Rota do Patrola: empreiteiro comprou fazendas perto de rodovia que construiu para Agesul

Reportagem já flagrou 3 fazendas próximas ao traçado da MS-228 que seriam de André Luis dos Santos, alvo da Operação Cascalhos de Areia

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Estrada que dá acesso a uma das fazendas do empreiteiro André Luiz dos Santos e ponte quebrada. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax

Corretores de imóveis, fazendeiros e vizinhos suspeitam que exista uma ligação entre a localização das fazendas em Mato Grosso do Sul compradas pelo empreiteiro André Luis dos Santos, conhecido como Patrola, e as obras de construção ou manutenção de rodovias cujas licitações ele venceu nos últimos anos.

Uma das ‘teorias’ é que o empresário teria comprado terras no entorno da MS-228 sabendo que a rodovia ia valorizar os imóveis. A coincidência é gritante. Onde Patrola ganhou obras viárias da Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), comprou terras.

Após a primeira fase da Operação Cascalhos de Areia ser deflagrada em Campo Grande, no dia 15 de junho, as propriedades do empreiteiro passaram a ser relacionadas com o suposto esquema de desvio de verbas públicas em obras de difícil medição e conferência, como o cascalhamento de vias não pavimentadas e aluguel de equipamentos.

Cidade de Corguinho fica entre Rochedo e Rio Negro. (Foto Marcos Ermínio/Jornal Midiamax)

Na região de Corguinho, a 90 quilômetros de Campo Grande, por exemplo, ao menos duas fazendas de Patrola atraem os olhares de vizinhos, corretores e das investigações. As propriedades rurais possuem estrutura que deixa explícito o alto investimento.

Além disso, ficam nas imediações da rodovia MS-228, cujos trechos o empreiteiro ganhou para construir com patrolamento e revestimento primário.

Quem conhece a região qualifica as sedes como “paradisíacas”. Espalhadas pelas propriedades haveria melhorias como construção de heliponto e piscinas. O movimento de caminhões e máquinas, supostamente da empreiteira de Patrola, é intenso na região.

Ponte quebrada com caminhões acima do peso

Foi assim que na última semana uma ponte da MS-340, no local identificado como Grota I, acabou quebrada. Moradores denunciam que o vai e vem de caminhões com peso acima do permitido teria destruído a estrutura de madeira da ponte.

A reportagem do Jornal Midiamax esteve na região. A primeira fazenda, Vitória, fica no quilômetro 112 da BR-080. Na entrada, uma placa do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) confirma que o empreiteiro é o dono.

O órgão ligado ao Sistema S confirmou ao Jornal Midiamax que oferece à propriedade do empreiteiro ‘assistência técnica em bovinocultura de corte’. A estrada de acesso à fazenda segue por aproximadamente 4 km.

A reportagem esteve no local tentando falar com Patrola e obter informações sobre as atividades da fazenda. No entanto, uma funcionária se limitou a confirmar que André Luis é o dono e mandou a equipe se retirar.

A ascensão financeira do novo fazendeiro gera curiosidade e rumores na vizinhança.

“Tenho um familiar que trabalhou na fazenda Vitória, essa que fica aqui perto de Corguinho. Tem uns anos e, já naquela época, falavam que era de um laranja de algum político. Fui levar ele lá e fiquei impressionado. Tudo cascalhado. Precisa entrar uns 4 km. Então, quem passa do lado nem imagina. Mas, é coisa de cinema. Ouvi que iam fazer até espaço para helicóptero”, conta um morador antigo de Corguinho.

Corretores têm teoria: ‘Patrola comprou fazendas valorizadas pela MS-228’

Além do espanto pelo rápido enriquecimento, Patrola provoca a imaginação de corretores de fazendas ouvidos pela reportagem do Jornal Midiamax. Para explicar a decisão do empreiteiro de investir em áreas rurais em Mato Grosso do Sul, um deles diz que existe uma ‘teoria’.

“Quem compra e vende terra em MS já viu este movimento várias vezes. Um grupo chega ao poder, ganha dinheiro e investe em terras que serão valorizadas com obras futuras ou em andamento. É um misto de fome com a vontade de comer. Até eu, que sou bobinho, se pudesse, compraria terras baratas se soubesse que iam dobrar de preço com uma obra que eu mesmo vou fazer”, resume.

De fato, o empreiteiro André Luiz dos Santos mantém contrato com o Governo de Mato Grosso do Sul para a construção do traçado da MS-228, que liga Rio Negro, Aquidauana, Rio Verde e Corumbá, em direção à planície da Nhecolândia.

Assim, Patrola teria justamente adquirido terras de uma ponta a outra da rodovia.

Na Nhecolândia, a reportagem identificou a área que comprou da Fazenda Chatelodo. Já em Rio Negro, estão as fazendas Três Marias e Fazenda Vitória, com acesso pela MS-340, mas ainda no entorno da nova rodovia.

Das 141 rodovias estaduais listadas pela Agesul, a MS-228 é a quarta maior em extensão, com 332,3 quilômetros. A estrada foi apresentada pelo governo anterior, de Reinaldo Azambuja, como um marco para a ‘nova pecuária’ na região.

No entanto, segundo os pantaneiros denunciam, a MS-228 acabou virando um corredor para acelerar a destruição do Pantanal com novos donos comprando terras no entorno e desmatando.

Após os mandados de busca e apreensão da primeira fase da Operação Cascalhos de Areia, que tinham entre os alvos o empreiteiro André Luis dos Santos e o atual comissionado na Seilog, Rudi Fioresi, o Governo de Mato Grosso do Sul suspendeu o contrato da MS-228 com a empreiteira de Patrola.

