Mesmo esquema: primo de Beto Pereira é réu com despachante que tenta delatar corrupção no Detran-MS

Elo entre esquemas, despachante David Chita quer acordo com MPMS e diz que repassou R$ 1,2 milhão de propina do Detran-MS para Beto Pereira, candidato do PSDB a prefeito de Campo Grande

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Primo de Beto Pereira, Joaci é réu por fraudes no Detran-MS de Rio Negro (Montagem: Henrique Arakaki e Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax / detalhe Joaci, Divulgação)

Mais um parente de Beto Pereira, candidato do PSDB à Prefeitura de Campo Grande, está implicado no esquema de corrupção no Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul) que seria supostamente chefiado pelo deputado federal tucano. O ex-prefeito de Rio Negro, Joaci Nonato Rezende, é primo de Beto e se tornou réu junto com o despachante David Cloky Hoffaman Chita por fraudes na agência de Rio Negro do órgão.

David Chita, despachante que está foragido e tenta um acordo de colaboração com o MPMS (Ministério Público Estadual de MS), seria o elo entre o comando de Beto Pereira e outros integrantes da suposta quadrilha. Hoffaman garante que tem como provar que Beto passou a chefiar o esquema em janeiro de 2023 recebendo propina para suposto caixa não oficial de campanha em troca de blindagem e nomeações para facilitar o esquema.

Foi assim que teria colocado a prima Priscila Rezende de Rezende, nomeada no cargo estratégico de diretora de registro e controle de veículos do Detran-MS, para ajudar na facilitação das fraudes. Além de Priscila, que também é de Rio Negro, outro parente de Beto acabou no Detran.

Joaci Nonato Rezende já foi prefeito de Rio Negro entre 2005 e 2012, e depois do mandato foi nomeado como gerente da agência do Detran-MS na cidade, a 150 quilômetros de Campo Grande. Assim, desde 4 de maio de 2017, em decreto assinado pelo então governador Reinaldo Azambuja (PSDB), Joaci tem o cargo em comissão no órgão estadual onde o esquema de corrupção, segundo David, ganhou ‘fôlego’ após Beto Pereira assumir a chefia do esquema.

Em 2017, Beto Pereira ainda atuava como deputado estadual. Foi justamente neste ano que o atual candidato a prefeito de Campo Grande do PSDB foi eleito para presidir o partido em MS.

À reportagem do Jornal Midiamax, Joaci confirmou o parentesco com Beto Pereira e lembrou que foi prefeito de Rio Negro na mesma época em que o primo administrou Terenos. O primo ainda lembra que manteve contato político mais intenso com Beto quando ele foi presidente da Assomasul e desconversa sobre contatos recentes.

“Fomos prefeito na mesma época, mas o contato político foi mais na época em que eu era prefeito, ele foi presidente da Assomasul. Quando entrei no Detran, em 2017, ele tocou a vida dele”, diz.

No entanto, segundo as informações que David Chita tenta fazer chegar até o Ministério Público, a suposta blindagem para os políticos implicados no esquema de cobrança de propina, fraude e desvio de dinheiro no Detran-MS seria forte e direcionaria o rumo das investigações.

Desta forma, segundo a versão de Hoffaman, o próprio primo de Beto em Rio Negro seria um dos operadores escolhidos para ‘pagar o pato’ nas investigações que sequer passariam perto dos políticos e agentes públicos implicados.

Primo de Beto Pereira, Joaci Rezende assumiu a gerência do Detran-MS de Rio Negro após nomeação assinada por Reinaldo Azambuja (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

O cargo de gerente de agência do Detran-MS é estratégico para o esquema de corrupção. Conforme denúncia feita pelo MPMS, Joaci comandou esquema de recebimento de propina para alterações em registros do Detran a partir de Rio Negro no período entre agosto de 2021 e fevereiro de 2023.

