Nomeações e blindagem: corrupção no Detran-MS ganhou ‘fôlego’ com Beto Pereira no esquema, revelam servidores

Pivô das fraudes, o despachante David Chita aponta candidato do PSDB como ‘chefe’ do grupo

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Pivô de fraudes no Detran-MS, David Chita aponta que Beto Pereira seria o 'chefe' do esquema de corrupção (Montagem: Ana Laura Menegat, Jornal Midiamax / Divulgação, Detran-MS)

Palco de corrupção sistêmica e sucessivos episódios de escândalos, o Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul) se tornou o centro de esquema de fraudes que teria como objetivo desviar o dinheiro ‘sujo’ para a campanha de Beto Pereira (PSDB) para a prefeitura de Campo Grande, conforme denúncia feita pelo despachante David Cloky Hoffaman Chita.

O esquema de propinas para alterações no cadastro do órgão de trânsito se intensificou no ano de 2023, segundo confirmado por servidores do Detran-MS ouvidos pela reportagem – e investigações da Polícia Civil.

Conforme relatos dos funcionários do órgão, o esquema de fraudes já existia há muito tempo e David era figura conhecida por lá. Assim, as fraudes ganharam sobrevida com a suposta chegada de Beto Pereira no comando do esquema, justamente quando a ‘turma’ do deputado ganha cargos estratégicos no Detran-MS, confirmando a versão apresentada pelo despachante.

Fontes dentro do Detran-MS revelaram que o assessor direto e ‘braço direito’ do parlamentar tucano, Thiago Gonçalves, ‘não saía de dentro’ do órgão e se tornou figura comum nos corredores, mesmo não sendo nomeado.

Na semana passada, o Jornal Midiamax revelou que David propôs pedido de colaboração premiada ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul). O requerimento foi encaminhado pelo PGJ (Procurador-Geral de Justiça), Romão Ávila Milhan Júnior, ao Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção).

David revela detalhes de como Beto Pereira comandou esquema de corrupção no Detran-MS (Reprodução)

Apesar de o Jornal Midiamax ter solicitado informações ao MPMS sobre o andamento do requerimento desde a manhã da última quinta-feira (26), o órgão se mantém calado. No entanto, neste fim de semana, estranhamente, ‘vazou’ cópia do ofício do PGJ, datado do dia 27 de setembro, para veículos ligados à campanha de Beto Pereira.

No documento, ao afirmar não ser de atribuição do PGJ, Milhan alega que não viu fato novo, mesmo com o pivô das operações dizendo que existe um conluio entre o MPMS, delegados e políticos para blindar o suposto chefe do esquema, que seria Beto Pereira. “Não há indicação de qualquer fato e de qualquer pessoa com prerrogativa de foro que traria atribuição a este PGJ para análise“, diz ao encaminhar o requerimento de colaboração premiada ao Gecoc.

Ainda, durante o fim de semana, ‘vazou’ suposto ofício em que Beto Pereira pede ao Promotor de Justiça, Fábio Ianni Goldfinger, que ateste se há investigação contra o candidato em processos relacionados à denúncia de Chita, sendo que o ofício do PGJ foi encaminhado ao Gecoc – comandado pelo promotor Adriano Lobo Viana de Resende.

Titular da 30ª Promotoria de Justiça, Goldfinger assumiu a promotoria em setembro de 2020, após seu antecessor, Marcos Alex Vera de Oliveira, bater de frente com a cúpula do PSDB. No mesmo dia da troca, o Conselho Superior do MPMS arquivou reclamação contra o filho do ex-governador Reinaldo Azambuja – presidente do PSDB em MS.

A reportagem acionou novamente o MPMS para se manifestar sobre o vazamento de documentos e sobre o posicionamento do PGJ. No entanto, não obtivemos resposta até esta publicação.

