A indústria chinesa BBCA prometeu investimento de R$ 2,2 bilhões em Mato Grosso do Sul, mas não entregou quase nada. O projeto apresentado em 2013 parecia ser um grande negócio, com instalação de uma fábrica de derivados de milho e produtos químicos em Maracaju – distante 158 km de Campo Grande. Para isso, recebeu diversos incentivos fiscais e até um terreno avaliado em R$ 10 milhões, que foi cedido pelo município, mas poderá ter que devolver tudo.

Agora, 11 anos depois e com apenas 4% do total prometido investido, de fato, a empresa briga na Justiça para não devolver a área que recebeu do município de Maracaju. A ação movida pela BBCA pede ‘restituição’ de cerca de R$ 20 milhões por benfeitorias feitas no terreno.

Apesar de afirmar ter investido um total de R$ 90 milhões – apenas 4% do prometido -, a indústria chinesa pontua que decreto do município de Maracaju que pede a devolução do terreno é ‘ilegal’.

Documento anexado aos autos pela PGE (Procuradoria-Geral do Estado) confirma os incentivos fiscais concedidos à empresa chinesa. Apesar de não revelar os valores os quais o Estado ‘abriu mão’ de receber, a PGE entende que a BBCA deve restituir os cofres estaduais, já que não cumpriu a sua parte no acordo.

No entanto, o cálculo deverá ser feito pelo fisco estadual. “Caso tenham sido utilizados incentivos fiscais concedidos com base no valor do investimento fixo, também caberia, nosso sentir, restituição dos valores no caso do cancelamento do incentivo”, diz trecho do parecer.

Instalações da BBCA estão paradas em Maracaju (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

BBCA descumpriu acordo

Tudo começou em 2013, quando o projeto foi apresentado. Dessa forma, para viabilizar as operações, o município entrou com a doação do terreno – hoje avaliado em R$ 10 milhões – e o governo do Estado providenciou diversos incentivos fiscais.

Dentre as promessas dos chineses, estavam o investimento bilionário e geração direta de mais de 1,3 mil empregos. A previsão inicial era que a implantação da planta ocorresse em dezembro de 2017.

No total, foram quatro termos aditivos ampliando os benefícios fiscais – e também os prazos para início das operações – como isenção sobre impostos para compra de máquinas e de ICMS sobre matérias-primas, por exemplo.

Galpão e abrigos para trabalhadores construídos na área alvo de disputa judicial (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

No último acordo com o Estado, em 2018, ficou acordado que a primeira fase de operação seria no início de 2020. Como contrapartida aos incentivos recebidos, a BBCA deveria recolher por três anos com o Fadefe (Fundo de Apoio ao Desenvolvimento e de Equilíbrio Fiscal do Estado).

Então, os benefícios fiscais de natureza industrial foram prorrogados até o fim de 2032. A contrapartida da BBCA seria investimentos anuais fixos, manutenção de empregos e manter faturamento mínimo anual.

Em 2019, o Estado negou pedido da BBCA para prorrogar novamente o benefício fiscal comercial, já que ainda não havia iniciado suas operações e sequer estava contribuindo com o Fadefe.

Logo, em março de 2021, o governo do Estado notificou a empresa para informar sobre o andamento do projeto e as justificativas por descumprir acordo.

Projeto parado oito anos depois

A resposta recebida foi de que, oito anos depois, a BBCA havia concluído apenas um galpão industrial, linhas de transmissão com subestação de energia, cercamento da área, uma recepção de grãos e sala de guarita, além da compra de maquinários.

“A empresa BBCA nunca implantou a indústria a que se comprometeu por diversas oportunidades. Sendo assim, fica nítido o descumprimento do Termo de Acordo n. 834/2013 e seus Aditivos”, conclui a PGE.

Por fim, a Procuradoria pontuou que, caso o benefício seja cancelado, “a empresa deve restituir ao Tesouro Estadual os valores pecuniários fruídos nos últimos seis meses de fruição do benefício”.

O processo tramita na 1ª Vara de Maracaju e ainda não há decisão do juiz Marco Antonio Montagnana Morais.

Procurada pela reportagem a BBCA não se manifestou até a publicação deste material. O espaço segue aberto para posicionamento.

Ultimato e frustração com negócio chinês

Em fevereiro de 2022, antes de publicar decreto que reverte a doação da área à BBCA, o prefeito de Maracaju, Marcos Calderan (PSDB), disse à reportagem do Jornal Midiamax que teria dado um ‘ultimato’ ao conglomerado chinês.

O gestor municipal disse que “a terra valorizou muito neste período”. Desde 2015, quando foi oficialmente doada à empresa chinesa, Mauro aponta cerca de R$ 7 milhões de valorização no terreno de 102 hectares.

Após diversas prorrogações, a prefeitura resolveu retomar a área doada. “Acho que só perdemos tempo e tivemos expectativas frustradas”, lamentou o prefeito.

À reportagem ele explicou que, durante a última reunião, a gestão deu ultimato para a empresa no intuito de reaver a posse do terreno. “Fizemos uma reunião presencial com representantes da BBCA, onde informamos da retomada da área, já que não cumpriram com projeto e prazo estipulados no contrato”, lembrou.

Segundo o prefeito, a empresa ainda tentou pedir mais tempo para se manter como responsável pela área doada. “Pediu mais prazo, mas não terão”, frisou.

Negócio consumiu dinheiro público e gerou revolta

Em 2020, a reportagem do Jornal Midiamax foi à Maracaju conferir como estava o projeto de implantação da planta da BBCA.

A expectativa sobre o “retorno” do investimento chegou à Câmara Municipal, onde vereadores se movimentam para pedir detalhes sobre o andamento do investimento.

Um deles, Laudo Sorrilha (PSDB), afirma que o valor da terra na região já chegou a R$ 60 mil. “É muito dinheiro público envolvido. E estão cobrando as autoridades nas redes sociais”, disse ele. As queixas, conforme o vereador, deve-se ao fato de que, dos 170 hectares comprados pela BBCA, cerca de 30 já foram revendidos – aumentando ainda mais as especulações sobre o futuro do empreendimento.

A reportagem constatou que, com as obras ‘empacadas’, a BBCA chegou até a alugar um armazém para uma cooperativa do município estocar grãos. Nas obras, apenas 3 trabalhadores ‘cuidavam’ o local e confirmaram a paralisação do projeto.

“Prometiam investir R$ 2 bilhões e até agora nada”, lamentou um morador, para quem os empregos eram a maior expectativa sobre a BBCA Brazil.

Enquanto isso, a briga na Justiça se arrasta, milhões em recursos públicos – municipais e estaduais – não trouxeram o retorno esperado e moradores que esperavam por empregos lamentam.