Qual é a sua visão ao passear pelas ruas de Campo Grande, seja a pé ou por meio de algum transporte? Dentre lugares movimentados, comércios, monumentos e grafites, uma expressão artística — por vezes passada despercebida — pulsa no coração do centro campo-grandense com suas características únicas de uma arte urbana: os lambe-lambes. Espalhadas pelos muros da cidade, manifestações artísticas dão vida à região central e promovem integração entre moradores e artistas que ali convivem.

De todos os tamanhos, formatos, críticas e homenagens, os lambe-lambes podem ser encontrados em vários pontos de Campo Grande, mas é preciso ter olhar atento para encontrá-los. Isso porque alguns estampam muros degradados, escondidos do olhar popular ou, até mesmo, estão corroídos pelo tempo. No entanto, isso não foi um problema na hora de admirá-los. O MidiaMAIS pegou o carro e passeou pelas ruas de Campo Grande em busca dos famosos lambe-lambes, momento em que equipe de reportagem viveu um verdadeiro ‘caça ao tesouro’ a cada mural encontrado.

Esse abaixo, por exemplo, está localizado numa caixa telefônica na Avenida Afonso Pena, quase ao lado do restaurante Habib’s. A arte, inclusive, foi o que impulsionou a reportagem. Nela, uma representação pictórica do poeta Manoel de Barros arranca olhares de quem passa pelo local.

Lambe-lambe representa Manoel de Barros
Lambe-lambe representa Manoel de Barros em avenida (Foto: Leonardo de França/Midiamax)

No viaduto da Antônio Maria Coelho com Calógeras, outro lambe-lambe chama atenção por sua particularidade: apesar do desgaste, é possível ver a possível representação de Dom Pedro I proclamando a independência do Brasil, mas montado em dinossauro e usando máscara facial contra Covid.

Lambe-lambe na Antônio Maria Coelho mostra suposto Dom Pedro I montado em dinossauro
Lambe-lambe na Antônio Maria Coelho mostra suposto Dom Pedro I montado em dinossauro (Foto: Leonardo de França/Midiamax)

Depois, quase chegando na Avenida presidente Ernesto Geisel, mural de grande porte assinado pelos primos Leonardo e Rafael Mareco homenageia profissionais de saúde do Hospital de Câncer Alfredo Abrão com os dizeres: “Gente que cuida de gente”.

Lambe-lambe dos primos Mareco
Assinado pelos primos Mareco, arte homenageia profissionais da saúde (Foto: Leonardo de França/Midiamax)

Arte foi pregada em 2020 devido à pandemia e está na fachada da Unidade 04 do Hospital, na Rua Maracaju. O mural conta com cinco personagens com cerca de 6 metros cada, representando a classe médica, enfermeiros, administrativos e pacientes até hoje.

Leonardo Mareco, 24 anos, é artista visual e educador. Procurado pelo MidiaMAIS, ele revelou trabalhar com lambe-lambes há quatro anos. Trata-se de técnica mais prática e barata do que o grafite.

“Com o lambe tenho a possibilidade de reproduzir minha arte quantas vezes eu quiser, além da colagem ser super prática e rápida o que me possibilita uma maior agilidade nas ruas”, comenta. Apesar da ser uma arte antiga — posterior até ao spray de tinta — o lambe-lambe artístico ainda é uma técnica pouco utilizada na capital em comparação a outras grandes cidades, como São Paulo.

Um dos principais artistas do segmento em Campo Grande, Mareco lamenta a falta de visibilidade.

“Não temos um circuito de grandes festivais e os que tem muitas vezes não incluem os artistas do lambe em sua programação, então ainda temos muito a evoluir e desenvolver com a arte do lambe no contexto brasileiro”, afirma.

Segundo o artista, a maioria dos murais percorre Campo Grande desde o centro até a periferia. No último domingo (26), Mareco pregou um lambe-lambe na Av. Fernando Corrêa da Costa com R. Padre João Crippa e compartilhou com a gente um pouquinho do processo. Confira:

Confira outros lambe-lambes feitos por Leonardo Mareco:

Mulherada na arte street

Nem a altura — ou melhor, a falta dela — impediu que a estudante Thalyta Godoy, 25 anos, deixasse de dar os primeiros passos na colagem dos murais. Ela começou a praticar a técnica em 2020 e, a partir daquele momento, se apaixonou.

“A arte de rua contribui muito em provocar questionamentos para quem passa pelo local e essa ideia me moveu em praticar também”.

Artista considerada da nova geração, ela afirma se inspirar em várias pessoas de fora e regionais. Para ela, a maior vantagem entre o lambe-lambe em comparação ao grafite — arte que ocupa os mesmos ambientes do primeiro — é a facilidade, além de poder explorar mais as imagens. Além disso, existe uma grande expectativa com as técnicas no futuro.

“Ando vendo muitos artistas que exploram várias técnicas e não se prendem tanto em um material. Acho que vai crescer bastante esse misto de arte misturando grafite com escultura, lambe entre outros materiais”.

Confira lambe-lambes feitos por Thalyta Godoy:

O lugar de colar lambe-lambes importa

Isso mesmo, o lugar onde o lambe-lambe é colado não é escolhido aleatoriamente. Segundo o artista Gabriel Martins, 24 anos, a decisão definirá muita coisa: quem vai ver, quem questionará e com quem o mural vai conversar.

Praticante da técnica desde 2018, ele afirma que “o interessante do lambe-lambe é a efemeridade, a interação com o ambiente, as possibilidades e surpresas de uma arte de grandes (ou pequenas) proporções, que podem ser impressas na impressora de sua casa”.

Na visão de Martins, a maior inspiração dos seus murais é a vida. Questionado sobre a relação do lambe com o grafite, ele afirma que ambos compartilham muitas características: desde o cerne do ideal de diálogo com os excluídos e esquecidos de lugares que ninguém quer ver.

Confira lambe-lambes feitos por Gabriel Martins:

Como surgiram os lambe-lambes?

A origem do lambe-lambe em Campo Grande é incerta, segundo Mareco. Mas estima-se que a técnica, em si, surgiu em meados do século XIX com o surgimento da impressão em massa e, consequentemente, da criação do cartaz. Tempos depois, arte foi adotada por aqui.

Segundo o site Lambe Lambe Digital, os fotógrafos ‘lambe-lambe’ eram anônimos, populares e desenvolviam suas atividades em praças e jardins públicos do Brasil, especialmente em capitais como São Paulo.

Existem diversas teorias sobre a origem do nome ‘lambe-lambe’, segundo uma delas, a revelação das fotos em máquinas exigia tempo mínimo de lavagem e quantidade de água. Portanto, para garantir a qualidade do trabalho, os fotógrafos tocavam a língua nas fotos durante a lavagem para avaliar a qualidade da fixação e da própria lavagem.


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