Uma das propriedades de empreiteiro é atendida pelo Senar-MS. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Placa do Senar-MS entrega proprietário: ‘André Santos’. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Vai e vem de caminhões até a ‘Fazenda do Andrézão’

Estrada que segue para a fazenda Três Marias. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Estrada que segue para a fazenda Três Marias: propriedade na rota das obras. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

De Corguinho, a equipe de reportagem seguiu até outra área apontada como uma das aquisições do empreiteiro. A fazenda Três Marias, na área rural de Rio Negro, é conhecida pelos moradores da cidade e alguns apontaram como ‘fazenda do Andrézão’.

No caminho, a denúncia de moradores sobre a ponte quebrada se confirma. Quando a reportagem passou pelo local, operários faziam o conserto da estrutura de madeira. A ponte, segundo eles, realmente teria quebrado na semana anterior, ‘com o vai e vem de caminhões acima das 15 toneladas permitidas’.

Trabalhadores fazendo conserto da ponte. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax

“Quebrou na sexta passada e o conserto, provavelmente, vai terminar sábado agora (1º). Aqui dá acesso a fazendas e, se seguir reto, vai sair lá em Corguinho, no distrito Fala Verdade. Uma caminhão foi passar pelo desvio e aí ficou atolado. A gente soube que a Agesul é quem veio ajudar e tirar. Tá só terminando de trocar as vigas e aí já fica pronto”, disse um funcionário para a reportagem.

Passado o desvio, o que se vê é uma estrada larga, “batida” e lisinha, um corredor semelhante ao que está sendo construído na MS-228, na região da Nhecolândia, pantanal sul-mato-grossense, onde patrola adquiriu, mais recentemente, a fazenda Chatelodo e desmatou uma área equivalente a 1.300 hectares, cerca de 40% acima da autorização que ele adquiriu com o Imasul (Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul).

A reportagem acionou a Agesul para saber detalhes do incidente que quebrou a ponte e deixou os moradores da região reféns de um desvio. Em nota, o órgão do Governo de Mato Grosso do Sul disse que a ponte passa por ‘manutenção preventiva’ há aproximadamente 10 dias.

“O serviço deve ser concluído no próximo sábado, 1º de julho. Para manter o acesso da população, um desvio foi feito na lateral da estrutura”, informa o órgão da Seilog (Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística de Mato Grosso do Sul).

Segundo a Seilog, a região tem dois contratos de manutenção ativos. Um para pontes (57/002.594/2021), com a empresa Belter Construções, e outro para manutenção das rodovias (57/100.515/2020), com a empreiteira Teccon Construção e Pavimentação.

Acesso a fazenda: caminhões por dentro do rio

O rastro de descuidos ambientais segue as propriedades do empreiteiro André Luis dos Santos.

Além do flagrante de crime ambiental na fazenda onde desmatou 1.300 hectares enquanto tinha autorização para desmatar 900 ha, quem passa pela região denuncia que o caminho até a Três Marias simplesmente faz os caminhões passarem por dentro do Rio do Peixe.

Caminhão da ALS seguindo para a fazenda Três Marias. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Caminhão da ALS seguindo para a fazenda Três Marias: por dentro do Rio do Peixe. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

A reportagem fez o trajeto até a entrada da Fazenda Três Marias, onde uma placa indica as iniciais do empreiteiro: ALS. De fato, na entrada é preciso passar por dentro de um curso de água. A denúncia é de que o trecho do Rio do Peixe ficaria inclusive em área de preservação.

Apesar do movimento, com caminhões atravessando o curso de água, moradores da região dizem que nunca viram autoridades da área de fiscalização preocupados com a situação.

Caminho até a fazenda passa pelo Rio de Peixe. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Caminho até a fazenda de Patrola atravessa Rio de Peixe. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Conforme o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a passagem sobre rios é permitida somente através de pontes, o que não é o caso. “Não se pode passar pelo curso de água por conta da possível degradação e por ser uma APP [Área de Preservação Permanente]”, afirmou ao Jornal Midiamax a superintendente Joanice Battilani.

Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax

Já no Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), onde questionamos se o proprietário possui licença ambiental para passagem de carros e caminhões, a resposta foi semelhante.

“No caso de a propriedade rural ter um curso d’água (um rio ou córrego) em seus limites territoriais, sendo caracterizado APP (Área de Proteção Permanente), a passagem pelo local só é possível com a devida autorização do órgão ambiental”. Sobre a licença ambiental, o Midiamax ainda aguarda a resposta.

Ao conseguir atravessar este local e chegar até a porteira, onde a intenção era conversar com os responsáveis e confirmar sobre o eventual licenciamento para uso do rio como trecho de estrada, a equipe de reportagem foi abordada por dois homens.

Ambos fizeram menção a supostamente estarem armados e, com gestos, mandaram a equipe retornar sem mesmo descer do veículo, devidamente caracterizado. “Vaza! Vaza!”, repetia um dos peões sentado sobre um dos postes da cerca.

Equipe foi hostilizada na entrada de fazenda. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Peões fizeram gestos apontando para cintura e expulsaram equipe: “Vaza” (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Além das visitas aos locais onde acabou hostilizada, a reportagem tenta contato documentado com André Luis dos Santos e com a empreiteira ALS dos Santos. Até o momento de publicação não houve respostas e o Jornal Midiamax mantém espaço aberto para manifestação sobre as denúncias.

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