Prints mostram assessor chamando Beto de ‘chefe’ e conversando com Chita sobre nomeações (Reprodução)

Leia também – Despachante propõe delação ao MP e aponta Beto Pereira como chefe da corrupção no Detran-MS

Esquema já existia e ganhou força

esquema de propinas e fraude no sistema de cadastro do Detran-MS não é novo e foi denunciado antecipadamente em reportagem do Núcleo de Jornalismo Investigativo do Jornal Midiamax em 2020. Na época, esquema para anular multas de ‘playboys’ mostrou a corrupção dentro do órgão. Operação policial confirmou as denúncias e até chegou a alguns servidores, mas a suposta blindagem de políticos na atuação do MPMS e de delegados de polícia manteve o grupo a salvo.

Um mês antes da reunião entre Beto Pereira e David Chita, no escritório do parlamentar, no Bairro Tiradentes, o Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado) havia deflagrado a Operação Resfriamento.

Nem a ação policial recente que desmantelou o mesmo esquema em que gerente de agências do interior e servidores recebiam propina para ‘esquentar’ documentação de veículos barrou os planos do PSDB para levantar fundos.

Conforme entrevista exclusiva que Chita concedeu ao Jornal Midiamax, o despachante diz que Beto o chamou por ele possuir ‘experiência’ e prometeu blindagem, já que o parlamentar garantiu ter influência com a cúpula da Polícia Civil.

Além disso, providenciou nomeações em cargos estratégicos.

Já seu assessor ‘braço direito’, Thiago Gonçalves, ficaria responsável em cooptar servidores para aumentar o esquema, já que Beto Pereira queria cada vez mais dinheiro. Chita revela que, inicialmente, os pagamentos seriam mensais de R$ 30 mil e chegariam a R$ 300 mil na reta final da campanha.

Nomeações para garantir esquema para campanha do PSDB

Na denúncia, Chita diz que foi firmado o acordo com Beto Pereira. “Foi uma troca, você me dá isso e te dou aquilo” e detalha que prometeu fazer o esquema ganhar ‘volume’, enquanto que o parlamentar garantiria nomeações e blindagem.

O acordo teria sido firmado entre eles em dezembro de 2022. Então, em 17 de janeiro de 2023, a prima de Beto Pereira, Priscila Rezende de Rezende, ganha cargo para comandar a Dirve (Direção de Registro de Veículos). O setor é estratégico para os objetivos do grupo, confirmou David.

Outra figura apontada por Chita como beneficiário de pagamentos mensais do dinheiro ilícito levantado no esquema é o ex-diretor adjunto do Detran-MS, Juvenal de Assunção Neto, o Neto. Ele foi prefeito de Nova Alvorada do Sul de 2013 a 2016 e não conseguiu se reeleger pelo PSDB. Assim como Beto Pereira, também presidiu a Assomasul (Associação de Municípios de Mato Grosso do Sul).

Então, poucos dias após Pereira emplacar a prima em direção estratégica no órgão de trânsito, Neto foi nomeado em 23 de janeiro de 2023 para o cargo na cúpula do Detran-MS.

Beto Pereira com Reinaldo Azambuja e Neto (Edson Ribeiro, Assomasul)

Peça importante no esquema, Yasmin Osório Cabral foi nomeada em 3 de fevereiro de 2023. Ela foi colocada no órgão e, através da influência dos padrinhos do esquema, acabou sendo transferida para a Cotra (Corregedoria de Trânsito do Detran-MS).

Em prisão domiciliar por fraudes no Detran-MS, Yasmin também teria sido nomeada por influência de Beto Pereira (Divulgação, reprodução)

Mensagens apresentadas por Chita revelam que Thiago Gonçalves teria feito a ‘ponte’ entre Chita e Yasmin, que estaria à disposição do grupo para fazer as alterações no sistema.

Conversa entre Chita e Thiago sobre instruções de fraudes a serem repassadas para Yasmin (Reprodução)

Com esquema a ‘todo vapor’, Polícia inicia série de operações

Então, no início já de 2023 o esquema de fraudes ganha força e logo entra na mira da Cotra.

