela que contenha uma força normativa capaz de assegurar esse núcleo de modernidade tardia não cumprida. Esse núcleo consubstancia-se exatamente nos fins do Estado estabelecidos no aludido art. 3º da Constituição. (CANOTILHO et al., 2018, p. 152)
Embora os objetivos do Estado brasileiro são, entre eles, o desenvolvimento nacional com a redução das desigualdades sociais e regionais, em uma realidade de pequenos Municípios, onde, como já descrito, a presença do Estado é primordial para a sobrevivência dessas Comunidades, parte da doutrina entende que o tratamento diferenciado às microempresas e pequenas empresas como, licitações exclusivas, subcontratação compulsória e cotas reservadas (art. 48, I, II e III, Lei Complementar nº 123/06), asseguradas no art. 4º da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/21, são inconstitucionais.
Nesse ponto, vale ressaltar o entendimento do professor Joel De Menezes Niebuhr, a respeito da inconstitucionalidade do tratamento diferenciado e simplificado às microempresas e empresas de pequeno porte:
O inciso I do artigo 48 da Lei Complementar n. 123/2006 é inconstitucional.
Em primeiro lugar, ele se opõe ao princípio da isonomia, pois impede pessoas não qualificadas como microempresas ou empresas de pequeno porte de participarem de licitações”. (ibidem, p. 383)
(…)
O inciso II do artigo 48 da Lei Complementar n. 123/2006, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar n. 174/2014, (…).
… é inconstitucional, por oposição acentuada aos princípios regentes das atividades econômicas, livre iniciativa e livre concorrência, estampados no caput do inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal”. (ibidem, p. 396)
(…)
A medida de favorecimento prevista no inciso III do artigo 48 da Lei Complementar n. 123/2006, representada pela licitação com cota reservada, é inconstitucional. ….
O dispositivo supracitado reserva uma parte do objeto licitado às microempresas e empresas de pequeno porte, impedindo que empresas de médio e grande porte a disputem, o que é inconstitucional, porque agride o princípio da isonomia (caput do artigo 5º da Constituição Federal), os da eficiência e da economicidade (caput do artigo 37 da Constituição Federal) e o da livre concorrência (caput do artigo 170 da Constituição Federal). (ibidem, p.387 – 388)
Embora seja uma manifestação doutrinária divergente, alegar infringência aos princípios constitucionais da isonomia, da eficiência e da livre concorrência, dispensados ao micro e pequeno empreendedor, não procede, uma vez que é a própria Constituição Federal que determina o tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, como bem lembra o Professor Celso Antônio Bandeira De Mello:
“Deve-se considerar que estas distintas providências correspondem a um exemplo paradigmático da aplicação positiva (ou seja, não meramente negativa) do princípio da igualdade, o qual como é sabido, conforta tratamentos distintos para situações distintas, sempre que exista correlação lógica entre o fator discriminante e a diferença de tratamento. No caso concreto, é a própria Constituição Federal que impõe, como princípio da ordem econômica, o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país” (art. 170, IX, e 179). Ou seja: ali se determina a outorga de vantagens às sobreditas empresas. É a Lei Magna, portanto, que estabelece uma correlação entre o pequeno porte econômico de uma empresa e a justeza de se lhe atribuir benefícios em sua atividade empresarial”. (MELLO, p.552)
Neste mesmo sentido é o entendimento dos Professores Fernando Facury Scaff e Luma Cavaleiro de Macedo Scaf, ao se referirem ao inciso IX, do art. 170, da Constituição Federal:
O inciso IX prescreve o necessário estabelecimento de critérios e vantagens diferenciados às empresas de pequeno porte, como implementação do Princípio da Isonomia, berço da Livre Concorrência. Não basta que exista o Princípio da Livre Concorrência; é necessário que sejam concedidas condições para que esta se instaure, de tal modo a permitir que as EPP’s – Empresas de Pequeno Porte tenham condições de concorrer. (CANOTILHO et al., p. 1913)
Com isso, o artigo 4º, caput, da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, que reconhece a aplicação integral dos artigos 47 e 48, I, II e III, da Lei Complementar nº 123/2006, conhecida como Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, se adequa aos Princípios Constitucionais da isonomia (caput do artigo 5º da Constituição Federal), os da eficiência e da economicidade (caput do artigo 37 da Constituição Federal) e o da livre concorrência (caput do artigo 170 da Constituição Federal), bem como aos objetivos da República Federativa do Brasil, art. 3º, da Carta Magna.