E foi justamente no começo de 2023, dias após uma reunião no escritório de Beto Pereira no bairro Tiradentes, em Campo Grande, que David Cloky Hoffaman Chita, já implicado na investigação de Rio Negro com Joaci, teria sido, segundo ele, ‘recrutado’ pelo primo do ex-comparsa, Beto Pereira, para turbinar o esquema.

Assim, além do modus operandi, e do parentesco, o próprio despachante é outro elo entre os casos das fraudes comandadas por Joaci e do esquema que seria chefiado por Beto Pereira. Réu no mesmo processo que o primo de Beto, ele formalizou, na semana passada, pedido de delação premiada ao MP.

Apesar de a reportagem ter acionado o MPMS oficialmente desde quando tomou conhecimento do fato, até o momento o órgão não se manifestou sobre o pedido de acordo de colaboração que, segundo o réu foragido, poderia colocar ‘peixes graúdos’ na mira da justiça.

O procurador-geral de Justiça de MS, Romão Avila Milhan Junior, encaminhou o documento para análise do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção).

Beto Pereira: elo entre operadores do esquema

Então, a rede que operava esquemas de fraudes no Detran formam um emaranhado de teias que chegam a Beto Pereira. Além do primo réu que gerenciou a unidade do órgão em Rio Negro, o tucano emplacou a prima, Priscila Rezende de Rezende na direção de setor fundamental para operar fraudes. Ainda, teria utilizado sua influência para colocar o colega de partido – e de Assomasul -, Juvenal Neto, como diretor-adjunto do órgão.

Por fim, o próprio despachante, que é velho conhecido por fraudes no órgão e que afirma ter provas dos encontros e pagamentos feitos a Beto Pereira.

Ao Jornal Midiamax, Chita afirmou que foi cooptado por Beto Pereira para turbinar as fraudes no Detran. O acordo feito em dezembro de 2022, no escritório do parlamentar, no Bairro Tiradentes, seria uma troca. Enquanto Beto Pereira usava sua influência para facilitar as fraudes no Detran e blindar o esquema, Chita faria pagamentos mensais que chegariam a R$ 300 mil para o caixa não-oficial da campanha do PSDB à prefeitura de Campo Grande.

Assim como no esquema denunciado por Hoffaman, o foco da quadrilha comandada por Joaci era a necessidade de proprietários de caminhões regularizarem o 4º eixo. Então, despachantes abordavam os empresários e solicitavam determinada quantia para liberarem as restrições. Os valores eram usados para pagamento de propinas a servidores e divisão entre os integrantes do grupo.

No entanto, operações policiais esbarravam em empecilhos ao tentar chegar aos ‘padrinhos’ do esquema. No histórico das investigações, há até implicados no esquema que nunca chegaram a ter o mandado de prisão cumprido e, mesmo assim, conseguiram a revogação da ordem.

Além de Joaci, primo de Beto, e do despachante David, que tenta delatar Beto, estão implicados na ação criminal pelo esquema em Rio Negro Gênis Garcia Barbosa, Eufrásio Ojeda e Abner Aguiar Fabre.

Condutas reiteradas

No decorrer das investigações que levaram até a Operação Miríade, um comunicado interno da Corregedoria do Detran-MS, de 11 de janeiro de 2023, indica Joaci como conhecido pela forma fraudulenta como alterava características de veículos no sistema.

Trecho do Comunicado Interno (Reprodução, Inquérito Policial)

É cediço que Joaci, na condição de gerente do Detran de Rio Negro, apresenta condutas reiteradas, no sentido de alterar de forma fraudulenta as características de veículos, sem regular processo CSV, o que essas operações muitas vezes são realizadas em várias cidades, por servidores distintos, o que inclusive motivou uma operação da Dracco, envolvendo um grandioso esquema criminoso”, diz trecho do comunicado.