Os planos do grupo eram derrubar um delegado, mas como isso não ocorreu, as alterações suspeitas feitas no sistema ficam escancaradas e começam a ser alvos de ações policiais.

Assim, em 14 de junho de 2023, com poucos meses de atuação da ‘nova quadrilha’, a Polícia Civil deflagra a Operação Gravame, que implicou servidora que recebia propina para alterar registro de veículos irregulares e despachantes. Na ocasião, também houve a fraude do 4º eixo, em que o grupo criminoso recebia pagamentos ‘por fora’ de empresários para que o caminhão fosse liberado no sistema do Detran-MS, sem necessidade de passar por vistoria e pagamento de taxas.

Já em 29 de junho, desdobramento da Gravame, a Operação Miríade já dava indícios de que o grupo criminoso contava com ‘blindagem’. Reportagem do Jornal Midiamax sobre a ação revelou que as medidas esbarravam nos apadrinhados políticos, que conseguiram driblar até mesmo mandados de prisão que sequer chegaram a ser cumpridos.

Poucos dias depois, em 12 de julho, a Operação 4º Eixo é deflagrada por constatar fraudes em mais agências do interior. Na ocasião, a polícia chegou a pedir a prisão dos investigados. Mais uma vez, servidores recebendo propinas de despachantes.

Apesar das investidas contra as fraudes por parte da polícia, as investigações não chegaram até os ‘padrinhos’ e, com a possível blindagem, o grupo continuou com objetivo de levantar fundos para a campanha de Beto Pereira para tentar chegar ao Paço Municipal de Campo Grande.

Hoffaman revelou que repassou ao menos R$ 1,2 milhão do dinheiro sujo para Beto Pereira usar na campanha política.

A reportagem procurou ouvir o candidato Beto Pereira e acionou a equipe de comunicação da campanha para se pronunciar sobre as denúncias, mas sem sucesso.

Thiago Gonçalves também não respondeu sobre as novas acusações. No entanto, a equipe havia conversado com o assessor de Beto Pereira sobre as denúncias, em conversa telefônica gravada. ao ouvir o nome de David, reagiu e ameaçou processar o Jornal Midiamax, caso a reportagem fosse publicada. Thiago sequer quis ouvir os questionamentos que a reportagem fez para esclarecer as acusações.

O ex-diretor Neto também foi questionado sobre sua nomeação, mas não retornou. Anteriormente, ao ser questionado sobre as acusações de David, limitou-se a dizer que ‘desconhece o assunto’.

Vale ressaltar que o espaço segue aberto e posicionamentos podem ser incluídos após a publicação.

A reportagem tentou obter pessoalmente o posicionamento de Priscila sobre a acusação. Na sede do Detran-MS, a equipe encontrou com Priscila, mas foi interrompida rispidamente pelo diretor-executivo do órgão, João César Mattogrosso. Em seguida, a assessoria de comunicação pediu para que os dois diretores se retirassem.

Ao Jornal Midiamax, a assessoria adiantou que Priscila, se intimada, irá prestar os esclarecimentos devidos às autoridades competentes. Ainda, a comunicação do órgão informou que iria providenciar uma nota oficial da instituição sobre as denúncias.

A reportagem oficializou os questionamentos por e-mail, que foi devidamente documentado e teve confirmação de recebimento por parte da assessora. O retorno foi encaminhado pela assessoria antes da publicação da reportagem. Segue a nota na íntegra:

O Detran-MS reforça seu compromisso com a legalidade, a transparência e as boas práticas da administração pública, e ressalta que colabora com os órgãos de controle, interno e externo, para garantir apuração célere e punição rigorosa de eventuais servidores envolvidos em quaisquer práticas ilegais e/ou criminosas, e desenvolve ações de compliance, de controle e monitoramento, que garantem ao órgão a marca de ser referência nacional em serviços digitais.