Assim, o art. 47, caput, da Lei Complementar nº 123/2006, vincula o Poder Público a conceder tratamento diferenciado e simplificado aos pequenos empreendedores com objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional visando ampliação da eficiência das políticas públicas e incentivar a inovação tecnológica, bem como assegurar o desenvolvimento nacional sustentável, como um dos Princípios da Lei nº 14.133/2021.
3. Conclusão
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, como instrumento de políticas públicas, cujo objetivo é a promoção do desenvolvimento econômico e social com a concessão de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte, artigos 47 e 48 da Lei complementar nº 123/2006, passa além do entendimento de sua constitucionalidade ou não, mas da plena concretização dos fins constitucionais que são responsáveis a União, Estados e principalmente os Municípios, como já bem lembrado por Norberto Bobbio:
Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexequibilidade. Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente de maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. (BOBBIO, p. 24)
Assim, o artigo 4º, caput, da Lei nº 14.133/2021, bem como os artigos 47 e 48, I, II e III, da Lei complementar nº 123/2006 devem ser interpretados e aplicados em consonância com os objetivos e princípios Constitucionais de desenvolvimento nacional e redução das desigualdades sociais e regionais, caso contrário, os privilégios concedidos em favor das microempresas e empresas de pequeno porte, poderão ser considerados inconstitucionais, por atentarem contra os fins determinados pela Constituição de 1988.
É nesse contexto que os órgãos de controle externos, principalmente os Tribunais de Contas, e as entidades civis de apoio às micro e pequenas empresas, como as Associações Comerciais, SEBRAE entre outras, deverão atentar a eficácia das inovações trazidas pela lei Complementar nº 123/2006, em especial aos artigos 47 e 48, I, II e II, bem como as novas regras trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, aos processos de aquisição de bens e serviços pela Administração Pública, em especial ao artigo 4º, caput.
Contudo, será na aplicação eficaz das políticas públicas trazidas pelo novo ordenamento jurídico, Lei nº 14.133/2021, que o tratamento diferenciado e simplificado conferido às microempresas e empresas de pequeno porte, como instrumento de políticas públicas, se mostrará capaz de atender aos objetivos constitucionais de desenvolvimento nacional com a redução das desigualdades sociais e regionais além de acolher ao interesse público nas contratações realizadas pela Administração Pública.
REFERÊNCIAS:
BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentário à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2015.
NIEBUHR, Joel de Menzes. Licitação pública e contratos administrativos. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2015.
IBGE. Censo demográfico: estatísticas, sociais, população, censo 2020.
Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/22827-censo-2020-censo4.html?=&t=destaques
Acesso em: 23 dez. 2022
*Fernando Baraúna, Advogado é sócio proprietário do Escritório BARAÚNA, MANGEON e Advogados Associados, Ex-Procurador Geral do Município de Dourados – MS, Especialista em Direito Eleitoral e Tributário, Ex-Membro Consultor da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, Membro da Comissão de Direito Eleitoral OAB/MS, Membro da Comissão Advogado Publicista OAB/MS, pós-graduando em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário – PUC/RS e assessor jurídico em várias administrações municipais.
Notícias mais lidas agora
- VÍDEO: Menino fica preso em máquina de pelúcia durante brincadeira em MS
- VÍDEO: Honda Civic invade calçada e bate em poste na Avenida Bandeirantes
- Ação contra roubo de cargas prende um no Jardim Aeroporto em Campo Grande
- Lula ficará com dreno na cabeça e na UTI do Sírio Libanês após cirurgia de emergência
Últimas Notícias
Governo antecipa calendário de dezembro e Bolsa Família é pago entre os dias 10 e 23
Confira o calendário de dezembro, antecipado por causa do Natal
Guardas municipais de Dourados têm porte de arma regulamentado por decreto
Medida foi publicada em Diário Oficial do Município
Melhor software de diagramação alternativo ao Visio
Desenvolver diagramas pode acabar sendo uma tarefa bastante estressante se não tiver as ferramentas certas para isso.
Preso em operação, ‘espião’ de Marcola no jogo do bicho tem liberdade negada: ‘perigoso’
‘Espião’ de Marcola foi transferido para Mossoró
Newsletter
Inscreva-se e receba em primeira mão os principais conteúdos do Brasil e do mundo.