Corrupção no Detran-MS ganhou ‘fôlego’ com Beto Pereira no esquema, revelam servidores

Apesar de ser palco de escândalos de corrupções sistêmicas e consecutivas de fraudes, o Detran-MS tornou-se alvo de operações policiais principalmente a partir de 2023, quando Beto Pereira teria assumido o comando do esquema, segundo confirmado por servidores do órgão ouvidos pela reportagem.

David revela detalhes de como Beto Pereira comandou esquema de corrupção no Detran-MS (Reprodução)

Conforme relatos dos funcionários do órgão, o esquema de fraudes já existia há muito tempo e David era figura conhecida por lá. Assim, as fraudes ganharam sobrevida com a suposta chegada de Beto Pereira no comando do esquema, justamente quando a ‘turma’ do deputado ganha cargos estratégicos no Detran-MS, confirmando a versão apresentada pelo despachante.

Fontes dentro do Detran-MS revelaram que o assessor direto e ‘braço direito’ do parlamentar tucano, Thiago Gonçalves, ‘não saía de dentro’ do órgão e se tornou figura comum nos corredores, mesmo não sendo nomeado.

Reportagem publicada nesta segunda-feira (30) pelo Jornal Midiamax mostra que nomeações foram feitas em sequência, no início de 2023, poucos dias após reunião em que David afirma ter sido convidado por Beto Pereira para impulsionar o esquema.

Primeiro foi a prima de Beto, Priscila Rezende de Rezende, que assumiu a diretoria de registro de veículos em 17 de janeiro de 2023. Logo depois, em 23 de janeiro, saiu nomeação de Juvenal de Assunção Neto para cargo de diretor-adjunto. Por fim, em 2 de fevereiro, Yasmin Osório Cabral é nomeada. Ela está em prisão domiciliar por fraudes no sistema.

Beto Pereira com Reinaldo Azambuja e Juvenal Neto (Edson Ribeiro, Assomasul)

Conforme a denúncia, o acordo seria uma troca. Beto Pereira usaria sua influência para facilitar o esquema dentro do Detran-MS e blindagem em troca de pagamentos mensais para turbinar o caixa não-oficial de sua campanha.

Hoffaman revelou que repassou ao menos R$ 1,2 milhão do dinheiro sujo para Beto Pereira usar na campanha política.

A reportagem solicitou esclarecimentos ao candidato Beto Pereira, mas não obteve retorno.

O ex-diretor adjunto do Detran-MS, Juvenal Neto disse apenas desconhecer o assunto.

A reportagem tentou obter pessoalmente o posicionamento de Priscila. Na sede do Detran-MS, a equipe encontrou com Priscila, mas foi interrompida rispidamente pelo diretor-executivo do órgão, João César Mattogrosso. Em seguida, a assessoria de comunicação pediu para que os dois diretores se retirassem.

Ao Jornal Midiamax, a assessoria adiantou que Priscila, se intimada, irá prestar os esclarecimentos devidos às autoridades competentes.

O Detran-MS, por sua vez, emitiu nota sobre o assunto: “O Detran-MS reforça seu compromisso com a legalidade, a transparência e as boas práticas da administração pública, e ressalta que colabora com os órgãos de controle, interno e externo, para garantir apuração célere e punição rigorosa de eventuais servidores envolvidos em quaisquer práticas ilegais e/ou criminosas, e desenvolve ações de compliance, de controle e monitoramento, que garantem ao órgão a marca de ser referência nacional em serviços digitais.

Neste sentido, destacamos o Monitoramento Anticorrupção – MAC Detran-MS, que monitora os sistemas 24 horas por dia. Inteligência artificial que atua de forma antecipada e preventiva no rastreio de possíveis atos ilícitos e fraudes, identificando de forma imediata quaisquer incongruências no sistema. Em tempo, não fomos notificados em nenhuma denúncia em quaisquer processos de delação“.

O advogado que atende Joaci no processo, Wilson Tavares, não quis se manifestar.

Vale ressaltar que o espaço segue aberto para posicionamentos e manifestações, que podem ser incluídas após a publicação.

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Tiago Vargas