Neste sentido, destacamos o Monitoramento Anticorrupção – MAC Detran-MS, que monitora os sistemas 24 horas por dia. Inteligência artificial que atua de forma antecipada e preventiva no rastreio de possíveis atos ilícitos e fraudes, identificando de forma imediata quaisquer incongruências no sistema. Em tempo, não fomos notificados em nenhuma denúncia em quaisquer processos de delação“.

Os questionamentos também foram enviados para que Priscila e Rudel possam se manifestar, mas não foram respondidos.

Prisões desmoronam esquema e Chita dispara: ‘‘Este pato é do Beto Pereira, do Thiago e do Neto’’

Então, o esquema começa a ruir com a investida mais recente do Dracco. Investigação recente, iniciada em fevereiro de 2024, mostrou como Yasmin recebia propina e David cooptava ‘clientes’ para o esquema.

Desta vez, a polícia pediu a prisão de Yasmin, que ficou dois meses presa e foi liberada por estar grávida, e David, que está foragido, já que garante que corre grave risco de vida em Mato Grosso do Sul, principalmente se for parar nas unidades prisionais do Estado.

“Agora eu acredito que vão fazer alguma coisa comigo, mas eu tinha que falar, eu tenho que falar, porque o que eles fizeram comigo, que trabalhou tanto ali do lado, que ajudou tanto que era pau pra toda obra. Fui abandonado e escrachado e jogado aos leões, entendeu?”

“A Yasmin foi presa grávida e ela não fez nada mais do que foi mandado. Neto, Thiago e Beto mandaram ela fazer pra arrecadar fundos. Eu fui usado, Yasmin foi usada”, reclama.

“Eu não acho justo pagar esse pato sozinho, porque esse pato é do Beto Pereira, é do Thiago e do Neto, porque a maior parte do dinheiro foram pra eles”, argumenta. “Foi pra campanha do Beto e eu vou falar. Eu vou falar, mas eu não estou falando tudo, eu não estou falando tudo”, diz David Hoffaman Chita.

Propina do Detran-MS para caixa 2 na campanha de Beto Pereira

Assim, David teria sido ‘recrutado’ por Beto para atuar em conluio com servidores do Detran-MS no esquema e repassar o dinheiro sujo diretamente a pessoas ligadas à organização do ‘caixa não-oficial de campanha’ do PSDB para chegar à Prefeitura de Campo Grande.

Então, ficaram combinados repasses mensais a três pessoas tratadas como a cúpula do esquema criminoso. Em troca, Beto Pereira supostamente atuou para facilitar a operação com nomeações dentro do Detran-MS, acesso à cúpula da Polícia Civil e da Casa Civil para ‘blindar’ a operação.

Chita: “Mais de R$ 1,2 milhão da propina no Detran-MS para campanha de Beto Pereira”

Segundo David Hoffaman afirma, o chefe, Beto Pereira, supostamente recebia R$ 30 mil todo dia 10. Já seu assessor e braço direito à época, Thiago Gonçalves, seria responsável por negociar e articular em nome do ‘chefe’ e, ainda segundo David, receberia R$ 20 mil todo dia 30.

Por fim, o então diretor-adjunto do Detran-MS, Juvenal de Assunção Neto, receberia R$ 20 mil no dia 20.

“E tem muito mais. O que estou contando para vocês não é nem 30% de tudo que eu sei. Tem muito mais coisas que podem aparecer se quiserem investigar e se não me matarem antes”, alerta Hoffaman.

Além dos pagamentos fixos, David conta que ainda repassava uma comissão por cada documento fraudado. Segundo ele, mais de R$ 1,2 milhão de reais foram repassados ao grupo chefiado pelo deputado federal no período em que o esquema criminoso operou.

“Beto [Pereira] sempre foi o chefe, nada era feito sem autorização dele”, reforça David Cloky Hoffaman Chita.

Atualmente, Thiago atua na campanha de Beto Pereira e também é nomeado para o cargo de diretor da escola do legislativo, na Alems (Assembleia Legislativa de MS), sob matrícula 8608 e cargo PLDS.02.1. O Portal Transparência do órgão, no entanto, não traz a remuneração recebida por ele para a função.

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