A Prefeitura de Três Lagoas utilizou prática conhecida como ‘carona’ para ganhar tempo em licitação e firmar contrato com a empresa Groen Engenharia e Meio Ambiente LTDA (17.444.459/0001-87). O contrato é alvo de operação da Polícia Federal deflagrada nesta quinta-feira (9) para apurar indícios de direcionamento ilícito de contratado administrativo, além de superfaturamento e inexecução de parte de obras e serviços em unidades de ensino em Três Lagoas, cidade distante 326 km de Campo Grande.

A prática conhecida como ‘carona’ é prevista na nova lei de licitações e prevê que uma empresa pode utilizar registro de preços de outro ente público para participar da concorrência. Para esta licitação da prefeitura de Três Lagoas, a Groen Enhenharia se utilizou registro de preços do Ministério da Defesa – Comando Militar do Oeste / 9ª Divisão de Exército – Comissão de Obras do 3º Grupamento de Engenharia – CO/3º GPT E.

Então, a CGU (Controladoria-Geral da União), que participou das investigações e da ação da PF, aponta que a ‘carona’ feita pelo município de Três Lagoas teria sido irregular. “Os trabalhos tiveram início a partir de informações recebidas pela Polícia Federal. Em seguida, houve solicitação para que a Controladoria Regional da União no Estado de Mato Grosso do Sul promovesse uma auditoria, a qual identificou irregularidades na adesão, pela Prefeitura Municipal de Três Lagoas (MS), à ata de registro de preços de órgão federal para serviços de engenharia”, conforme a CGU.

Ainda segundo o órgão de controle do Governo Federal, “Os auditores apuraram que houve direcionamento indevido da contratação para uma determinada empresa em detrimento de outras opções mais vantajosas, resultando em prejuízos financeiros significativos. A Polícia Federal aprofundou a investigação, confirmando os apontamentos realizados pela CGU e identificando necessidade de fase ostensiva”.

Conforme o portal da transparência de Três Lagoas, o contrato foi assinado em 29 de agosto de 2017 e, de lá até 2024, foram feitos 4 aditamentos. Assim, o valor do contrato saltou de R$ 18.817.042,76 para R$ 23.616.382,09, aumento de 25%.

Sede da Groen em Campo Grande (Nathália Alcântara, Jornal Midiamax)

No total, a Groen Engenharia recebeu pagamentos que totalizam R$ 106.699.051,00 da prefeitura de Três Lagoas. A maioria dos contratos é para a área da saúde e tem recursos provenientes de repasses federais.

Denúncias de irregularidades e contrato ‘dúbio’

Em 2020, vereadores de Três Lagoas chegaram a formar comissão para apurar denúncias de irregularidades na realização dos serviços por parte da Groen Engenharia.

Na época, o proprietário da empresa, Murilo Feliciano Alexandre de Oliveira – quem assina o contrato com o município – foi convocado para ir à Câmara Municipal dar explicações.

Então, aos vereadores, Murilo explicou como funcionou a ‘carona’ na licitação em questão. “Em 2016, foi feito pelo Exército Brasileiro essa ata de preços para serviços comuns de engenharia. A partir da homologação, a ata ficou disponível para ser usada. Alguns municípios usam essas tabelas para usar preços vantajosos e dar celeridade ao processo. Chamamos de ‘processo de carona’. Todos os objetos utilizados foram de acordo com essa tabela, que já foi aprovada e auditava em diversas outras obras públicas”, justificou.

Ainda conforme o empresário, todos os serviços executados pela empresa seriam fiscalizados pela secretaria de obras e, os reajustes seriam apenas renovação de contrato – que teriam aumentos baseados no IPCA (índice que mede a inflação).

Por fim, o sócio da Groen pontuou que contrato não especifica os serviços exatos a serem prestados. “É dúbio o que realmente pode e não pode no contrato, pois o título cita apenas manutenção. Mas os próprios itens da ata dizem que são itens para ‘reforma e ampliação’. A gama de serviços está nos itens contratados, por exemplo: ‘demolições, limpeza, telhamento, pintura’. Se analisar os serviços feitos, estão todos de acordo com os itens do contrato”, finalizou.

Proprietário da Groen prestou esclarecimentos em 2020 a vereadores de Três Lagoas (Divulgação, Câmara de Três Lagoas)

A Prefeitura de Três Lagoas emitiu nota sobre o caso, veja na íntegra:

“A Prefeitura de Três Lagoas e o Prefeito Municipal esclarecem que não foram citados nesse processo e, sequer, são partes na investigação. Além disso, não compactuam com qualquer tipo de irregularidade, prezam pela legalidade e transparência de seus atos públicos e, por isso, tratando-se de uma ação envolvendo servidores, se necessário for, o Município instaurará Procedimento Administrativo para apuração de eventuais condutas desconformes.

Quanto ao fato em questão, as obras e serviços executados em unidades de educação da rede municipal de ensino ocorreram através de adesão a ata de processo licitatório do Ministério do Exército Brasileiro, ou seja, a licitação não foi realizada pela Administração Municipal de Três Lagoas, procedimento legal e em conformidade com a Legislação vigente.

Por fim, informamos que a execução do contrato já foi objeto de investigação pelo Mistério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, que concluiu pelo arquivamento”.

O CMO (Comando Militar do Oeste) também foi acionado para apresentar posicionamento sobre o registro de preços utilizado pela empresa para vencer a licitação, mas não emitiu posicionamento.

PF cumpriu mandados na sede da empresa em Campo Grande

Sete mandados foram cumpridos na Capital, na sede da empresa, na empresa na Via Park. Segundo a Polícia Federal, durante as investigações foram encontrados indícios de direcionamento ilícito de contratado administrativo, além de superfaturamento e inexecução de parte de obras e serviços em unidades de ensino em Três Lagoas.

Também foram identificadas empresas de fachada e empresas fantasmas, utilizadas para realizar transações financeiras entre os envolvidos. A empresa já teria faturado cerca de R$ 23 milhões após a fraude em licitações. Ao todo, 20 mandados de busca e apreensão foram cumpridos.

Assim, cinco mandados foram cumpridos em Três Lagoas, sete em Campo Grande, seis em Coxim, um em Naviraí e um em Florianópolis, em Santa Catarina. Foi também cumprida uma medida cautelar de sequestro e bloqueio de bens de um dos indiciados no valor de R$ 23 milhões.

As medidas foram deferidas pela 1ª Vara da Justiça Federal de Três Lagoas, após representação judicial conjunta formulada pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul.