Paris não se acaba nunca: berço das revoluções, das artes e da primavera
Confira a crônica desta quarta-feira (23)
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Confira a crônica desta quarta-feira (23)
Já estive em Paris em todas as estações, com todos os estados de ânimo, alegre, triste, para passear, para ir a congressos, e sempre prefiro a primavera. No verão é quente demais, tem gente demais, horas em filas para tudo e sinto, ao final do dia, que desperdicei o tempo. E o tempo em Paris corre rápido. Porém, no verão, já lavei os degraus da Catedral de Montmartre, em comemoração ao ano do Brasil na França, já fiz piquenique em um domingo à tarde, na Ponte das Artes, já andei a pé por toda a cidade. No verão isso é possível, no inverno não, pois o vento é tão cortante que temos de ir de um lugar a outro de metrô. E Paris tem muitíssimas linhas de metrô, se pode com ele ir a todos os lugares.
Mas prefiro a primavera. Paris fica mais bonita com suas ruas floridas, seus parques verdes, com os ventos frescos. Até a água do rio Sena fica com uma cor mais bonita. Turistas alegres na rua, menos do que no verão – em Paris sempre tem turistas – os parisienses mais contentes e simpáticos. Meu conselho aos que me leem: se vocês forem a Paris pela primeira vez, escolham a primavera.
Já cheguei a Paris no inverno, de trem, indo de Bruxelas para lá. Triste por ter perdido um amor. E passei uma semana triste, inverno nas ruas, inverno na alma. E passei meu réveillon assim, lá: triste, despenteada, sem batom, desalentada. Encontrei em uma noite, com minhas amigas, andando pelas ruas, um casal de sul-mato-grossenses e ao me apresentar, ela me contou que tinha sido indicada para fazer análise comigo, que iria ligar para mim quando voltasse das férias. E viramos amigas nessa semana em Paris. E ela teve que procurar outra analista. Agora, anos depois, quando vejo as fotos dessa viagem, nem parece que estava triste e desalentada. O tempo corre rápido na vida. Não só em Paris.
Em “O eremita em Paris”, Ítalo Calvino escreveu que o lugar ideal para se viver é aquele em que é mais natural viver como estrangeiro, por isso Paris é a cidade em que se casou, montou uma casa, teve uma filha. Sua mulher era estrangeira também, ele italiano e, nessa casa, cada um falava uma língua, ou seja, a filha deles devia falar francês. E conclui: “Tudo pode mudar, mas não a língua que carregamos por dentro, aliás, que nos contém dentro de si como um mundo mais exclusivo e definitivo que o ventre materno”.
Depois de Ítalo Calvino, muita coisa mudou. E Paris não é mais tão amistosa. E menos ainda dependendo de quem são os estrangeiros, de qual religião eles têm. Ser africano, árabe, não falar francês não é nada fácil em Paris. Mas talvez o problema não esteja só em Paris, os nacionalismos com seus muros separatistas andam florescendo no mundo todo.
Paris foi o berço das revoluções, nas artes, inclusive. Para os artistas, todos os caminhos vão dar em Paris. Creio que até hoje. Poderia desfiar aqui uma listagem de escritores e pintores que se sentem mais criativos e livres vivendo em Paris, mas citarei só um: Ernest Hemingway que foi viver sua liberdade, suas farras boêmias em Paris. E nela escreveu muito, brigou, se embebedou. Anos depois, antes de se matar, escreveu um livro sobre esse período de liberdade em Paris: “Paris é uma festa”.
A comida em Paris é muito boa, mas os restaurantes servem porções ínfimas. Por isso eles são magros. Depois de dias sem comer uma boa carne, vou aos restaurantes árabes e peço um Kebab. Não tem cidade do mundo em que eu me sinta tão gorda quanto em Paris, olhando as francesas magras, mignons, bem vestidas e comendo igual passarinho.
Enrique Vila-Matas, o escritor barcelonês, escreveu um livro que se chama “Paris não se acaba nunca” – copiei dele o título para essa crônica – em que ele mede seu período de juventude em Paris com o de Hemingway, de “Paris é uma festa”. O protagonista da novela de Enrique Vila-matas não está à altura da estadia de Hemingway em Paris: este foi muito pobre em seu período parisiense, mas muito feliz, já o protagonista de “Paris no se acaba nunca” passou um horror de infelicidade em seus anos parisienses. Foi em comparação a esses dois livros que comecei dizendo: já estive alegre e triste em Paris. E de todos os jeitos sempre é bom ir a Paris.
Escrevendo sobre essa cidade que não se acaba, palco de tantas histórias alegres e tristes, em que foram escritos e vividos muitos romances, criadas muitas obras de arte, dou meu segundo conselho aos leitores: depois de verem a Torre Eiffel, é urgente ir ao Museu do Louvre. E assim, com Paris que não se acaba, me despeço de minhas crônicas às quartas-feiras. Talvez no futuro, com outra bagagem, com outras viagens, eu volte. Obrigada a todos que me acompanharam.
*Andréa Brunetto é formada em psicologia e atua como psicanalista. É membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, fundadora do Ágora Instituto Lacaniano de Campo Grande e autora de “Sobre amores e exílios” (Editora Escuta, 2013). Colabora com o MidiaMAIS às quartas-feiras.
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